Acórdão nº 136/16.6T9LSA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução13 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de processo comum que originaram o presente recurso em separado e que correram termos pelo Juízo de Competência Genérica da Lousã – Juiz 1, por sentença transitada em julgado a 25/06/2018, foi o ora recorrente, A., condenado na pena única de 295 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, num total de 1.475,00€.

A multa não foi paga voluntariamente, não foi requerido o pagamento em prestações, não foi requerida a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade e revelou-se impossível o seu pagamento coercivo, pelo que veio a ser proferida a decisão agora em recurso, que determinou o cumprimento da prisão subsidiária pelo tempo correspondente à pena de multa reduzido a dois terços.

Inconformado, recorre o arguido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: A. O douto despacho padece de nulidade por omissão de pronúncia face aos fármacos alternativos, nomeadamente suspensão da execução ou, no limite, cumprimento da pena mediante regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância eletrónica dado que verdadeiramente, as exigências de prevenção especial mostram-se deveras atenuadas pela sujeição a tal processado nos presentes autos e tal regime se mostra notoriamente mais favorável à almejada ressocialização e obstará aos efeitos perniciosos do contexto prisional; B. Estando devidamente comprovada tal impossibilidade de pagamento da multa pelas respostas e ofícios remetidos pelo Serviço de Finanças, Segurança Social e GNR, pelo que inexiste qualquer comportamento culposo do arguido a justificar preterição do disposto no n.º 3 do art. 49º CP, igualmente padece a douta decisão de nulidade face à contradição insanável de que enferma pois algo não pode ser e não ser, simultaneamente, o que é e seu contrário, pelo que, dando como provada a ausência de bens penhoráveis e inviabilidade de cobrança coerciva da multa, não poderá, sem mais, afastar a ausência de culpa por tal não pagamento e consequente não aplicação do vertido no n.º 3 do art. 49º CP; C. Revelando-se essencial, para a boa decisão da causa e formulação adequada e justa de um juízo de prognose bem como exigências de prevenção, averiguar do circunstancialismo sócio-económico do arguido, pois só em tal caso de conhecimento pleno da realidade se poderia aquilatar do desvalor da conduta inadimplente, a ausência de perseguição/busca de tal realidade representará a consequente demissão ajuizativa do circunstancialismo actual, pelo que o apelo único à condenação conduz a que, também por esta via, o douto despacho se mostre nulo por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do art. 379º n.º 1 CPP; D. Os factos, tal qual se mostram na sua essência, desacompanhados de efectiva prova de particulares exigências ao nível do alarme social ou indignação da sociedade, bem como de definitividade do incumprimento de qualquer injunção de cariz não económico, não justificam a colocação nos carris e em circulação das pesadas, custosas e morosas locomotivas do Direito prisional, dado que “não se devem disparar canhões contra pardais, mesmo que seja a única arma de que disponhamos” adaptado da frase de Georg Jellinek “[N]ão se abatem pardais, disparando canhões", sendo certo porém que, a manter-se o douto despacho, não obstante ser o arguido mais réu que culpado, por conta de tal factualidade e de todo um conjunto de desencontros e infelizes ocorrências, mostrar-se-á a caminho do estabelecimento prisional por a possibilidade de pagamento da multa ser mais legal que real! E. Temos por violados os princípios da igualdade, adequação, proporcionalidade bem como carácter de ultima ratio do Direito prisional que assim se verá convocado, para efeitos de execução de pena de prisão, quando a danosidade material se mostra diminuta e a “justiça restauradora” uma realidade ao alcance do decurso do tempo e cumprimento das injunções ou regras de conduta subjacente à suspensão da pena de prisão e assim efectuar o pagamento em termos ressarcitórios à sociedade, sendo que o reforçar da simples exigência acrescida em termos de censura de revogação e ameaça de efectiva execução da pena de prisão (com o estigma associado!), realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mostrando o arguido já interiorizado o desvalor da sua conduta e seriamente empenhado em tornar a sociedade contrafacticamente de novo acreditada nos valores da justiça e bens jurídicos violados; F. No presente processo um olhar despretensioso, sério e isento, não poderá vislumbrar e atribuir maior fatia de culpa pelo não pagamento da pena de multa ao arguido, pessoa jovem, com pouco mais de 30 anos, desempregada, sem antecedentes prévios aos factos em causa nos presentes autos, que nunca esteve preso e a quem a cultura prisional, além de todo o estigma associado lhe será prejudicial, quando nunca o mesmo teve reais condições de a pagar, sendo mesmo caricato e injusto que, num apego literal à douta promoção do Ministério Público, assente na informação de não pagamento, se pretenda imputar responsabilidade total ao arguido pelo facto de não ter pago a totalidade da considerável quantia de € 1.475,00 (mil quatrocentos e setenta e cinco euros), pois desconhece o arguido como a poderia ter pago e o seu comportamento, de omissão do pagamento total numa situação económica deveras precária e nada desafogada, nunca poderá ser taxado de infracção grosseira e consequentemente tido por imputável ao mesmo! G. Tem-se por inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, proporcionalidade, igualdade e presunção de inocência, a interpretação, dimensão normativa e o entendimento do n.º 3 do art. 49º CP segundo o qual [P]ara efeitos de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, radicada no incumprimento do pagamento, não tem de estar previamente comprovada a existência de efectiva possibilidade de liquidação, por forma a aquilatar do real desinteresse do arguido que não poderá ser presumido, dado tal presunção ser contrária às suas garantias constitucionalmente plasmadas e característica da liberdade como verdadeira “exigência ôntica”; H. A fortiori, e por identidade violatória, tem-se por inconstitucional a interpretação literal de tal norma legal no sentido de [P]ara efeitos de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, é de atender unicamente à factualidade objectiva do não pagamento sem aquilatar do dolo ou real culpa do arguido, podendo o Tribunal decidir sem investigar, nos termos do art. 340º n.º 1 CPP, a real situação pessoal...

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