Acórdão nº 8711/19.0T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL SALGADO
Data da Resolução16 de Junho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I.RELATÓRIO 1. Itinerário dos autos Em acção declarativa de condenação e processo comum, M…, J…. e A…, demandam E…, e Mapfre Seguros gerais,SA, pedindo que no reconhecimento da actuação profissional negligente do 1ºRéu, enquanto advogado que os patrocinou no foro administrativo, e a segunda, por via do contrato de seguro de grupo, celebrado com a Ordem dos Advogados, sejam condenados ao pagamento da indemnização por danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, até a limite de Euros 150.000,00, e no pagamento de danos morais no valor de Euros 5.000,00 por cada um dos peticionantes, acrescendo os juros de mora devidos desde a citação e vincendos.

Em suporte da pretensão alegam, que o 1ºRéu no exercício do mandato que os AA lhe conferiram, actuou ilícita e culposamente, usando meio de impugnação que foi recusado, ficando impedidos de aceder à instância jurisdicional superior e alcançarem decisão favorável à obtenção de remunerações profissionais adicionais que peticionaram, causando-lhes elevados prejuízos.

Isto porquanto o 1.º R. optou por interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (artigo 144.º/1 do CPTA), quando a impugnação deveria ter seguido a reclamação para a conferência de juízes, no prazo de 10 dias, (artigos 40.º/3 do ETAF e 27.º/1, alínea i) e 29.º/1 do CPTA), ficando em consequência definitivamente precludida a possibilidade de os AA. verem a sua pretensão revista pelo tribunal superior.

O 1ºRéu contestou.

Em síntese, declinou qualquer acto ou omissão negligente no exercício do mandato, mormente porque ao tempo do desenvolvimento da lide, e pelo menos até 2012, o recurso constituía o meio de impugnação acolhido pacificamente pela jurisprudência e doutrina relevantes, sendo que o êxito da pretensão dos AA. era altamente improvável, pugnando pela sua absolvição dos pedidos, e requerendo a condenação daqueles em litigância de má-fé. A Ré Mapfre, SA contestou, alegando em suma, que não ocorrem no caso os pressupostos da pretensa responsabilização do 1ºRéu, demonstrada a sua actuação em plena conformidade com os deveres de patrocínio, e a impugnação por via de recurso suportada na jurisprudência maioritária, mais impugnando os invocados prejuízos não concretizados; concluiu pela improcedência da acção e absolvição dos pedidos, e bem assim requerendo a condenação dos AA. como litigantes de má-fé.

Em resposta, os AA pronunciaram-se pela improcedência do pedido dos RR. no tocante à litigância de má-fé.

Teve lugar audiência prévia, no termo da qual o Tribunal proferiu sentença, que julgou a acção totalmente improcedente, absolveu os RR. dos pedidos, e também improcedente a requerida condenação dos AA. como litigantes de má-fé.

Culminando no dipositivo seguinte:” (..) em súmula, no caso vertente, nem há ilicitude, nem há negligência, nem a conduta de Emanuel Pamplona foi causa directa, determinante e necessária dos supostos prejuízos sofridos pelos AA., pelo que a R. seguradora tão pouco viu ser para si transferida a responsabilidade emergente de actos e omissões do advogado também R. no desempenho da sua profissão.

Pelo exposto, entende-se julgar a acção totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se os RR. do pedido.” 2. Inconformados os AA. interpuseram recurso da sentença.

No desenvolvimento das suas alegações extraíram as conclusões que seguem: 1 - O Tribunal a quo, antes de decidir como decidiu, através do Despacho Saneador com a forma e valor de Sentença, notificada na Audiência Prévia, não permitiu que os AA. respondessem às exceções invocadas na contestação do 1º Réu, uma vez que a decisão estava tomada e escrita, tendo ainda assim os AA. requerido para ditar para a ata tal resposta, o que consubstancia uma nítida violação do principio do contraditório, e por isso, o artigo uma violação do artigo 3º, nº3 do CPC.

2 - Se o STA veio uniformizar a jurisprudência relativamente à questão relacionada com o uso da interposição de recurso ou de dedução de reclamação, é porque havia decisões opostas à data da interposição do recurso pelo 1º Réu.

3 - E se as havia, o 1º Réu devia ter especiais cuidados na sua atuação processual. Por outro lado, também não foi este Acórdão que veio inovar nesta matéria a convolação dos Recursos em Reclamações, já em 2007, ainda no âmbito do ETAF, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, Processo nº 046051, de 06/03/2007 (www.dgsi.pt), veio deixar claro que a convolação era possível.

4 - O 1º Réu não podia ignorar a controvérsia existente e precaver-se como muitos advogados o fizeram quando tinham dúvidas sobre a utilização do meio processual adequado, interpondo o Recurso, mas dentro do prazo de 10 dias, ficando assim a porta aberta para se poder convolar o dito Recurso em Reclamação caso o Tribunal entendesse que não tinha sido utilizado o meio processual adequado.

5 - O 1º Réu como mandatário forense dos AA., não atuou com o zelo que se lhe impunha no cumprimento da obrigação que perante estes assumira por força do contrato de mandato, pelo que se afigura claro que nos encontramos no âmbito da responsabilidade civil contratual, verificando-se todos os seus pressupostos, ao não se entender assim, mostram-se violados os artigos 798 e 799 do CC.

6 - Os Autores não concretizaram, nem apuraram, na petição inicial, os valores que lhes eram devidos, pelas razões aí explanadas, ou seja, que são necessários cálculos complexos que só os serviços administrativos do Estado Maior General das Forças Armadas estão em condições de efectuar.

7 - Ou seja, uma vez julgada procedente a ação, é remetido para a fase de liquidação do julgado o apuramento dos montantes dos danos emergentes da condenação, o que é legalmente permitido.

8 - O dano de perda de chance (ou de oportunidade) reporta-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado, e houve de facto uma oportunidade perdida da exclusiva responsabilidade do 1º Réu.

9 - O advogado não está obrigado à produção de um resultado, mas está obrigado ao cumprimento da obrigação de meios a que está adstrito por via do contrato de mandato.

10 - O dano a considerar é o dano autónomo de perda de oportunidade de obter o resultado pretendido, a avaliar de acordo com a probabilidade de obtenção do resultado, que no caso em apreço era altíssima.

11 - Isto porque são vastíssimas as decisões dos Tribunais Superiores do Foro administrativo, que têm sido claras quanto a este conflito com os Ministérios da Defesa e das Finanças, por isso continua a não se perceber como é que o tribunal a quo pode ter concluído como concluiu ao afirmar que “…mesmo a terem os AA. visto a sua pretensão apreciada em recurso, a probabilidade de a ver reconhecida é francamente improvável.

* A 2ª Ré apresentou contra-alegações, refutando a argumentação dos recorrentes e pugnando pela subsistência da decisão recorrida.

O recurso foi regularmente admitido como de apelação e com efeito meramente devolutivo.

* Colheram-se os vistos e nada obsta ao conhecimento de mérito.

* 3. Questões a decidir –Thema decidendum São as conclusões que delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem- artigos 635º, nº3 a 5 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil - salvo em sede da qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, não podendo ainda conhecer de questões novas; o tribunal de recurso também não está adstrito à apreciação de todos os argumentos recursivos, debatendo apenas aqueles que se mostrem relevantes para o conhecimento do recurso, e não resultem prejudicados pela solução preconizada – artigos 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma.

Assentes em tais parâmetros, o objecto do recurso suscita a análise e decisão das seguintes questões: - A responsabilidade civil no domínio do exercício do mandato forense à luz da dogmática da perda de chance; - A opção da interposição de recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal no estádio da jurisprudência e doutrina adrede ao tempo do pleito; - A autonomia técnica do Advogado, e o grau de diligência e zelo empreendido pelo 1ºRéu no caso em apreço; - A probabilidade de obtenção de decisão favorável aos mandantes e ora AA. junto da instância superior administrativa.

  1. FUNDAMENTAÇÃO A. Dos Factos O Tribunal a quo assentou na seguinte factualidade com relevância para a decisão da causa: 1 - Os AA. encarregaram o 1.º R. de propor uma acção administrativa especial em que peticionavam a condenação do Ministério da Defesa Nacional e do...

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