Acórdão nº 478/19.9GHSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA ISABEL DUARTE
Data da Resolução09 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório 1.1 - No Processo Abreviado N.º 478/19.9GHSTC, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém - Juiz 2, o arguido: JOT, filho de FST e de GMO, nascido a ../…/1989, natural de …., solteiro, titular da carta de condução n.º …….e residente na ……………………….(TIR de fls. 23 e 24), actualmente em prisão preventiva, à ordem destes autos, com efeitos desde 22.10.2019, foi julgado, tendo sido proferida a sentença seguinte: “

  1. Condenar o arguido JOT pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-A, I-B e I-C, na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão; b) Determinar a manutenção do estatuto coactivo do Arguido, mantendo-se o mesmo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, aplicada por despacho judicial de fls. 60 a 64; (…)” 1.2 - O arguido, inconformado com essa decisão, dela recorreu, tempestivamente, apresentando, na sua motivação, as conclusões seguintes: “1.ª A matéria de facto considerada provada, na Sentença recorrida, implica o arguido recorrente na prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não num crime de tráfico de substâncias estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do mesmo diploma.

    1. Encontram-se plenamente preenchidos os critérios tendencialmente cumulativos desenvolvidos pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça por forma a aferir acerca da ilicitude diminuída referida no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

    2. As condições pessoais do arguido, nomeadamente a ausência de condenação por crime grave, a consistente inserção familiar, a existência de uma profissão e de experiência num modo de vida consentâneo com as normas jurídicas e sociais, sugerem que a pena que venha a ser aplicada ao arguido de ser suspensa na sua execução, nos termos do art. 50º do Cód. Penal.

    3. As razões de prevenção geral que, segundo se invocou, são muito acentuadas, per se, não podem justificar o afastamento do regime do art. 50º do Cód. Penal.

    4. Já as razões de prevenção especial, parecem evidenciar que a ameaça do cumprimento do remanescente da pena em regime efetivo apresentar-se-á proficiente na reintegração do arguido.

    Nestes termos, pedimos a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação de Évora, se dignem conceder provimento ao recurso e, por consequência, decidam: I. Alterar a qualificação jurídica dos factos provados para o tipo p. e p. pelo art. 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com a consequente correcção da medida da pena; e II. Suspender o cumprimento da pena de prisão que fixarem ao arguido Porquanto, Só assim farão a costumada Justiça!!!” 1.3 - O Magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta ao recurso, concluindo: “

  2. Andou bem o Tribunal a quo em qualificar toda a factualidade provada na norma do artigo 21.º do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 janeiro.

  3. Serviu de base a tal qualificação uma apreciação global e cuidada dos fatos, tais como, a preparação, o investimento e organização, os meios empregues, o grau de pureza, a quantidade e o tipo de estupefaciente transacionada, o número de consumidores que frequentam o local, tudo de acordo com as regras da experiência e a realidade da Comarca, bem como todas circunstancias suscetíveis de interferir na gravidade do facto, perigosidade da acção ou o desvalor do resultado, grau de ofensa do bem jurídico protegido.

  4. Tendo-se concluído, e bem, que a ilicitude do arguido não é consideravelmente diminuída, pelo que fica desde logo afastada a norma do artigo 25.º do citado diploma legal.

  5. A inserção profissional do arguido é duvidosa, já que a mesma não evitou/impediu que o arguido recorresse ao tráfico como forma de auferir rendimentos.

  6. A pena de prisão aplicada ao arguido, não deverá ser suspensa na sua execução, por se considerar que, a simples censura do fato e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada.

    Termos em que deverá o recurso ser declarado improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida nos seus precisos termos.

    Porém, só V. Exas. farão, como sempre, Justiça!!!!.”.

    1.4 - Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo: “Não creio que a sentença aprecianda mereça censura relevante, por forma a dar guarida às pretensões do recorrente.

    Com efeito, ante a matéria de facto assente como provada e a respetiva motivação, a convicção do julgador não se apresenta credora de reparo algum, emergindo do respectivo confronto com o argumentário do recorrente o total naufrágio das pretensões deste, que visam apenas impor as suas pessoais, parciais e não isentas leituras daquela mesma factualidade provada.

    Na verdade, a matéria de facto assente como provada não permite, claramente, fundar um juízo de ilicitude com os contornos da natureza e gravidade a que alude o artigo 25° do Decreto-lei n.º 15/93, e afasta irremediavelmente os seus entendimento e pretensão.

    Provados e incontestados os factos que integram aquele tipo (tráfico), razão de facto (e de direito) alguma releva que permita conduzir à censurabilidade do decidido, porque dúvidas não restam de que o recorrente os cometeu, querendo-os e conhecendo o seu significado antijurídico.

    Quanto à medida da pena, dada a violação dos valores e bens jurídicos protegidos pela norma, não se me afigura passível de censura o quantum encontrado, o qual se revela, a meu ver, como a resposta que a sociedade entende como ajustada e adequada à gravidade e consequências do ilícito em causa.

    E, por fim, a propósito da pretendida suspensão da execução da pena, importa, no caso, considerar o seguinte: como se anuncia no preâmbulo do Código Penal de 1982 e decorre do disposto nos seus artigos 42° e 43°, é pressuposto da execução das penas um objetivo pedagógico e ressocializador; por isso que, na prossecução de tal objetivo, apenas se deva recorrer à pena de prisão quando outras reações penais, não detentívas, não se mostrem adequadas à gravidade do crime e à recuperação dos seus agentes.

    As reações penais com a apontada natureza funcionam, com aquele mesmo objetivo, como medidas de substituição que, com maleabilidade, servem a cobrir um leque considerável de infrações puníveis com pena de privação da liberdade.

    Releva, para tanto, que o julgador conclua, ante a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem (permitam fundadamente supor, conformem uma expetativa séria) de forma adequada e suficiente o predito objetivo pedagógico e ressocializador (Código Penal, artigo 50°, n." 1).

    A verdade é que o crime em causa é de incontornável gravidade, e exigências de prevenção geral e especial recomendam uma punição que não deva ser vista, aos olhos do cidadão comum, como condescendente.

    O que vale por dizer que a suspensão da execução da penal no caso, corporizaria, a meu ver, um conteúdo punitivo premiai encapotado e injustificado, pois que não estão demonstradas razões e motivos consistentes que permitam formular um juízo otimista quanto à futura compostura social do recorrente.

    1. Em razão do exposto, creio dever o recurso interposto ser julgado improcedente.” 1.5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º do C.P.P. O Arguido respondeu, mantendo, no essencial, a sua posição inicial.

      1.6 - Foram colhidos os vistos legais.

      1.7 - Cumpre apreciar e decidir.

      II - Fundamentação.

      2.1 - O teor da sentença recorrida, na parte que interessa, é o seguinte “2.1.1. Efectuado o julgamento, provaram-se os seguintes factos: 1. Como forma de obter proventos financeiros e, assim, prover ao seu sustento e dispor de dinheiro para todas as suas despesas, o arguido JT, dedicou-se, desde data não concretamente apurada, à venda e distribuição de produto estupefaciente, nomeadamente de heroína, cocaína e canábis, a outros indivíduos que previamente o contactavam para tal, sendo que aquele produto estupefaciente era cedido por terceiro, recebendo o Arguido uma quantia não concretamente apurada.

    2. O arguido desenvolvia tal actividade de narcotráfico na zona de mato existente na zona da ……, zona limítrofe à …, área pertencente ao concelho de Sines, local este onde, há vários anos, dezenas de toxicodependentes e pequenos traficantes de Sines e dos Concelhos adjacentes se deslocam diariamente para comprar heroína e cocaína.

    3. No dia 22/10/2019, cerca das 11h25, o arguido encontrava-se no local supra referido, acompanhado de outro individuo cuja identidade não foi possível apurar, junto de um veículo, onde procediam conjuntamente à venda de heroína, cocaína e canábis, aos respectivos ocupantes.

    4. Nessa ocasião, ao avistarem os militares da GNR, o arguido e o outro indivíduo encetaram a fuga, seguindo caminhos distintos, e durante essa fuga, o arguido atirou ao chão, para o meio da vegetação um saco que tinha consigo, o qual foi recuperado e continha: i. Quarenta e oito embalagens, contendo heroína, com um peso líquido total de 171,233 gramas, com um grau de pureza de 8,3%, quantidade suficiente para 142 (cento e quarenta e duas) doses médias individuais diárias; ii. Uma embalagem, contendo cocaína (éster met.), ainda em pedra, com um peso líquido de total de 19,689 gramas, com um grau de pureza de 35,6%, quantidade suficiente para 233 (duzentas e trinta e três) doses médias individuais diárias.

    5. O arguido também tinha consigo uma bolsa de cor azul com inscrições a branco, da marca Nike, a qual continha os seguintes bens adquiridos com a venda de estupefacientes: i. A quantia monetária de € 185,00 (cento e oitenta e cinco euros), dividida em cinco notas do B.C.E. com valor facial de € 20,00 (vinte euros), sete...

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