Acórdão nº 949/18.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 31 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução31 de Março de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. F (…) instaurou a presente açcão declarativa comum contra A (…) e B (…) pedindo a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre as partes, em 11.5.2017, e consequente condenação dos Réus à devolução do preço de € 59 500 e pagamento da quantia de € 2 695 (indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais).

Alegou, em síntese: adquiriu aos Réus a fracção urbana aludida no art.º 9º da petição inicial (p. i.) pelo preço de € 59 500, tendo os vendedores declarado encontrar-se a mesma livre de ónus e encargos; após a venda, teve conhecimento que corria termos na Câmara Municipal de (…) um processo administrativo contra os Réus, por construção de uma parte dessa fracção sem licenciamento; tais obras não são passíveis de licenciamento, impondo-se a sua demolição, que irá abranger cerca de metade da sua área, deixando-a sem qualquer utilidade para a A.; caso conhecesse a existência de tal processo administrativo, não teria adquirido a fracção, tendo agido com erro relativamente ao objecto do negócio; o dito negócio causou-lhe danos patrimoniais (pagamento do preço da fracção, despesas da escritura e imposto de selo) e não patrimoniais.

Os Réus contestaram e reconvieram, alegando, nomeadamente: o prédio em questão fora constituído em propriedade horizontal; venderam a fracção D e executaram obras na fracção B, que licenciaram; quando decidiram vender a fracção B, o proprietário da fracção D apresentou uma queixa na Câmara Municipal, imputando-lhes a realização de obras não licenciadas; não esconderam à A. o que se passava relativamente à fracção quando esta manifestou interesse na sua aquisição, dando-lhe a conhecer que estava em curso um processo na CM(...), tendo sido a A. quem insistiu na aquisição; atendendo ao facto de estar pendente no Município de (…) a queixa apresentada pelo proprietário da fracção D, reduziram o preço para € 40 000; já haviam vendido a fracção quando foram notificados da intenção de demolição, desconhecendo, até então, se as obras eram ou não passíveis de licenciamento; colaboraram com a A., com ela tendo desenvolvido várias diligências, com vista a obter uma solução que impedisse a demolição; caso venha a ser anulado o contrato de compra e venda, a A. deverá liquidar o montante de € 350 por cada mês que ocupou a fracção e os juros até integral pagamento.

Concluíram pela improcedência da acção e, caso assim não suceda, que a A. deverá ser condenada a pagar-lhes, a título de “indemnização”, a quantia de € 350 por cada mês desde a ocupação da fracção até à sua entrega aos Réus/Reconvintes, e os respectivos juros moratórios. Pediram ainda a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

A A. replicou concluindo como na p. i. e pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 22.8.2019, julgou a acção procedente e improcedente a reconvenção, e, em consequência: declarou anulado o negócio (contrato de compra e venda de imóvel) celebrado em 11.5.2017, mencionado no ponto 10 dos factos provados, condenando os Réus a restituírem à A. o preço por esta pago, no valor de € 59 500 (cinquenta e nove mil e quinhentos euros) e a pagarem à A. a quantia indemnizatória de € 2 320 (dois mil trezentos e vinte euros), acrescida do valor, a liquidar ulteriormente, relativo às despesas por aquela suportadas com a celebração do mesmo contrato; absolveu a A./reconvinda do pedido reconvencional.

Inconformados, os Réus apelaram formulando as seguintes conclusões: (…) A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa reapreciar: a) impugnação da decisão relativa à matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, cuja modificação depende, sobretudo, da eventual alteração da decisão de facto. * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1.

A A., no início do ano de 2017, começou a procurar casa para habitação própria permanente, com o intuito de proceder à sua aquisição, para aí viver com sua mãe.

  1. Mas o imóvel a adquirir não podia ser localizado em pisos superiores, devendo, no essencial, ser uma superfície plana, atentas as limitações de locomoção da sua mãe.

  2. Dado que se aproximava a data de cessação de um contrato de arrendamento da sua mãe, que não o pretendia renovar, e o facto de ainda não ter encontrado um imóvel com as condições pretendidas, uma senhora sua conhecida informou-lhe que os réus estariam a vender um imóvel e que poderia agendar uma visita para ver se lhe agradaria, pelo que a A. entrou em contacto telefónico com os Réus e agendou com os mesmos uma visita ao imóvel.

  3. Nessa visita foi-lhe mostrado um apartamento situado no rés-do-chão, com superfície plana, uma área razoável, composto por dois quartos, dois wc, uma cozinha, garagem de grandes dimensões, sala de jantar e sala de estar.

  4. Foi igualmente dito pelos Réus que o pequeno canteiro sito na frente esquerda da porta de entrada do imóvel pertencia à fracção, podendo usar o mesmo.

  5. A A., após a visita e os esclarecimentos prestados, considerou que o imóvel continha as características pretendidas e por esse motivo, após negociações, acordou com os Réus, os trâmites em que seria efetuada a compra e venda.

  6. Nesse desenvolvimento, em 27.4.2017, entre a A., na qualidade de promitente compradora, e os Réus, na qualidade de promitentes vendedores e proprietários do imóvel referido em 4., foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda relativamente à fracção autónoma designada pela letra “B”, destinada a habitação, correspondente ao rés-do-chão direito, com uma garagem e arrumos, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (...), n.º 152, Bairro da (...), (…), da União de Freguesias de (…) , descrito na CRP de (…) sob o n.º 1162 e inscrito na matriz predial de (…) sob o art.º 2462, tendo os Réus sido representados na celebração do referido contrato pela sua filha, G (…) , com procuração com poderes para o efeito.

  7. Do referido contrato consta que o preço global de venda seria de € 59 500 (cinquenta e nove mil e quinhentos euros), liquidando a título de sinal o valor de € 19 500 (dezanove mil e quinhentos euros) e o remanescente de € 40 0000 (quarenta mil euros) aquando da realização de escritura pública de compra e venda.

  8. Desde essa data, a A. tomou posse do bem, por forma a realizar as mudanças e deixar o apartamento arrendado onde habitava a sua mãe, até ao final do mês de abril de 2017, passando assim a usá-lo, fruí-lo e habitá-lo normalmente.

  9. Posteriormente, em 11.5.2017, mediante escritura pública denominada de compra e venda, os Réus declararam vender à segunda outorgante (A.) a fracção autónoma identificada em 4. e 7. “pelo preço de quarenta mil euros, que já receberam”.

  10. Mais declararam que o “imóvel é vendido livre de ónus ou encargos”, tendo sido exibido, além da licença de utilização, o certificado energético SCE147463025.

  11. Em 10.02.1978, no Cartório Notarial de (…)(livro B-24, fls. 78) foi constituída a propriedade horizontal do prédio em 4 fracções, designadamente de “A” a “D”, tendo o Réu ficado proprietário das fracções “B” e “D”: a) - Fracção “B”: r/c direito com garagem e arrumos com a área de 68 m2 coberta (imóvel em causa nos presentes autos); e b) - Fracção “D”: 2º andar com quatro quartos, dois wc e uma cozinha e parte comum.

  12. Na referida escritura menciona-se que é comum o logradouro, a entrada para o 1º e 2º andar pela via pública e canalizações.

  13. Da memória descritiva integrante do processo de obra datado de 12.7.2005, com o n.º 09.437/2005, consta o seguinte: “A obra que se pretende realizar terá 4,15 m de frente e 3,60 m de profundidade e alinha a sua construção pelo limite de terreno encostado ao muro. A altura será de 2,70 m com pé direito livre de 2,40 m com cobertura plana. O interior tem um compartimento sendo para garagem. A área de construção será de 15 m2”; 15.

    Em 05.12.2005 foi diferida a construção, devendo no prazo máximo de um ano requerer a emissão de alvará, sendo que foi emitido o alvará de obras de construção n.º 552/2006, o qual continha os seguintes parâmetros: - “Tipo de construção: anexos. Área de construção: 12 m2; Volume de construção: 42 m3; Cércea: 2,80 m; N.º de divisões de fogo: 1; Uso a que se destina a edificação: garagem; Prazo para conclusão das obras: 29/11/2006”.

  14. Tal obra foi executada pela empresa A (…), titular do NIPC (… ) tendo como responsável a técnica C (…), inscrita no sindicato de arquitetura com o n.º (…) 17.

    Após a conclusão das obras, não foi solicitada nova licença de utilização da fracção ou alteração da já existente de modo a incluir a nova área.

  15. Da certidão matricial consta que a fracção tem uma área bruta privativa de 47 m2 e dependente de 16,50 m2, numa área global de 52,80 m2.

  16. O certificado energético emitido em 04.5.2017, elaborado pelo técnico J (…), alude a uma área útil de pavimento do imóvel de 131,76 m2.

  17. Pouco tempo após a celebração da escritura de compra e venda, o vizinho do 1º andar dizia que a A. não podia usar o canteiro na frente de habitação, pois não lhe pertencia.

  18. Criando-se mau ambiente entre vizinhos.

  19. Então os Réus continuavam a assegurar-lhe que as condições transmitidas aquando da venda se mantinham inalteradas.

  20. Pelo que a A. continuou a fazer a sua vida normalmente e a usufruir das utilidades da fracção.

  21. Em meados do mês de Novembro de 2017, a A. teve conhecimento, por parte da sua vizinha do 1º andar, da existência de um processo administrativo a correr termos na Câmara Municipal de (…) o qual envolvia o imóvel que havia adquirido aos réus.

  22. Nessa ocasião, solicitou a sua consulta junto da CM(...), tendo então constatado, aquando da consulta de tal processo no Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística...

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