Acórdão nº 289/19.1T8MCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução28 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 289/19.1T8MCN.P1 (apelação)Comarca do Porto Este Juízo Local Cível de Marco de Canaveses Relator Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, casada, residente na Rua …, n.º …, …. - … …, instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, S.A., com sede social na Avenida …, n.º …, …. - … Lisboa, alegando essencialmente que no dia 5.1.2019 ocorreu um acidente de viação que consistiu na colisão, num entroncamento, entre um veículo (.. - .. - AJ) de que é proprietária, conduzido por D… e um veículo (.. – IP - ..) propriedade de E…, Lda., conduzido por um seu funcionário sob as suas ordens e direção, com culpa exclusiva deste último, dali tendo resultado vários danos que a R. deve indemnizar por ser a sucessora da Companhia de Seguros F…, Lda., para a qual estava transferida a responsabilidade civil por acidente de viação relativamente ao IP e por a demandada já ter assumido a responsabilidade pela ocorrência do sinistro.

Alega que o seu veículo tinha valor real no património do lesado não inferior a €4.000,00 e sofreu vários danos, devendo a R. suportar o custo da reparação, no valor de €4.174,76. Ou, se assim, não se entender, deverá a R. indemnizar a A. pelo dito valor de €4.000,00.

Mais alega a A. que sofreu prejuízos com a privação do uso do veículo que a R. deve reparar, enquanto dano autónomo patrimonial e não patrimonial, pela quantia de €20,00 por dia, desde a data do acidente até à entrega ao A. do veículo devidamente reparado, sendo que, até 31 de março de 2019, se venceu já a quantia de €1.500,00.

Com efeito, deduziu o seguinte pedido condenatório: «a) a pagar ao A. a indemnização já liquidada no montante de €5.674,76, acrescida dos juros legais desde a citação até efetivo pagamento; b) E ainda no pagamento de uma indemnização correspondente a €20,00 por dia, pelos danos sofridos com a paralisação e privação do veículo, contados desde a data de 21 de Março de 2019 e até à data do pagamento da quantia necessária para a reparação do veículo, que se relegará para decisão posterior, através de incidente de liquidação adequado.

  1. nas custas e demais acréscimos.

    » (sic) Citada, a R. contestou a ação por impugnação parcial dos factos alegados na petição inicial, mas aceitando a invocada assunção da responsabilidade pela ocorrência do sinistro, considerando em causa apenas os montantes indemnizatórios.

    Considerou a seguradora que os salvados não valem mais de €100,00 e que o valor venal do veículo da A. era de cerca de €750,00 à data do acidente, sendo a sua situação de evidente perda total à luz do art.º 41º, nº 1, al. c) do Decreto-lei nº 291/2007, de 21 de agosto (LSO Automóvel). Daí que a sua responsabilidade tenha como limite a quantia de €650,00.

    Nega a existência de qualquer dever de reparar em razão da privação do uso do veículo, por inexistir dano.

    Defendeu que deveria ser proferida decisão em conformidade com os referidos fundamentos.

    Dispensada a audiência prévia, foi fixado à ação o valor de €5.647,76 e foi proferido despacho saneador tabelar, com expressa dispensa de decisão de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas de prova.

    O tribunal pronunciou-se ainda sobre os meios de prova.

    Designada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipisis verbis: «Pelo exposto, e nos termos dos citados normativos legais, decido julgar totalmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência decido condenar a Ré C… a pagar à Autora, B…: a) Indemnização no montante de 4.174,76€ (quatro mil, cento e setenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos) e compensação no montante de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), tudo acrescido dos juros legais desde a citação até efetivo pagamento; e b) Compensação correspondente a 20,00€ (vinte euros) por dia, desde a data de 21 de março de 2019 e até ao pagamento da indemnização referida em a).

    *Custas a cargo da Ré (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

    »*Inconformada, recorreu a R. de apelação, em matéria de facto e de Direito, formulando as seguintes CONCLUSÕES: ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… Entendeu, assim, a R. que a sentença deve ser revogada e substituída por decisão conforme às referidas conclusões.

    A A. produziu contra-alegações defendendo fundamentadamente a confirmação do julgado.

    *Foram colhidos os vistos legais.

    II.

    O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação da R., acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

    Somos chamados a decidir as seguintes questões: a) Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto; b) Excessiva onerosidade da reconstituição natural; c) Dano da privação do uso do veículo.

    * III.

    É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância[1]: 1) No dia 5 de janeiro de 2019, cerca das 18.30 horas, num entroncamento sito na união de freguesias …, Marco de Canaveses, o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula .. – .. -AJ (doravante designado por “veículo AJ”) era conduzido por D… e propriedade da Autora, enquanto o veículo de matrícula .. – IP - .. (doravante designado por “veículo IP”) era propriedade de “E…, Lda.” e conduzido por um seu funcionário.

    2) O local referido em 1) é um entroncamento de boa visibilidade.

    3) O veículo AJ circulava no sentido … – …, na via destinada ao seu sentido de trânsito, sendo que a via é constituída por duas vias de trânsito, cada uma afeta ao seu sentido de marcha.

    4) O veículo AJ circulava a uma velocidade de cerca 45 a 50 km/h.

    5) O condutor do veículo IP circulava pela mesma faixa de rodagem, mas em sentido contrário.

    6) Quando se aproximava do entroncamento formado pela via onde seguia e outra que se apresentava à sua esquerda, atento o seu sentido de trânsito, e porque aí pretendia aceder, o condutor do veículo IP guinou a direção do veículo para a sua esquerda.

    7) E fê-lo sem efetuar qualquer sinalética indicativa, sem abrandar a marcha, e sem se ter certificado que podia dar início à manobra supra descrita em segurança, colocando em perigo o demais trânsito que processava naquela via àquela hora.

    8) O veículo IP transpôs o eixo médio da faixa de rodagem, atravessando-se perpendicularmente no corredor de circulação mais à esquerda, atento o seu sentido de marcha.

    9) Quando o veículo AJ se encontrava a distância concretamente não determinada, a manobra levada a cabo pelo condutor do veículo IP veio obstruir, de forma súbita e inopinada, o sentido de marcha deste veículo AJ, levando a que o condutor do veículo AJ não lograsse evitar o embate entre a parte da frente do veículo AJ e a frontal e lateral esquerda do veículo IP – com o esclarecimento de que a tal não foram alheias as características do sistema de travagem do veículo AJ, atenta a sua antiguidade.

    10) O aludido embate ocorreu na hemifaixa de rodagem reservada ao sentido de marcha adotado pelo condutor do veículo AJ.

    11) A proprietária do veículo IP, através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º ………., transferiu a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a Companhia de Seguros F…, encontrando-se o mesmo válido e eficaz à data em que ocorreu o acidente de viação em apreço nos presentes autos.

    12) A Companhia de Seguros H…, S.A. foi redenominada para C…, S.A., mantendo o mesmo número de identificação de pessoa coletiva.

    13) A Ré já assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro, ocorrendo divergência entre a Autora e a Ré quanto ao montante indemnizatório reclamado pela mesma.

    14) Como consequência direta e necessária do acidente, resultaram, para o veículo AJ, danos que tornaram impossível que o mesmo circulasse, demandando os serviços de um reboque que o transportaram para a oficina “I…, Lda.”, onde ainda hoje se encontra.

    15) O veículo AJ apresentava danos, nomeadamente nas óticas, faróis e farolins dianteiros, radiador, tubos, ventiladores, resguardos, bateria, lâmpadas, longarinas, para-choque, capot, cava, grelha da frente, guarda lamas esquerdo e direito, para-brisas, frente da viatura, reforço do para-choques, grelhas do para-choques, refletores, spoiler e chapa de matrícula.

    16) Para a reparação integral do veículo AJ, necessário se tornou ainda contabilizar a mão-de-obra de chapeiro, mecânica, pintura.

    17) O valor para se proceder à reparação do veículo AJ é de 4.174,76 euros.

    18) A Ré considerou excessivamente onerosa a reparação, tendo entendido como valor da reparação o de 4.174,76 euros; como valor do salvado o de 750,00 euros; e como valor de mercado do veículo AJ, antes do acidente, o de 100,00 euros.

    19) Nessa sequência, a Ré propôs-se proceder a uma indemnização pecuniária no valor de 650,00€.

    20) O veículo AJ, propriedade da Autora, é um Volkswagen, modelo Polo, de maio de 1992.

    21) O veículo AJ encontrava-se em bom estado de conservação, tanto de pintura como de mecânica.

    22) O veículo AJ apresentava 90.171 quilómetros registados.

    23) O veículo AJ é dotado de três portas e tem capacidade para o transporte de cinco pessoas, incluindo o seu respetivo condutor.

    24) A reparação do veículo AJ é técnica e materialmente possível.

    25) A Ré nunca colocou à disposição da Autora um veículo de características e estado de conservação semelhantes ao veículo AJ interveniente no acidente.

    26) O veículo AJ era o único veículo disponível que a Autora possuía, nas suas deslocações profissionais e pessoais, nomeadamente para ir às compras, para atividades de lazer, idas ao médico, ao banco, ao mercado, visitas a amigos e familiares.

    27) A Autora teve que pedir veículos...

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