Acórdão nº 437/18.9T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução26 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. Da decisão No processo comum singular n.º 437/18.9T9STR, do Tribunal Judicial de Santarém, Juízo Local Criminal de Santarém, Juiz 1 foi o arguido JJ submetido a julgamento e condenado: A) Pela prática de um crime de ofensas corporais negligentes previsto e punido pelos artigos 148.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do CP, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 7 €, perfazendo a pena de multa de 560 € e não sendo paga, com a possibilidade de ser convertida em prisão subsidiária nos termos do artigo 49.º do CP e em quatro meses de proibição de conduzir; B) Pela prática de uma contra ordenação prevista e punida pelos artigos 24.º, n.ºs 1 e 3, 138.º e 145.º, n.º 1, alínea e) do Código da Estrada, com uma coima de 130 € e na inibição de conduzir pelo período de dois meses.

* 2. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1 - existe uma contradição que reputamos de insanável entre o ponto 6 dos factos provados e o ponto 1 dos factos não provados.

2 – Essa contradição determina o reenvio do processo à 1ª Instância a fim de se repetir o julgamento.

3 – Subsidiariamente, a proibição de conduzir deve fixar-se no seu limite mínimo (3 meses), atenta a prova produzida.

4 – Por outro lado, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 2 meses, pela prática da contra-ordenação estradal, deve ser revogada, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem”.

5 – A não ser assim entendido, estão reunidas as condições para que essa (…) inibição de conduzir seja suspensa (Vide matéria de facto provada transcrita a montante), nos termos do disposto no art.º 141º do Código da Estrada.

6 – a sentença recorrida viola, assim, designadamente o disposto nos art.ºs 69º, n.º 1, alínea a) e 71º do C.Penal e o art.º 141º do Código da Estrada.” 2.2. Das contra-alegações do MP Motivou o MP concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1. Assiste razão ao arguido no que concerne a alegada verificação do vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, alínea b) do CPPenal.

  1. No caso vertente, a antinomia, emergente do texto da própria sentença, verifica-se entre a matéria de facto dada como provada e aquela tida como não provada – por não ser possível, do mesmo passo, dar como assente que o veículo conduzido pelo arguido seguia a velocidade superior a 50 km/hora e considerar não provado que o dito veículo circulava a velocidade superior a 50 km/hora – e redunda na impossibilidade de descortinar qual a convicção do tribunal a quo acerca da velocidade a que o veículo transitava.

  2. A enunciada contradição resolve-se dando como não provada a factualidade em apreço, uma que vez que, no segmento da sentença atinente à fundamentação da convicção do tribunal, não se descortina a indicação de qualquer meio de prova que haja fundamentado a posição contrária, divisando-se, ao invés, as razões pelas quais o Mmo. Juiz a quo deu como não assentes os factos concernentes à velocidade de circulação do veículo.

  3. Sendo de duvidosa legalidade que a fixação da medida concreta da pena ande “ao sabor” da doxa dos diferentes sujeitos processuais, concedendo que se tratou de mera força de expressão do recorrente, que a sua opinião é fundada nos critérios legais plasmados no artigo 71.º do CPenal, omitiu aquele a sua enunciação em concreto, tornando ininteligível e, por isso, inatendível a sua pretensão.

  4. Não colhe a alegação de que a aplicação ao caso da pena acessória de proibição de conduzir e da sanção acessória de inibição de conduzir viola o princípio ne bis in idem, visto que a primeira pune a lesão da integridade física decorrente da colisão de dois veículos, motivada, por sua vez, pela condução desatenta do arguido e violadora dos mais elementares deveres de cuidado, ao passo que a segunda penaliza a inobservância de uma regra estradal.

  5. No que toca a aventada suspensão da execução da sanção acessória pelo recorrente, em tese possível, cumpre reiterar que a reprodução avulsa e parcial da factualidade dada como assente, desenquadrada de qualquer critério orientador da aplicação da pena suspensa, inviabiliza a procedência da sua pretensão.

  6. A motivação do arguido não observa nenhuma das prescrições do artigo 412.º, n.º 2 do CPPenal.

    Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso, relativamente ao vício previsto no artigo 410, n.º 2, alínea b) do CPPenal, dando como não provado que o veículo tripulado pelo arguido circulava a velocidade superior a 50 km/hora, e confirmando a sentença na parte referente à pena e sanção acessórias (…)” 2.3. Do parecer do MP em 2.ª instância Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer (transcrição): A)Uma pequena correcção se impõe ao texto da Sentença, o que desde já se sugere seja levada a cabo por esta Relação, ao abrigo do disposto no artº 380º, nºs. 1, b) e 2, do Código de Processo Penal (CPP).

    B)Tal como assinalado infra, em “3.”, no Dispositivo da Sentença consignou-se, além do mais, condenar o Arguido “pela prática de um crime de contra ordenação prevista e punida pelos artigos 24.º, n.ºs 1 e 3, 138.º e 145.º, n.º 1, alínea e), todos do Código da Estrada, com uma coima de 130 euros e na inibição de conduzir pelo período de dois meses”.

    C)Como está bem de ver, o Tribunal condenou o Arguido, no excerto transcrito, pela prática de uma contra-ordenação, que não de um crime de contra-ordenação, impondo-se, consequentemente, a eliminação do segmento “um crime de” e a sua substituição por “uma”, o que se propõe.

    D)Por outro lado, tal como reconhece o MP na Resposta ao Recurso, a Sentença incorreu, efectivamente, numa contradição, pese embora, ao contrário do que alega o Recorrente, ela não seja insanável.

    E)Ao dar, a um tempo, como provado e não provado que o Arguido circulava a uma velocidade superior a 50 kms/hora, a Sentença contradiz-se (cfr. facto provado “6.” e facto não provado “1.”).

    F)Todavia, como bem sugere o MP e por inteiro subscrevemos, “A enunciada contradição resolve-se dando como não provada a factualidade em apreço, uma que vez que, no segmento da sentença atinente à fundamentação da convicção do tribunal, não se descortina a indicação de qualquer meio de prova que haja fundamentado a posição contrária, divisando-se, ao invés, as razões pelas quais o Mmo. Juiz a quo deu como não assentes os factos concernentes à velocidade de circulação do veículo” - destaques a negrito e sublinhado de nossa responsabilidade.

    G)De resto, a questão da determinação concreta da velocidade não constitui factor decisivo para a configuração do crime, posto ter-se dado como assente que o Arguido “circulava desatento ao trânsito, designadamente à sinalização luminosa e aos veículos que circulavam à sua frente, e que eram visíveis, em desrespeito pelas normas de circulação rodoviária, sem adequar a velocidade às condições da via e às condições meteorológicas por forma a executar, em condições de segurança, as manobras cuja necessidade fosse de prever, nomeadamente, imobilizar o seu veículo de modo adequado a evitar uma colisão” - cfr. facto provado “10.”.

    H)Ou seja, independentemente de qual fosse a velocidade, ela não era a adequada às condições da via e do tráfego que, no momento, se verificavam.

    I)Daí que, sendo sanável a contradição, nem sequer se possa ter por verificado o vício ínsito na b), do nº 2, do artº 410º, do CPP, posto que, para que assim fosse, a contradição, ao invés, teria que ser insanável, tal como da própria norma resulta.

    Consequentemente, não haverá lugar a qualquer reenvio e à repetição do julgamento, como sustenta o Arguido.

    J)Mais alega o Recorrente que “a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 2 meses, pela prática da contra-ordenação estradal, deve ser revogada, sob pena de violação do princípio "ne bis in idem"”.

    K)Conforta tal posição no entendimento adoptado no Acórdão do TRP, de 08.02.2017 [1], do qual retém o seguinte excerto (que completamos): “O art. 134.º, n.º 1 do C. Estrada, sob a epígrafe Concurso de infrações, estabelece que, se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contraordenação.

    No entanto, o disposto no n.º 1 do art. 134.º não pode interpretar-se no sentido de permitir uma dupla sanção.

    Assim, perante um comportamento que configura contraordenação estradal e, simultaneamente, integra um dos crimes previstos no art.69.º, n.º1, alínea a), do C. Penal, esgotando a prática do crime o âmbito da contraordenação, por forma a que possa entender-se que a consome, a sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar deve ser decretada com base no art. 69.º do C. Penal, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, dado que a aplicação concomitante da pena acessória de proibição de conduzir prevista na legislação penal e da sanção acessória de inibição de conduzir prevista no Código da Estrada se traduziria em dupla sanção pela mesma conduta.”.

    L)Dispõe o artº 134º, do Código da Estrada (CE): “1 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contraordenação.

    2 - A aplicação da sanção acessória, nos termos do número anterior, cabe ao tribunal competente para o julgamento do crime.

    3- As sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.”.

    M)Segundo a Relação do Porto, no Acórdão assinalado, a razão pela qual se proscreve “a aplicação concomitante da pena acessória de proibição de conduzir prevista na legislação penal e da sanção acessória de inibição de conduzir prevista no Código da Estrada” decorreria do facto de tal se traduzir numa “dupla sanção pela mesma conduta”.

    N)Ora, a mesma conduta pode...

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