Acórdão nº 771/18.8T8CNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | MARIA JO |
Data da Resolução | 18 de Maio de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO O Ministério Público intentou a presente ação especial de interdição por anomalia psíquica relativamente a Z..., pedindo que se declare a sua interdição.
Para tal alega, em síntese, que a Requerida padece de doença degenerativa do foro neurológico, quadro demencial, necessitando de auxilio permanente de outras pessoas para a satisfação de todas as suas necessidades.
Publicada a propositura da ação, nos termos do artigo 892.º do Código de Processo Civil, não foi possível citar pessoalmente a Requerida em virtude de a mesma não se encontrar capacitada para receber a citação e entender o respetivo conteúdo.
Nomeado curador provisório e um Defensor Oficioso à Requerida, não foi apresentada oposição.
Procedeu-se à realização do exame da Requerida, na presença de perito médico, o qual juntou Relatório Pericial no sentido de se encontrarem preenchidos os pressupostos para a sua interdição.
Seguidamente foi proferido o seguinte Despacho a dispensar a audição da requerida pelo tribunal, de que agora se recorre: “Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a eventual dispensa de diligência de audição da requerida em face do teor do Relatório Pericial, veio a defensora deste informar nada ter a opor e o requerente, Ministério Público, manifestar a sua oposição, invocando o sentido da decisão de um Acórdão recente e “actuais directrizes hierárquicas”.
De acordo com o disposto no art. 891º, nº 1, 2ª parte do CPC, são aplicáveis ao processo especial de acompanhamento, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do Juiz. Nestes processos, e em conformidade com o disposto no art. 987º do CPC, o Tribunal, nas diligências a tomar, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sendo que só são admitidas as provas que o Juiz considere necessárias (art. 986º, nº 2 do CPC).
A audição pessoal e directa do requerido, prevista no art. 898º do CPC, destina-se a averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas, pressupondo uma afecção que ainda permita uma comunicação eficaz entre o Juiz e o beneficiário.
Considerando o teor do relatório pericial, designadamente quando atesta a absoluta incapacidade de comunicação e debilidade física da requerida, que não há divergências entre as partes quanto à situação real em se encontra a beneficiária (extensão da incapacidade e grau de dependência a suprir), regime de acompanhamento a aplicar, e acompanhante a nomear, afigura-se-me, com devido respeito por entendimento contrário, designadamente o constante do aresto invocado pelo Ministério Público, que a diligência da sua audição pelo Tribunal prevista no art. 898º do CPC consubstancia uma diligência inexequível, inútil e desnecessária e, nessa medida, atentatória da integridade pessoal e do direito à reserva da intimidade da vida privada da requerida.
Assim sendo, e ao abrigo do disposto nos arts. 6º, nº 1, 130º e 987º do CPC, decido dispensar a “audição pessoal e directa” da requerida.” Inconformado com tal decisão, o Magistrado do Ministério Público dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. O recurso versa sobre o despacho proferido no dia 09.01.2020, o qual, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 1, 130.º e 987.º do Código de Processo Civil, dispensou a audição pessoal e direta da beneficiária.
-
Entendemos que o tribunal não pode dispensar a audição direta e pessoal da beneficiária.
-
Fazendo-o, incorre numa nulidade processual, por violação expressa de uma norma legal – artigos 195.º, n.º 1 e 897.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil e 139.º do Código Civil.
-
A letra da lei é clara ao determinar que o juiz deve proceder, “em qualquer caso” e “sempre”, à audição pessoal e direta do beneficiário.
-
Se o legislador quisesse admitir exceções, tê-lo-ia feito.
-
O objetivo desta diligência não é apenas “ouvir” o beneficiário, mas sim averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas.
-
Tendo, a Mma. Juiz, dispensado, ao contrário da lei, a audição pessoal e direta do beneficiário, entendemos que tal configura uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO