Acórdão nº 719/19.2T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução17 de Março de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. D (…) e M (…) intentaram a presente acção declarativa comum contra I (…), Lda., “da qual é sócio gerente J (…)”, pedindo que seja:

  1. Declarada a constituição em incumprimento contratual do “Réu” do contrato-promessa de compra e venda, celebrado a 27.5.2007, pelo não pagamento do preço global acordado; b) Reconhecido o direito dos AA. à “parcela a desanexar do prédio rústico supra mencionado”; c) Condenado o “Réu” a dar em pagamento os 5 000 m2 do prédio rústico melhor identificado no art.º 1º da petição inicial (p. i.), para pagamento integral e efetivo do valor global acordado.

    Subsidiariamente, para a hipótese de não ser possível a desanexação da parcela do prédio rústico:

  2. Condenação do “Réu” no pagamento aos AA. da quantia de, pelo menos, € 72 540, correspondente ao valor comercial dos 5 000 m2, no concelho de (...), naquela concreta localização.

    Mais requer que, uma vez ultrapassado o prazo de 60 dias conferido ao “Réu” para cumprimento da obrigação e sem que este se exonere efetuando a prestação que, por opção sua, vier a ser designada, seja deixada a cargo dos AA. essa mesma escolha.

    Alegaram, em síntese: no dia 27.5.2007, o falecido C (…) respectivamente pai e cônjuge dos AA., celebrou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda, através do qual prometeu vender, e esta comprar, o prédio rústico aí descrito; o preço global acordado foi de € 205 000, sendo que logo aquando da celebração do contrato a Ré entregou ao C (…) a quantia de € 115 000, ficando convencionado que na data da escritura, outorgada em 04.5.2007, pagaria a quantia de € 70 000 e em Setembro de 2007 o montante de € 20 000, pagamento que aconteceu, disso dando quitação; segundo as cláusulas do contrato-promessa, a Ré ficou ainda obrigada a dar em pagamento lotes de terreno para construção já urbanizados, a saírem do prédio objecto do contrato, no mínimo, com a área de 2 000 m2, escolhidos por sorteio ou, em alternativa, não aprovado o respectivo loteamento do imóvel, a dar 5 000 m2 rústicos desse mesmo prédio, também por sorteio quanto à sua localização; esperaram que a Ré cumprisse o restante pagamento acordado, o que nunca aconteceu, tendo-se a obrigação vencido em Maio de 2017 (“esgotado o prazo de 10 anos”); enviaram à Ré uma carta registada com A/R, assinalando o seu incumprimento e referindo manterem o interesse no negócio, mas a Ré não respondeu, nem cumpriu o acordado; não se levanta qualquer impossibilidade legal de cumprimento do contrato com fundamento na inadmissibilidade do destaque; a Ré não cumpriu o acordado e inviabilizou intencionalmente o projecto que esteve na origem das negociações, bem como da celebração do contrato prometido, apesar de conhecer as dificuldades económicas dos AA. e que levou à venda do prédio por montante abaixo do seu valor de mercado, estipulando as partes, cumulativamente, como meio de pagamento, a entrega dos lotes de terreno para construção; sempre estiveram convencidos de que se iria cumprir o contrato prometido, com a urbanização do terreno do loteamento; as partes quiseram fixar, como modo de pagamento, uma unidade de cultura mínima, pelo que a Ré deveria dispor dessa parcela a favor dos AA.; a considerar-se não ser possível a desanexação da parcela de terreno em discussão, deverá a Ré compensar monetariamente os AA., de forma a cumprir integralmente o pagamento da totalidade do preço acordado, em montante não inferior a € 72 540.

    A Ré contestou, alegando, em resumo: no dia 04.5.2007 o falecido C (…) e a Ré celebraram a escritura de compra e venda, declarando aquele que pelo preço de € 115 000, já por si recebido, vendeu o prédio rústico em causa e que não era bem comum do casal; a área era inferior à referida pelos AA., pois o falecido destacou do prédio 8043 m2, ficando com o ónus real de não fraccionamento a partir de 04.5.2005; na mencionada escritura pública de 04.5.2007 foi paga toda a quantia devida pela compra e venda, encontrando-se o contrato-promessa já cumprido com a escritura pública celebrada bem antes; o contrato-promessa é nulo por não terem sido reconhecidas as assinaturas; nunca foi aprovado qualquer loteamento, não sendo, por isso, possível a entrega de quaisquer lotes; nunca seria possível o destaque dos 5 000 m2 rústicos. Concluiu pela improcedência da acção. Em audiência prévia, os AA. pronunciaram-se sobre a alegação da Ré que podia configurar matéria de excepção, designadamente no que respeita à matéria atinente à celebração da escritura pública entre as partes, invocada na contestação, bem como a invocada nulidade do contrato de promessa de compra e venda, referindo, nomeadamente: a acção foi instaurada no pressuposto da existência da referida escritura, de resto manifestada na documentação que a instruiu, pelo que a existência da escritura e os factos que possam representar a excepção, deverão ser efectivamente considerados; a celebração da escritura demonstra precisamente que a estrutura da acção não tem que ver com a execução do contrato-promessa, que poderia valorizar a referida falta de reconhecimento presencial de assinaturas, mas sim, a interpretação da vontade das partes e a celebração de acordos que não têm que ver directamente com a validade formal do acto de transmissão de propriedade, essa completa e aceite pelas partes, pelo que, verificando-se que as assinaturas apostas no documento não foram impugnadas, haverá que apreciar a relação obrigacional assumida ou não no referido documento.

    Constatando-se, quer do próprio conteúdo dos articulados, quer dos documentos juntos com a p. i. a fls. 9 (denominado “contrato-promessa”) e com a contestação a fls. 21 (denominado “compra e venda”), que a data que consta do primeiro documento é 27.5.2007, enquanto que a do segundo é 04.5.2007, resultando que o contrato-promessa tem data posterior à escritura de compra e venda, concedeu-se também às partes a possibilidade de esclarecerem tal situação.

    Os AA. referiram, então, que aquando da instauração da acção, não tinham na sua posse o título através do qual foi transmitida a propriedade do prédio em discussão nos autos, pelo que o conhecimento concreto advém da contestação, reconhecendo, no entanto, as disparidades referidas. Acrescentaram que o subscritor do documento, promitente vendedor, já não está vivo, não sendo possível aos AA. esclarecer a circunstância em que a data no contrato-promessa foi aposta, o que justificou a elaboração dos articulados com a aposição de determinada data, mas afigura-se que a data de 27 de Maio se deverá a lapso, uma vez que a “cláusula 6ª” do mesmo refere a data 04 de Maio, que corresponde exactamente à da escritura. Requereram, nesta sequência, a correcção ao articulado da p. i. de modo a que no art.º 1º, onde consta, “A 27 de Maio de 2007” deverá constar “Em data anterior a 04 de Maio de 2007 e em tempo inferior a um ano relativamente a tal data (…)”, elementos que consideraram “os relevantes do mérito da causa”.

    A Ré opôs-se, entendendo que não deve nem pode ser alterada qualquer uma das datas introduzidas na p. i. e aceites expressamente na contestação, pelo que qualquer eventual alteração de dados, nomeadamente destes factos, são completamente intempestivas e impróprias. Foi proferido despacho, decidindo-se: “(…) os articulados das partes, tal como as decisões e despachos do Tribunal, tal como decorre do disposto no artigo 614º, n.º 1 do CPC e 249º do CC, só podem ser alterados/rectificados caso enfermem de manifesto lapso de escrita ou outro que decorra também das suas próprias circunstâncias, maxime da confrontação, designadamente documentos juntos aos autos. Caso assim não seja, apenas com o acordo da parte contrária, quanto ao novo facto alegado, poderá ser alterado o teor do respectivo articulado./ Neste caso concreto, não obstante a perplexidade também do Tribunal, no que respeita às datas alegadas pelas partes e confirmadas pelos próprios documentos, o certo é que (…) as mesmas resultam dos próprios documentos e não é alegado pelos AA...

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