Acórdão nº 20249/18.9T8LSB-A. L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL SALGADO
Data da Resolução02 de Junho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I.RELATÓRIO 1. Itinerário da instância Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que Banco Primus, S.A. intentou contra J (….), veio O (…), deduzir embargos de terceiro.

Alegou em síntese, que é casada com o executado em regime de comunhão de adquiridos, vindo agora ao seu conhecimento a penhora do vencimento do marido ordenada nos autos, sem que para o efeito tenha sido citada, como se impõe, atenta a natureza de bem comum; termina, pugnando pelo levantamento da penhora por ser ofensiva do seu direito.

Em apreciação do petitório, o Tribunal concluiu que a penhora do salário do executado não constitui acto ofensivo de direito da embargante, não carecendo da citação do cônjuge, e assim indeferindo liminarmente os embargos, em atenção ao disposto nos artigos 345 e 590 do CPC. 2. Inconformada a Embargante apelou da decisão, formulando as seguintes conclusões: “A questão de que se recorre prende-se com o indeferimento dos embargos, porquanto a meritíssima juíza a quo julgou desnecessária a aplicação do art.740º n.1 CPC., não sendo em consequência a embargante citada na penhora do vencimento do marido.

Ora, salvo o devido respeito, tal interpretação é manifestamente inconstitucional por violação do art.67º n.1 CRP, porquanto, desprotege a família, o núcleo familiar composto pelo casal, concretamente desprotege o cônjuge do executado contra a penhora no ordenado deste, que além de constituir um bem comum é de facto, um valor essencial para a economia familiar.

Assim sendo, o direito à protecção da sociedade e do Estado decretado naquele dispositivo constitucional e consagrado em numerosa legislação ordinária, como por exemplo o art.740ºCPC, cai por terra com a interpretação jurisprudencial que a meritíssima juiz a quo perfilha.

Tal orientação jurisprudencial tem como consequência lógica a negação do direito de o cônjuge reagir ao ataque ao bem/património comum, o que traduz um claro ataque ao ínsito no art.67ºn.1 CRP. Esta interpretação processual em nada afecta a norma substantiva plasmada no art.1696ºn.2 C.C. A penhora do “produto de trabalho deste” (do cônjuge) não é incompatível com a citação do cônjuge do executado nos termos doa art.740ºn.1 CPC. Ao desaplicar o ínsito no art.740ºn.1 CPC e indeferir os embargos de terceiro deduzidos pela recorrente, a meritíssima juiz a quo violou o ínsito no art.67ºn.1 CRP, na medida em que, no plano patrimonial, desprotege a família da acção do Estado, permitindo a acção jurisdicional deste sem possibilidade de reação por parte do cônjuge do executado.” O Embargado/Exequente não ofereceu contra-alegações.

* Colheram-se os vistos e nada obsta ao conhecimento de mérito.

* 3.

Questões a decidir – Thema decidendum Delimitado o objecto do recurso pelo teor das conclusões, sem prejuízo da intervenção oficiosa legalmente definida - artº635 e 608 do CPC - o empreendimento decisório incidirá sobre as seguintes questões: § Dívida da responsabilidade exclusiva do cônjuge executado; a penhorabilidade subsidiária dos bens comuns; finalidade da citação do cônjuge não executado; § O regime substantivo de excepção na penhora do salário do cônjuge devedor- artigo 1698, nº2 al) b do Código Civil; a prevalência na aplicação do disposto no artigo 825 do CPC sobre o preceituado no artigo 740 do CPC; § A construção da lei ordinária e a tutela constitucional da família. II. FUNDAMENTAÇÃO A. Dos Factos O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I - A) supra.

  1. Enquadramento Jurídico Em aplicação do disposto do artigo 345, nº1 do CPC, o Tribunal a quo rejeitou liminarmente os embargos de terceiro impetrados pela Apelante, em conclusão da sua manifesta improcedência, uma vez que a penhora do salário do executado não se mostra incompatível com a qualidade de cônjuge, dispensando a lei a sua citação nos autos. Do que resulta que, a questão a dirimir consiste em saber, se a ordenada a penhora de 1/3 do salário do executado e marido da embargante, enquanto parte integrante do património comum do casal, impõe ex lege a sua convocação através da citação do cônjuge a que alude o artigo 740, nº 1 do CPC. À indagação do acerto ou agravo da decisão recorrida, importa então convocar o quadro normativo referente à afectação dos bens comuns do casal para satisfação de dívida da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, de par com o denominado estatuto processual do cônjuge do executado na situação de cobrança coerciva. Na interpretação concertada deste regime legal lograremos a razão fundamental que, sob o nosso entendimento, abona a favor da conclusão que, a penhora realizada no caso sob juízo não atingiu indevidamente o direito da apelante sobre o salário do cônjuge e executado.

  1. Os embargos de terceiro[1] constituem o meio processual específico para reagir contra a penhora por parte do cônjuge do executado - artigo 345 - do Código de Processo Civil .

    A apreciação a efectuar em sede do despacho liminar de admissão ou rejeição dos embargos de terceiro – artº 343 do CPC- é uma apreciação sumária, destinada a apurar da probabilidade séria da existência do direito invocado.

    Está assente que a embargante é casada com o executado, sob o regime matrimonial de comunhão geral de bens adquiridos, na ausência de notícia de convenção antenupcial.

    Assente está também que a embargante não foi até ao momento citada nos autos de execução, posicionando-se como terceira na lide.

    Para a satisfação do seu crédito o exequente nomeou à penhora o salário que o executado marido aufere enquanto trabalhador por conta de outrem.

    Na pendência do casamento, o produto do trabalho auferido por cada um dos cônjuges constitui bem comum do casal, conforme o disposto no artigo 1724, al) a do Código Civil. 1.2 Mostra-se incontroverso que a dívida exequenda teve origem em facto praticado unilateralmente pelo consorte executado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT