Acórdão nº 539/19.4T8LMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 31 de Março de 2020
Magistrado Responsável | ANA VIEIRA |
Data da Resolução | 31 de Março de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I- RELATÓRIO M (…), herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J (…) aqui representada pelos herdeiros, residentes no lugar da rua (...), em (…), vieram propor contra M (…), J (…), residentes na rua (…), (…), e M (…) e marido A (…) residentes na rua (…)., (…), o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse, da água que brota de uma mina localizada no prédio dos requeridos, de onde é derivada e encaminhada para os prédios dos requerentes.
Para sustentar a sua pretensão, os requerentes alegam que há mais de 50 anos estão no uso e fruição da água que brota no prédio dos requeridos, para gastos domésticos e rega dos seus prédios (urbano e rústico), cuja água é represada e encaminhada no tanque e daí conduzida, através de um rego a céu aberto para prédios os rústicos dos requerentes e requeridos, existindo entre a mina e o tanque, uma caixa onde a água era dividida, em partes iguais e daí conduzida para as habitações dos requeridos e dos requerentes, da qual estes últimos se vêm privados desde o verão passado, em virtude dos requeridos terem vedado o seu prédio, com rede e portões, tendo aterrado a mina e arrasado o tanque, impedindo os requerentes de regar o seu rústico e de utilizar a água para gastos domésticos, colocando em causa o cultivo das suas novidades. A referida água era a que abastecia o prédio rústico dos requerentes, que dela fruíam de forma ininterrupta e diária para uso doméstico e rega do rústico, há mais de 50 anos, de forma contínua e sem oposição de quem quer que seja, actuando no exercício de um direito próprio, desde segunda-feira até quinta-feira, durante todo o ano, através do prédio dos requeridos, ao qual acediam por forma a derivarem as águas.
Instruído o processo e inquiridas a as testemunhas arroladas pelos requerentes foi proferida decisão inicial nos seguintes termos: «… nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a pretensão dos requerentes procedente e, em consequência: a) decretar a restituição provisória de posse aos requerentes da água que brota da mina e do tanque localizados no prédio dos requeridos, onde é derivada, represada e encaminhada por tubos até atingir os prédios dos requerentes e a favor dos mesmos, inscritos nas matrizes sob os artigos 20 e 540-K (identificados no ponto 1 dos factos provados), diariamente para consumo doméstico e para rega do seu rústico, cada ano, desde as 8 horas de segunda-feira até às 8 horas de quinta-feira, com a consequente condenação dos requeridos a efectuarem os trabalhos necessários à reposição e fornecimento da água, com a colocação dos tubos para o seu encaminhamento e a não perturbarem o livre exercício de tais servidões, abstendo-se de praticar actos que privem os requerentes de utilizar a referida água.
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condenar os requeridos no pagamento da quantia de € 100 (cem euros), por cada dia de incumprimento da providência ora decretada, a título de sanção pecuniária compulsória; c) condenar os requerentes nas custas do presente procedimento cautelar, a atender a final na acção respectiva, nos termos do artigo 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
* Aquando da restituição provisória de posse decretada deverão os requeridos ser expressamente advertidos, ficando a constar do respectivo auto, que incorrem na pena do crime de desobediência qualificada se vierem a infringir a providência ora decretada, nos termos previstos no artigo 375.º, do Código de Processo Civil.
* Após a restituição provisória de posse decretada, notifique os requeridos nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º 1 do Código de Processo Civil…»(sic).
Os requeridos (…) vieram opor-se à providência cautelar decretada nestes autos, alegando, em síntese, que realizaram obras na mina em causa, após acordo com os requerentes, e que, após as mesmas, a água da mina secou, não tendo os requeridos tido qualquer intervenção neste evento.
Concluem, pugnando pela revogação da decisão que decretou a presente providência e pela condenação dos requerentes como litigantes de má fé, por apresentarem ao tribunal um relato inverídico dos factos.
Foi proferida a sentença recorrida que decidiu nos seguintes termos: «.. Decisão Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, impõe-se manter, in totum, os termos em que foi decretada a providência requerida e absolver os requerentes do pedido de condenação em litigância de má fé.
Valor da providência: € 15 000.00 Custas pelos requeridos, a atender na acção principal – art. 539º do CPC.
Registe e notifique. ..»(sic).
* Inconformados com a predita decisão, vieram os requeridos interpor o presente recurso, o qual foi admitido.
Os requeridos com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «…4- CONCLUSÕES: 1- A tese dos requeridos é que a falta de água proveniente da mina ocorreu sem que os mesmos para tal tivessem contribuído com qualquer ação afeta requerentes e requeridos.
2- A escassez da água foi notada no verão de 2018, tal como resulta do que alegam os requerentes quando fazem referência a uma reunião nessa altura, facto que também é referido pelos requeridos na sua oposição.
3- O tribunal “a quo”, não se pronunciou sobre os factos alegados pelos requeridos nos números 52º e 54º da oposição e que é a seguinte: “Conferidos pelos requerentes e pelos requeridos e terminados os trabalhos acima identificados foi a boca da mina tapada com material em betão pré-esforçado; (…) e só depois de todos estarem de acordo é que se procedeu ao emparedamento da boca da mina, tendo a mesma sido tapada, no sentido de evitar a entrada e animais e inertes e para segurança de pessoas”.
4- Deu como indiciariamente provado e em simultâneo como indiciariamente não provado o seguinte facto: “os requeridos não percorreram toda a extensão da mina com medo que a mesma pudesse assapar”. (nº 6 dos factos provados e alínea j) dos factos não provados), o que representa uma contradição, tornando nula, nesta parte a decisão, nos termos do artº 615º, nº 1. al. c), última parte do CPC.
5- O Tribunal “a quo” não pode cindir o depoimento de todas as testemunhas, acreditando, apenas, numa parte dos seus depoimentos, dividindo os de acordo com a matéria que entendeu dar por assente.
6- O depoimento das testemunhas deve ser entendido como uno e incindível e se o Tribunal entende que a testemunha lhe merece credibilidade pelo depoimento que prestou, não sê vê que razões existirão para nele não acreditar na sua totalidade.
7- O tribunal ao dar como assente o modo e execução das obras feitas pelos requeridos na mina, só poderia dar como assente os demais factos que as testemunhas relataram.
8- O tribunal não poderia ter dado por assente que os requerentes, no verão de 2017 executaram obras de aproveitamento de água da mina – nº 4 da fundamentação de facto-, porque tal não foi sequer alegado. O que se demonstrou foi que, por acordo entre os requerentes e requeridos, que se executaram obras de aproveitamento da água da mina, tendo em conta a escassez de água.
9- As testemunhas responderam de forma isenta, com conhecimento dos factos e com razão de ciência.
10- Os requerentes tinham, como sempre tiveram conhecimento da execução das obras na mina, no entubamento das águas e na condução das mesmas até à sua casa de habitação, a elas tendo anuído e consentido, porque, como é evidente, antes da sua execução não existia água na dita mina.
11- E também tiveram conhecimento, depois da confirmação da divisão das águas do emparedamento da boca da mina.
12- Aqueles que participaram nos trabalhos, nas obras, e que foram as testemunhas indicadas e ouvidas são quem melhor pode informar o Tribunal do que passou.
13- A matéria de facto deve ser alterada, aditando-se à matéria assente o seguinte:
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No verão de 2017, tendo em conta a escassez de água, os requerentes e requeridos chegaram a acordo para executarem obras de aproveitamento da água da mina; (artº 20º da oposição) b) Todas as obras elencadas nos factos assentes foram feitas na presença dos requerentes, com o seu consentimento, autorização e anuência, tendo manifestado o seu contentamento pela forma como tinham sido executadas; (artº 51º) c) Conferida a divisão da água pelos requerentes pelos requeridos e terminados os trabalhos foi a boca da mina tapada com material em betão pré-esforçado; (artº 52º) d) Só depois de todos estarem de acordo é que se procedeu ao emparedamento da boca da mina, tendo a mesma sido tapada, no sentido de evitar a entrada de animais e para segurança de pessoas. (art 54º) 14- As obras executadas não tiveram por finalidade impedir os requerentes de aceder à água, mas sim fazer um melhor aproveitamento da água da mina.
15- O tribunal considerou como indiciariamente provadas as obras alegadas pelos requeridos, e por eles executadas, mas nada diz quanto ao seu tempo de execução e à sua duração, limitando-se a dizer que não ficou demonstrado que terminam em Março de 2018.
16- Deve considerar-se como provado que as obras referidas e executadas na mina terminaram em Março de 2018, acrescentando-se esse facto à matéria dada como assente.
17- A restituição provisória de posse tem lugar, nos termos do artº 377º do CPC, no caso de esbulho violento, devendo o possuidor alegar os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência, pressupondo a verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
18- A ação de restituição da posse, caduca, se não for intentada dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho. (artº 1282º do Cód. Civ.) 19- O esbulho ocorre quando o possuidor se vê privado do uso da coisa, ou de continuar a exercer a posse.
20- Os requerentes não estão impedidos de se deslocar à mina.
21- No caso em concreto, nenhum ato praticado pelos requeridos traduz um esbulho. As obras que se executaram não impedem os requerentes de aceder à mina.
22- Os requerentes não identificaram um qualquer ato...
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