Acórdão nº 5193/18.8T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | JORGE MANUEL LOUREIRO |
Data da Resolução | 02 de Abril de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório A autora propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, deduzindo os pedidos seguidamente transcritos: “
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A R. ser condenada a pagar à A. a importância de €4.476,68 a título de diferenças salariais na retribuição mensal base dos anos de 2000 a 2007 e 2011; B) A R. ser condenada a pagar à A. a importância de €374,60, a título de crédito de horas de formação profissional não ministrada nem paga; C) A R. ser condenada a pagar à A. a importância de €309,20 a título de férias vencidas e não gozadas a 1.1.2018 e não gozadas nem pagas e respectivo subsidio; D) A R. ser condenada a pagar à A. a importância de €1.082,19 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2018; E) Ser anulada a sanção disciplinar de repreensão registada decidida e aplicada pela R. à A. em 21.05.2018; F) A resolução operada pela A. ser declarada provida de justa causa e, consequentemente, a R. ser condenada a pagar à A. a indemnização prevista no art.º 396.º do CT, a qual se computa em €17.057,53; DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO G) Caso se entenda que a resolução com justa causa operada pela A. não decorre ou foi motivada por comportamento culposo da R., e/ou não cabe no disposto no art.º 394.º, n.º 5 do CT, isto é, não decorre de falta culposa de pagamento pontual da retribuição por banda deste por período superior a 60 dias, desde já se requer ao tribunal que declare provida de justa causa a resolução operada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 394.º, n.º 2, al. ,n.º 3 al. c) do C.T., atenta a falta de pagamento das retribuições supra discriminadas; H) A R. ser condenada a pagar à A. juros à taxa legal sobre as importâncias peticionadas desde o seu vencimento e até efectivo e integral pagamento.
”.
Alegou, em resumo, que tendo sido trabalhadora subordinada da ré, resolveu o contrato de trabalho com justa causa subjectiva para o efeito, sendo que do contrato de trabalho e da sua cessação emergiram para si os direitos de crédito correspondentes aos pedidos formulados.
A ré não contestou.
Foi proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte: “Tendo em conta tudo o exposto e, ao abrigo das disposições legais citadas, julgo a ação procedente por provada e em consequência, condeno a ré:
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A pagar à autora a quantia de €4.476,68 (quatro mil quatrocentos e setenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos), a titulo de diferenças salariais na retribuição mensal base dos anos de 2000 a 2007 e 2011; b) A pagar à autora a quantia de €374,60 (trezentos e setenta e quatro euros e sessenta cêntimos), a titulo de crédito de horas de formação profissional não ministrada, nem paga; c) A pagar à autora a quantia de €309,20 (trezentos e nove euros e vinte cêntimos), a titulo de férias vencidas a 01/01/2018 não gozadas nem pagas e respetivo subsidio; d) A pagar à autora a quantia de €1.082,19 (mil e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos), a titulo de proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídios de natal do ano de 2018; e) A pagar à autora uma indemnização a liquidar em ulterior incidente de liquidação, que se fixa em 30 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano de trabalho prestado, nos termos do disposto no artigo 396º do CT.
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A pagar os juros de mora sobre as quantias aludidas de a) a e) à taxa de 4% desde os respetivos vencimentos, até integral pagamento.
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Anula-se a sanção disciplinar de repreensão registada, decidida e aplicada pela ré à autora em 21/05/2018.
”.
Não se conformando com o assim decidido, apelou a ré, rematando as suas alagações com as conclusões seguidamente transcritas: ...
Contra-alegou a autora, pugnando pela improcedência da apelação.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, importa decidir II - Principais questões a decidir Como supra enunciado, a sentença recorrida condenou a ré a pagar diferenças salariais na retribuição mensal base dos anos de 2000 a 2007 e 2011, um crédito de horas de formação profissional não ministrada, nem paga, férias vencidas, não gozadas nem pagas, e respectivo subsídio, proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano de 2018, uma indemnização por resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa subjectiva, e juros de mora.
Além disso, anulou a sanção disciplinar de repreensão registada aplicada pela ré à autora.
Lidas as alegações e conclusões, verifica-se que a apelante não manifesta nenhuma discordância recursiva relativamente ao crédito de horas de formação profissional não ministrada, nem paga, às férias vencidas, não gozadas nem pagas, e respectivo subsídio, aos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano de 2018, aos juros de mora, assim como não estendeu essa sua divergência à anulação da decisão disciplinar.
Por outro lado, no que concerne às diferenças salariais, a discordância da autora circunscreve-se às reconhecidas por referência ao ano de 2011 (v.g. alegação A13 e conclusão B7).
Finalmente, em termos de pretensão recursiva final apresentada pela apelante, a mesma enuncia-se do seguinte modo: “Termos em que, na procedência do presente recurso, deve ser revogada a sentença recorrida, sendo substituído por outra que absolva a Ré do pedido de pagamento da indemnização por justa causa, ou, caso assim não se entenda, anulada a douta sentença, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, ou ainda,” … “sem prescindir, se aquele pedido se não tiver por verificado, deve ser revogada a sentença recorrida, sendo substituída por outra que fixe o montante indemnizatório pela resolução contratual pelo mínimo, de 15 dias por cada ano completo de antiguidade.
”.
Como assim, apenas subsistem para discussão as seguintes temáticas: i) existência ou não de diferenças salariais relativas ao ano de 2011; ii) existência ou não de fundamento para anulação da decisão recorrida nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil; iii) existência ou não de fundamento para resolução do contrato com justa casa subjectiva e, na afirmativa, a correspondente medida de indemnização.
Visto quanto acaba de referir-se e tendo em conta que é pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se deve ser anulada a decisão recorrida por contradição entre os factos descritos como não provados e o descrito nos pontos 35º), 37º), 70º), 71º) 74º e 78º) dos factos descritos como provados; 2ª) se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 3ª) saber se são devidas à autora as diferenças salariais que lhe foram reconhecidas na sentença recorrida por referência ao ano de 2011.
4ª) saber se assistia à autora justa causa subjectiva para a resolução do contrato de trabalho; 5ª) se deve ser reduzida a indemnização arbitrada à autora com fundamento em resolução do contrato de trabalho com justa causa subjectiva.
III – Fundamentação
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De facto Factos provados ...
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De direito Primeira questão: se deve ser anulada a decisão recorrida por contradição entre os factos descritos como não provados e o descrito nos pontos 35º), 37º), 70º), 71º) 74º e 78º) dos factos descritos como provados.
...
Segunda questão: se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada.
A apelante insurge-se contra o ponto 7º) dos factos descritos como provados no segmento em que nele se descreve que a ré “… aplicava de forma voluntária e a todos os trabalhadores ao seu serviço.
” o CCT aí identificado.
Comece por dizer-se que a expressão “… aplicava de forma voluntária e a todos os trabalhadores ao seu serviço.
” deve ser interpretada em termos hábeis, no sentido de que dessa aplicação se excluía, pelo menos, a autora que, justamente e através desta acção, pretende ver-lhe aplicado o regime do CCT que a apelada aplicava aos seus colegas de trabalho, seja pelo reconhecimento de que aquela aplicação voluntária deveria estender-se-lhe independentemente de qualquer IRCT não negocial de que a mesma pudesse resultar, seja pela invocação de IRCT´s dessa natureza de que tal aplicação também resultaria independentemente da vontade da apelante e para o caso daquela aplicação voluntária generalizada não permitir concluir no sentido de que o CCT também deveria aplicar-se à autora.
Isto dito, importa referir que constitui um facto empiricamente perceptível, enquanto acto de vontade passível de ser sensorialmente percepcionado e demonstrado[1], a aplicação de um dado CCT por parte de um determinado empregador, por decisão voluntária sua, a uma dada relação de trabalho ou à generalidade das relações de trabalho em que aquele figura com aquela qualidade[2], sendo que a demonstração processual dessa aplicação voluntária não está sujeita a nenhuma exigência especial quando à qualidade de que deve revestir-se o meio de prova através do qual a demonstração pretenda ser feita, podendo a demonstração ser feita, inclusivamente, por testemunhas[3].
Por outro lado, a aplicação voluntária acabada de ser referenciada não depende, ao contrário do sustentado pela ré, da vontade dos trabalhadores abrangidos por essa aplicação; aquela aplicação pode ser unilateralmente decidida e implementada pelo empregador, qualquer que seja a vontade dos trabalhadores abrangidos, restando a estes a possibilidade de se conformarem ou de se insurgirem contra tal aplicação pelos meios jurídicos disponíveis para o efeito.
Importa ter presente, também, que não se trata de matéria excluída da disponibilidade das partes, por se reportar a direitos indisponíveis, não...
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