Acórdão nº 3928/18.8T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães RELATÓRIO*Apelante: V. M.

Apelado: E. M.

Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo (lugar de provimento de Juiz 1) - Tribunal da Comarca de Viana do Castelo *No presente processo de regulação das responsabilidades parentais referentes às crianças R. C. e V. C., intentado pelo progenitor, V. M., contra a progenitora, E. M., depois de observada a legal tramitação e homologado acordo que fixou a residência dos menores junto do progenitor e esquema de contactos com a progenitora (reclusa em estabelecimento prisional), foi proferida sentença que decidiu não condenar a progenitora a prestar alimentos a favor dos filhos.

Inconformado com tal decisão que não condenou a progenitora a qualquer prestação de alimentos a favor dos filhos, apela o progenitor, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: 1º- Vem o presente recurso interposto da D. Decisão que decidiu «Não se condena a R.da a prestar alimentos a favor dos filhos».

  1. - A decisão em crise não é de mero expediente e enferma de falta ou insuficiência de fundamentação.

  2. - Estabelece o art.º 205.º, n.º 1 da CRP que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. E fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram ao Tribunal a tomar aquela decisão, é enunciar as premissas de facto e de direito.

  3. - A obrigação de fundamentação representa um importante sustentáculo da legalidade, e o direito à fundamentação constitui um instrumento fundamental da garantia contenciosa, pois que é elemento indispensável na interpretação da decisão judicial.

  4. - O tribunal a quo, ao invés de fazer uma análise global da prova produzida nos autos e explicitar os concretos fundamentos em que aquela se alicerça, limitou-se genericamente a informar que «A situação desta é peculiar. Não lhe é conhecida vida profissional e, em resultado da actual condição de reclusa, não tem possibilidades de ter ocupação remunerada normal. Nem intramuros lhe é conhecida actividade que lhe proporcione algum rendimento».

  5. - O processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, apesar de ter a natureza de processo de jurisdição voluntária, não deixa igualmente de estar sujeito, nas decisões a proferir, a tal dever de fundamentação, conforme claramente decorre do art.º 295.º, ex vi do art.º 986.º, n.º 1, que remete para o art.º 607.º, todos do Cód. de Processo Civil. Tal obrigatoriedade decorrente do cumprimento do dever de fundamentação é, inclusive, extensível, apesar da sua específica particularidade, às decisões provisórias proferidas ao abrigo do plasmado no art.º 289.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ainda que o admitindo mais mitigado ou sucinto.

  6. - A omissão – a falta ou insuficiência – dos fundamentos de facto e de direito – à qual equivale a sua ininteligibilidade – que justificam a decisão determina, consequentemente, a sua nulidade.

  7. - Compete a ambos os progenitores a obrigação de sustentar os filhos. Esta obrigação abrange tudo aquilo que é indispensável ao adequado desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos menores, tendo, porém, em conta as possibilidades dos obrigados.

  8. - A condição de progenitor (no caso mãe não guardiã) implica o dever de ter ou adquirir uma situação económica estável para prover ao sustento dos filhos e a situação de reclusão não a dispensa de cumprir a obrigação de alimentos que deverá, nesse caso, ser calculada de acordo com a sua capacidade laboral e de auferir rendimentos.

  9. - Acresce que a lei expressamente consagra a obrigatoriedade de a sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais definir e fixar os alimentos devidos ao menor e forma de os prestar – art.º 1905º do C.C.

  10. - A fixação da prestação nos termos expostos não constitui uma presunção insuportável para a progenitora (até porque a mesma concordou com tal fixação em sede de audição técnica especializada) uma vez que este poderá, querendo, demonstrar a sua incapacidade efectiva dispondo de meios judiciais que lhe permitem afastar tal obrigação.

  11. - Só em situações de carácter verdadeiramente excepcional será legítimo ao tribunal não fixar qualquer prestação de alimentos, como seja o caso de comprovada indigência, daqueles que perderam de forma irreversível e sem concorrerem culposamente para tanto, o seu património e a sua capacidade laboral, o que não resulta demonstrado nos autos.

  12. - Assim sendo e atendendo ao superior interesse do menor deverá ser acordada uma prestação de alimentos, de acordo com as normais realidades da vida e em termos de equidade e bom senso, tanto mais que a própria Requerida concordou em contribuir para o sustento dos seus filhos.

  13. - Estatui o artigo 69.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que “As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercícioabusivo da autoridade na família e nas demais instituições”. E no preâmbulo do Decreto-Lei n.º164/99, de 13 de Maio, que regula a garantia de alimentos devidos a menores, prevista na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, regista-se que “ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária proteção. Desta conceção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentação, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida.” 15º- Por sua vez, os n.ºs 1 e 2 do art.º27.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990), aduzem que: “1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social. 2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”; 16º- a que acresce o proclamado no Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança (proclamada pela Resolução da Assembleia Geral 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959), no sentido de que “a criança deve beneficiar da segurança social. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos”.

  14. - Ao não fixar alimentos devidos aos menores, o Tribunal a quo impede que o Estado use da sua solidariedade para quem carece de alimentos e impede que ele se possa substituir ao progenitor que não paga a pensão, colocando até em causa a sua missão social.

  15. - O Recorrente reúne as condições legalmente previstas para ter direito a uma prestação de alimentos a favor dos seus filhos menores, pois não se pode pôr só amor na mesa… 19º- A D. Decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 36.º, nºs 3 e 5, 69.º, 205.º, n.º 1 da CRP, 295.º, 986.º e 607º do CPC, art.ºs 1877.º, 1878.º, 1882.º a 1885.º, 1886.º, 1887.º, 1921.º, 2003.º, e 2004.º do CC, 45.º, 46.º, 47.º e 48.º do RGPTC, o Decreto-Lei 164/99 de 13 de Maio e o art. 27º, nº s 1 e 2 da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Não foram apresentadas contra-alegações.

* O Sr. Juiz a quo, no despacho em que admitiu o recurso, apreciou da invocada nulidade da decisão, que considerou não se verificar.

* Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* Do objecto do recurso Definido o objecto do recurso (e, com este, o poder cognitivo deste tribunal) pelas conclusões formuladas pelo apelante, importa apreciar e decidir: - da nulidade da decisão por falta de fundamentação, - se no caso dos autos se impõe fixar prestação alimentícia a suportar pela progenitora dos menores, considerando encontrar-se a cumprir a pena de dezanove anos de prisão em que foi condenada por acórdão transitado em julgado em 31/10/2018.

* FUNDAMENTAÇÃO * Fundamentação de facto Vem dada como provada a seguinte matéria de facto:

  1. V. M. casou com E. M. em - de Dezembro de 2001.

  2. R. C. nasceu em - de Julho de 2005.

  3. V. C. nasceu em - de Maio de 2014.

  4. R. C. e V. C. são filhos de V. M. e de E. M..

  5. E. M. foi condenada na pena de dezanove anos de prisão por homicídio de M. G., tia de V. M..

  6. O acórdão respectivo data de 31 de Outubro de 2018.

  7. V. M. é serralheiro e é com ele que vivem os menores, prestando-lhes os cuidados adequados e mantendo ligação de afecto entre eles.

  8. E tem sido o V. M. a suportar as despesas dos menores.

  9. E. M. está reclusa desde há meses, sem vida profissional e sem rendimentos.

Além desta matéria, considerando as certidões de nascimento dos menores juntas a fls. 30 e 31 dos autos, deve ainda...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT