Acórdão nº 201/19.8T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução26 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial de Setúbal, Juízo Local Criminal, J3, correu termos o processo comum singular supra numerado no qual foi deduzida acusação pública contra RJ, divorciada, advogada, nascida em 19 de Maio de 1977, natural de S. Sebastião, Setúbal, filha de … residente na Rua…, Setúbal, pela prática, em autoria material, de factos susceptíveis de integrar um (1) crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1, 184.º, 188.º, n.º 1 alínea a) e 132.º, n.º 2, al. l), todos do Cód. Penal.

* BB formulou pedido de indemnização civil contra a arguida, ora demandada, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos na sua esfera jurídica em consequência do crime de injúria de que foi vítima – [cf. fls. 51 e ss.] * A final - por sentença lavrada a 24 de Outubro de 2019 - veio o Tribunal recorrido a decidir:

  1. Condenar a arguida como autora material de um (1) crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º1, 184.º, 188.º, n.º1, al. a), e 132.º, n.º1, al. l), todos do Cód. Penal, na pena de sessenta (60) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00); b) Condenar a arguida, ora demandada, a pagar a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de compensação dos danos não patrimoniais sofridos na sua esfera jurídica provocados pelo crime de injúria agravada de que foi vítima BB.

  2. Condenar a arguida no mais legal.

    * A arguida, não se conformando com a decisão, interpôs recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões: I - O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou a Recorrente pela prática do crime de Injúria Agravada p. e p. art. 181º e 184º, com referência à I) do n. 2 do artigo 132° todos do Código Penal (C.P.) e ainda no pagamento da quantia de € 750,00 correspondente à totalidade do pedido cível formulado pela ofendida II- Pela afirmação "você é uma incompetente" dirigida a funcionário judicial que por diversas vezes não logrou notificar a arguida, dando-a como tendo paradeiro desconhecido, não se ofendeu a honra, consideração e prestígio que são devidos à ofendida, sendo que se tratou de mero desabafo em contexto de reclamação de um serviço, sem intenção de ofender a pessoa da funcionária judicial na sua honra e consideração pessoal.

    III- Resulta da prova produzida em audiência que a ofendida ficou chateada e aborrecida, considerando que "é chato, é muito chato ter que ouvir uma expressão destas" mas não resultou minimamente provado que tenha ficado ofendida na sua honra ou consideração; IV- Nem resultou da prova produzida que a ofendida tenha sofrido danos morais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, nem tais danos sequer foram alegados no pedido cível que apenas se refere ao valor do pedido em sede de quantificação a final da peça processual no campo referente ao valor.

    V- O Pedido Cível formulado não cumpre os requisitos legalmente previstos, não formula um verdadeiro pedido indemnizatório, não alega os factos que geram os danos nem alega danos concretamente sofridos, sendo insuficiente para sustentar o pedido indemnizatório a mera indicação de um valor em cumprimento da obrigação de indicação do valor do pedido.

    VI- É criminalmente atípica a presente expressão crítica ou mesmo qualificativa de funcionária, que não ofendeu a mesma na sua honra e consideração, não se encontra preenchida, objetivamente, a previsão dos artºs 180º, nº 1 do Código Penal. A integração dos elementos do tipo de injúria não poder ficar ao critério subjetivo de cada um, nem do ofendido sob pena de se cair na mais completa arbitrariedade, e muito menos do julgador sob pena de total descredibilização do sistema judicial.

    VII- A douta sentença enferma do vicio de insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada: Salvo o devido respeito, que é muito, o tribunal a quo na sua douta sentença de 50 (cinquenta) páginas, parece pretender colmatar a falta de prova, (efetivamente tratou-se de apenas 1 sessão de julgamento com produção de prova), elaborando toda uma riquíssima peça processual em termos de considerações teóricas e doutrinárias, e intelectuais, mas com factos insuficientes para deles retirar a condenação em matéria penal e civil como retirou, cfr. se pode concluir pela prova gravada supra reproduzida, designadamente pelo depoimento da ofendida.

    VIII- Ou seja, quer dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas, quer do depoimento da ofendida não se retiram factos suficientes para a decisão de direito do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, tendo concluído pelo preenchimento do tipo de crime pelo qual se condenou a arguida, com falta de prova da ofensa da honra e consideração da ofendida, que terá ficado apenas incomodada.

    IX- O tribunal errou notoriamente na valorização da prova, tendo dando total credibilidade aos depoimentos de todas as testemunhas arroladas pela ofendida, as quais revelaram uma memória seletiva, recordando só e não mais do que a frase "você é uma incompetente" em todo o contexto em que estiveram presentes na mesma sala, cfr. depoimentos citados.

    x- Ao valorar como valorou estes testemunhos, credibilizando-os em absoluto, o Mmo Juiz a quo proferiu uma sentença, aliás douta, e intelectualmente riquíssima, mas, salvo devido respeito, ilógica, arbitrária e notoriamente violadora das regras da experiência comum.

    XI- Mais grave, o tribunal a quo fundamentou a decisão com recurso a prova que não teve qualquer contacto com o presente processo, invocando e valorando em sede de fundamentação da decisão o depoimento de 2 agentes da PSP que jamais em momento algum tiveram contacto com o presente processo ou estiveram no julgamento cfr. pág. 18 da douta sentença, o que constitui um vício insanável por violação do disposto no art, 3550 do CPP.

    XII- Ao decidir como decidiu o tribunal não interpretou e não aplicou corretamente no caso concreto além do mais as normas constantes dos artigos 1810 do Código Penal, 3550 do CPP e 4840 e 496, n. I, ambos Código Civil.

    Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser a recorrente absolvida quer em sede criminal quer em sede civil.

    * O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, sem conclusões, 1.

    A Recorrente alega que a sua conduta é criminalmente atípica e que não se ofendeu a honra, a consideração e o prestígio que são devidos à ofendida.

    1. Ficou provado, em síntese, que em hora não apurada, mas situada entre as 13h30 e as 16h30 do dia 02 de novembro de 2018, no Departamento de Investigação e Ação Penal do Tribunal Judicial de Setúbal, a Recorrente dirigiu-se à senhora BB, Técnica de Justiça Auxiliar que se encontrava no exercício das suas funções e devidamente identificada, e disse-lhe em tom alto «Você é uma incompetente».

    2. A expressão “você é uma incompetente” é a manifestação de um pensamento insultuoso, revelador de um juízo de reprovação relativamente à atuação profissional da funcionária em causa pelo que tem carater injurioso.

    3. A Recorrente é advogada de profissão pelo que tem especiais conhecimentos para avaliar os limites da sua liberdade de expressão sendo sabedora de que chamar a senhora funcionária de “incompetente”, nos termos e circunstâncias em que o fez é vexatório e ofensivo da honra e da consideração profissionais desta.

    4. Das declarações prestadas pela ofendida em sede de audiência de julgamento ficou provado que a mesma se sentiu ofendida pelas palavras que a Recorrente lhe dirigiu e pelo tom em que as disse.

    5. O crime de injúria é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano não sendo necessário que as expressões atinjam efetivamente a honra e a consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a suscetibilidade dessas expressões para ofender.

    6. Dirigir-se a uma Técnica de Justiça Auxiliar, no exercício das suas funções, e dizer-lhe em tom alto, na presença de outros utentes da justiça e de outros colegas de trabalho “você é uma incompetente” é, manifestamente suscetível de ofender a honra e a consideração da pessoa visada.

      Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos, por ser totalmente conforme à lei, no que farão V.

      as Ex.

      as JUSTIÇA.

      * O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso por ausência de fundamentação.

      Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.

      * B - Fundamentação: B.1.a - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: 1. Em hora não apurada, mas situada entre as 13h30 e as 16h30 do dia 02 de Novembro de 2018, no Departamento de Investigação e Acção Penal do Tribunal Judicial de Setúbal, sito na Rua Cláudio Lagrange, Palácio da Justiça, em Setúbal a arguida dirigiu-se ao balcão, a fim de obter informações sobre um processo de inquérito com o n.º ---/16.1T9STB a correr termos na 1.ª Secção daquele DIAP de Setúbal.

    7. Depois de ser atendida pela funcionária AA, foi solicitada a intervenção da funcionária pública BB, técnica de justiça auxiliar a exercer funções naquela secção, que se encontrava em exercício de funções e devidamente identificada, por ser esta quem cumpria tal processo id. em 1), pelo que se abeirou do balcão onde a arguida se encontrava, de forma a atendê-la.

    8. Nesse momento, a arguida dirigindo-se à referida funcionária BB e, em tom alto, disse: «Não me...

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