Acórdão nº 1109/17.7T9VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução06 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I- RELATÓRIO 1. A decisão recorrida Após realização da audiência pública de discussão e julgamento, pelo tribunal coletivo, com exercício amplo do contraditório, foi proferido acórdão final, com apreciação da matéria de facto e de direito, com o seguinte DISPOSITIVO: Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em A. julgar procedente a acusação e, em consequência, condenar AA, pela prática de dois crimes de coação sexual agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), e 69.º- B, n.º 2, do Código Penal, o primeiro deles em 5/7/2015, na pena de dois anos e dez meses de prisão; o segundo, em setembro de 2016, na pena de dois anos e seis meses de prisão e na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de seis anos.

  1. Em cúmulo jurídico, condenar AA na pena única de três anos e sete meses de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de seis anos.

  2. (…) D. Determinar a recolha de amostras para fins de identificação de células humanas, a respetiva análise e obtenção de perfis de ADN.

  3. (…) * 2. O recurso Inconformado com o acórdão (…), recorre o arguido.

    Na motivação do recurso são formuladas as seguintes CONCLUSÕES: (…) * Corridos vistos cumpre decidir.

    *** II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Síntese das questões a decidir Tendo por referência a natureza do recurso (apreciação da existência de erro in judicando ou in procedendo cometido na decisão impugnada que não a realização de um novo julgamento) e o dever de motivação, especificada, que incide sobre o recorrente, nos termos previstos no artigo 412º do CPP, constitui entendimento pacífico que, sem prejuízo daqueles casos em que a lei imponha o dever de conhecimento oficioso de determinadas questões, o âmbito do recurso é definido pelas respetivas conclusões – cfr., designadamente, Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335; Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74; Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196.

    As questões suscitadas serão analisadas pela ordem de precedência lógica indicada nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do artigo 424º, nº2 do mesmo diploma.

    Assim, vistas as conclusões, ordenando-as desde já pela referida ordem lógica, são colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões: - Nulidade do Julgamento, pelo decurso de mais de 30 dias entre a 1ª e a 2ª sessão; - (…) - Vícios de erro notório na apreciação da prova (…); - (…) - (…); - suspensão da execução.

    - Pena acessória: - desproporcionalidade e exagero da pena acessória de proibição de exercer profissão; - inconstitucionalidade da interpretação do art. 69º-B do C. Penal; - (…) * Visto que a apreciação das nulidades invocadas não depende da decisão da matéria de facto, podendo antes prejudicá-la, procede-se à sua apreciação, desde já.

    2 - Nulidades - apreciação 2.1. - Nulidade do Julgamento, pelo decurso de mais de 30 dias entre a 1ª e a 2ª sessão: O julgamento nos presentes autos iniciou-se em 19 de abril de 2019, quando já se encontrava em vigor a Lei 27/2015 de 14 de abril, que deu nova redação ao art. 328º do CPP.

    Sob a epígrafe “Continuidade da audiência”, postula o art. 328º do CPP (redação dada pela referida Lei): 1- A audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento.

    2 – (…) 3- O adiamento da audiência só é possível, sem prejuízo dos demais casos previstos nesta Código quando, não sendo a simples interrupção bastante para remover o obstáculo: (…) 6 - O adiamento da audiência de discussão e julgamento não pode exceder 30 dias.

    Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respetivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita.

    Por sua vez o nº 7 do mesmo preceito estabelece, na mesma redação introduzida pela Lei 27/2015: 7 - Para efeitos da contagem do prazo referido no nº anterior não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição de prova ou produção de prova suplementar.

    A segunda parte do nº6 e o nº7 do art. 328º foram introduzidos pela já referida Lei nº 27/2015, de 14 de abril.

    Na versão originária, o citado art. 328º, nº6 do CPP estabelecia, como consequência expressa que o decurso de mais de 30 dias entre cada uma das sessões da audiência de discussão e julgamento, determinava, como consequência inexorável, a perda de eficácia da prova previamente produzida.

    O aludido limite inultrapassável de trinta dias, para o adiamento, dá consagração ao princípio da continuidade e da concentração da audiência de julgamento, previsto no nº 1 do art. 328º que impõe como regra que a audiência de discussão e julgamento decorra, sem interrupção ou adiamento, até ao seu encerramento.

    Trata-se de assegurar, ainda, a concretização dos princípios da oralidade e da imediação, concebidos como os instrumentos privilegiados para a discussão cruzada e apreciação unitária do objeto do processo, assegurando ainda a realização da Justiça Penal em tempo útil e razoável.

    O princípio da continuidade da audiência visa atingir duas finalidades: - a concentração da produção da prova devendo os termos e atos processuais desenvolver-se, no espaço e no tempo, de forma unitária e contínua, por forma a que a prova seja apreciada o mais próximo possível do momento em que é produzia e discutida, mantendo-se viva na memória de todos os intervenientes processuais e do julgador.

    Assegurando ainda a eficácia da administração da justiça valor este consagrado na Constituição - art. 20 nº 5 - segundo o qual a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais deve ser legalmente assegurada, mediante procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade. Bem como do direito à decisão em prazo razoável - art. 20º nº 4 da CR - também previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    Com a entrada em vigor da Lei 27/2015, de 14 de abril, pese embora se tenha mantido inalterada a primeira parte do art. 328º nº 6 do CPP - que o adiamento não pode exceder trinta dias - a verdade é que desapareceu do texto da Lei a sanção da perda de eficácia da prova para as situações em que, entre cada uma das sessões, não foi possível assegurar esse limite.

    A alteração introduzida, além de afastar o efeito automático da perda de eficácia da prova independentemente da natureza dos fundamentos, levando ao extremo de que, por virtualidades mais ou menos justificadas, designadamente em julgamentos mais complexos, ficasse sem efeito aturado labor processual, cumprido. Obrigando à repetição automática de depoimentos e atos sobre cujo conteúdo não se suscitam dúvidas relevantes, tanto mais quando a prova esteja gravada.

    Com efeito, na redação originária do CPP não estava prevista a gravação universal da prova produzida em audiência - introduzida apenas pela reforma de 1995, por efeito da disponibilização nos tribunais dos meios técnicos entretanto massificados. Assegurando a gravação a preservação e a genuinidade da prova, bem como a efetiva possibilidade de reapreciação em via de recurso.

    A alteração referida, correspondeu à intenção do legislador de banir da ordem jurídica processual penal a cominação, radical, da perda de eficácia da prova, gravada, caso seja ultrapassado aquele prazo de trinta dias, que deixou de se justificar em função do “contexto tecnológico atual”, além do mais por efeito da universalidade da gravação da prova.

    Tal como equacionado na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei nº 263/XII, a propósito da eliminação da sanção consistente na perda da prova, por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento interrompida «no contexto tecnológico atual, a sanção legalmente prevista - perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento - antolha-se desajustada, sendo certo que se considera que a eliminação desta sanção não contende com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação».

    Vista a aludida alteração legislativa, deixou de ter efeito a doutrina do Ac. do STJ para Uniformização de Jurisprudência nº 11/2008, de 11/12, DR, Série I, de 11/12.2008 por prolatado no âmbito de norma entretanto revogada.

    Também o Ac. do STJ para Uniformização de Jurisprudência nº 1/2016, de 12 de novembro de 2015, in DR, Série I, de 5 de janeiro de 2016, não tem aplicação no caso por relativo à redação do preceito anterior à introduzida pela Lei 27/2015, como resulta do respetivo dispositivo Mantendo-se as regras da continuidade da audiência contidas no art. 328º nº 1 e nº 6, primeira parte, a eliminação da cominação da perda de eficácia da prova não significa a possibilidade de perpetuação indefinida da fase da audiência de discussão e julgamento. Nem a postergação do princípio da continuidade e concentração, balizados nos termos das restantes disposições do art. 328º. O próprio carácter excecional do excesso do prazo de trinta dias continua a ser acentuado pelo legislador, quer com a ressalva dos casos previstos no nº 7, quer por efeito das exigências contidas na segunda parte do nº 6, relativas à demonstração dos motivos de impedimento da observância do referido prazo de trinta...

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