Acórdão nº 176/17.8TXEVR-J.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA FILOMENA SOARES
Data da Resolução09 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I [i] O recluso MR (devidamente identificado nos autos) foi condenado no âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 6/15.5 GAODM, da Instância Central de Beja, Secção Cível e Criminal, Juiz 1, na pena única de 8 (oito) anos de prisão, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B e II-A anexas ao citado diploma, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea a), da Lei nº 5/2006, de 23.02, com referência ao artigo 2º, nº 5, alínea m), do mesmo diploma legal, e de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º, nº 1, do Código Penal.

[ii] O cumprimento desta pena iniciou-se em 11.02.2016 e a execução da mesma foi liquidada nos seguintes termos: meio da pena em 11.02.2020; dois terços em 11.06.2021; cinco sextos em 11.10.2022 e termo em 11.02.2024.

[iii] A situação prisional do recluso foi apreciada, decorrido o cumprimento de metade da pena e mais de seis meses e, por decisão proferida em 13.03.2020, proferida no processo gracioso de liberdade condicional nº 176/17.8 TXEVR-J, do Tribunal de Execução de Penas de Évora, foi-lhe negada a liberdade condicional, pelos fundamentos seguintes (que se transcrevem apenas na parte necessária ao conhecimento do objecto do recurso): “(…) II - FUNDAMENTAÇÃO A-OS FACTOS Julgo provados os seguintes factos com relevância para a causa: 1 - Por decisão proferida no Proc. n.o 6/15.5GAODM da Seccão Cível e Criminal (Juiz 1) da Instância Central de Beja o recluso foi condenado na pena de 8 (oito) anos de prisão pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, detenção de arma proibida e receptação; 2 - Iniciou o cumprimento desta pena em 11/2/2016, que se liquidou da seguinte forma: 1/2 em 11/2/2020; 2/3 em 11/6/2021; 5/6 em 11/10/2022 e termo em 11/2/2024; 3 - O recluso não regista outras condenações; 4 - Declarou aceitar a liberdade condicional e compreender o seu significado; 5 - O Conselho Técnico foi, por unanimidade dos seus membros, favorável à concessão da liberdade condicional; 6 - Já o MºPº é desfavorável a tal; ** 7 - O recluso regista um reparo disciplinar por factos de Abril de 2016; 8 - Começou a usufruir de licenças de saída ao exterior em Setembro de 2019 e foi colocado em regime aberto para o interior em 29/10/2019; 9 - Em meio prisional frequentou e concluiu curso de treino de competências sociais e vem trabalhando no bar de reclusos desde Dezembro de 2017, actualmente fazendo-o no bar de reclusos afecto ao regime aberto para o interior; 10 - Em liberdade irá reintegrar ao seu agregado familiar, composto pela companheira e filho menor de ambos, sendo propósito da família mudar o local de residência, afastando-se daquele onde ocorreram os factos, e indo viver para o Algarve para aí recomeçar uma nova vida; 11 - Admite os crimes por que cumpre pena, que contextualiza na sua vivência de então (trabalhava como barman e vigilante de bares) e no deslumbramento que esta lhe causava, reconhecendo que procurava adquirir um estatuto e ser conhecido nesse meio. Afirma que apenas depois de preso é que começou a perceber o efeito nocivo do haxixe e da heroína nos consumidores.

B - CONVICÇÃO DO TRIBUNAL Para prova dos factos descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa:

a) Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena, a fls. 2 a 34; b) Certificado do Registo Criminal do recluso, a fls. 43 e 44; c) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso, a fls. 46 a 51 e 59 a 61; d) Relatório dos serviços de reinserção social, a fls. 53 a 55; e) Declarações do recluso, a fls. 63.

C-O DIREITO Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. n° 400/82 de 23 de Setembro, a liberdade condicional tem como objectivo " ... criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão". Este instituto tem, pois, uma "finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização" 1.

Segundo o art.º 61 do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da liberdade condicional: 1 Neste sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, p. 528.

1 - Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos; 2 - Que aceite ser libertado condicionalmente; São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:

  1. Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes; B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (requisito que não se mostra necessário aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta do disposto no n. ° 3 do preceito em causa).

    Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral 2.

    Assim, e considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objectivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há de revelar-se através dos seguintes aspectos: 1) As circunstâncias do caso (valoração do crime cometido - seja quanto à sua natureza, seja quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71 do Código Penal- e da medida concreta da pena em cumprimento); 2) A vida anterior do agente (relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais); 3) A sua personalidade (para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais [quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional], considera-se a possibilidade de o recluso ter enveredado para um percurso criminoso por a isso ter sido conduzido, ou não, por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente); 4) A evolução desta durante a execução da pena de prisão (essa evolução deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre).

    Deve sublinhar-se que a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.

    Assim, os referidos padrões poderão revelar-se quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes, quando não motive as referidas punições), quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais - laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.

    * No caso dos autos temos por certos os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional: o recluso já cumpriu metade da pena, consentindo em ser libertado condicionalmente.

    Mas já quanto aos requisitos substanciais assim não podemos ainda concluir.

    É certo que, excepcionando a infracção disciplinar de Abril de 2016, o recluso vem apresentando uma atitude normativa, estando ainda a aproveitar as oportunidades facultadas pelo sistema prisional, designadamente de trabalho.

    Assume o seu comportamento criminoso, identificado os motivos que o levaram a tal, e começa a compreender o desvalor social dos crimes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT