Acórdão nº 24619/17.1T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelTERESA SANDI
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa S… intentou ação especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, contra J….

Alegou, em síntese, que A. e R. contraíram casamento em 08/09/1990, do qual nasceram duas filhas (gémeas), em 15/06/1993. Nos dias 03/09/2017 e 18/09/2017 o R. agrediu fisicamente a A., no interior da casa de ambos, face a estas agressões, no dia 30 de setembro de 2017, a A. apresentou queixa crime e viu-se obrigada a abandonar a sua casa. Desde então deixou de existir, entre a A. e R., qualquer ligação afetiva, muito menos, comunhão de leito, mesa e habitação. Não existe assim, qualquer possibilidade de reconciliação ou qualquer comunhão de vida entre A. e R., Conclui pela marcação da tentativa de conciliação a que se refere o artigo 931.º do Código Processo Civil, devendo, no caso de não existir acordo entre os cônjuges, os autos prosseguir os seus tramites normais, vindo, a considerar-se a ação procedente por provada, decretando-se o divórcio sem consentimento do outro cônjuge entre a Autora e o Réu.

Realizada tentativa de conciliação foi ordenada a citação do R., por não ter sido possível alcançá-la.

O R. apresentou contestação. Impugnou a factualidade constante da p.i., mormente a relativa às agressões.

Conclui pela improcedência da ação.

Com dispensa de realização de audiência prévia foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “decido julgar, integralmente, procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, decretar o divórcio entre A. e R., dissolvendo, por efeito de tal divórcio, o casamento celebrado entre ambos em 8 de setembro de 1990, fixando em 4 de outubro de 2017 a data à qual os seus efeitos patrimoniais deverão retroagir.

As custas serão suportadas pelo réu, de harmonia com o preceituado no artigo 527.º do Código de Processo Civil.” O R. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “1.

-Constata-se a existência de lapso manifesto e notório na sentença recorrida ao ser invocada, reiteradamente, a alínea c) do art.º 1781.º CC, quando se quereria invocar a alínea d), que importa retificar (art.º 614.º CPC), pelo que se está perante uma mera divergência formal entre o que o tribunal a quo pretendeu dizer e o que acabou por expressar na sentença.

  1. -O apelante entende que o tribunal a quo não realizou convenientemente o exame crítico nomeadamente da prova documental, violando a norma presente no art.º 607.º n.º 4 CPC.

  2. -Em sede de motivação, o tribunal a quo explicita, de forma genérica, que valorizou a “acusação e sentença – absolutória – proferidas no processo-crime instaurado contra o réu, J (…)”, sentença essa já junta aos autos.

  3. -No referido processo crime verificou-se, entretanto, absolvição confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (dupla conforme), tendo transitado em julgado em 14.08.2019, já após prolação da sentença recorrida (Cfr. Anexo I, art.º 425.º CPC ex vi art.º 651.º CPC).

  4. -Analisada a factualidade dada por assente, constatam-se contradições manifestas entre tal factualidade e o decidido em sede penal (onde, por força da natureza do processo, foram esmiuçados até à exaustão os factos também comuns à causa de pedir dos presentes autos), sentença essa que o tribunal a quo declara ter sido fonte de motivação para a apreciação da matéria factual.

  5. -A autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.

  6. -No caso, considerando que a factologia alegada pelas partes em relação às discussões e pretensas agressões é exatamente a mesma, importa concluir que os factos provados e não provados constantes da douta sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 13 e posteriormente confirmados pela Relação de Lisboa, não podem, nesta sede ser alterados.

  7. -Não ficou provado na instância criminal, pelo contrário, que o recorrente tenha agredido fisicamente alguma vez a recorrida ou que tenha proferido a frase “se achas que viveste um inferno, a tua vida agora é que vai começar”.

  8. -Se o tribunal a quo valorizou, de facto, a sentença penal absolutória sobre os mesmíssimos factos invocados nos presentes autos torna-se contraditório e incoerente dar como factualidade assente no ponto 3.).

  9. -Constata-se, assim, uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios (nomeadamente a sentença penal que o tribunal a quo afirma ter valorizado) e a decisão sobre matéria de facto.

  10. -No que respeita a estes dois pontos concretos (agressão e frase), lida e relida a sentença recorrida, não se vislumbra qualquer referência, em sede de motivações, ao modo como o tribunal a quo chegou a tais conclusões.

  11. -Há, ainda, lapso material na redação deste ponto da factualidade (ponto 3.), uma vez que as 2 discussões tiveram lugar no ano de 2017 e não, como erroneamente surge na sentença, em 2018.

  12. -O ponto 3.) da factualidade deve ser alterado e retificado, passando a ter a seguinte redação: 3. Isso aconteceu na sequência de discussões que S… e J… mantiveram nos dias 3 e 18 de setembro de 2017, respetivamente, em casa e na presença dos pais da autora, em Alcobaça, e em sua casa, na presença das filhas;” 14.

    -A previsão da alínea d) do art.º 1781.º CC não comporta o pedido de divórcio apenas por vontade unilateral de um dos cônjuges sem fundamentação séria e grave a sustentá-lo.

  13. -Estamos perante um casamento que perdura há 29 anos.

  14. -A sentença recorrida invoca 2 discussões entre as partes (ocorridas em setembro de 2017) relativas a assuntos financeiros e a separação de facto entre as partes cerca de 1 mês antes da propositura da presente ação para justificar o decretamento do divórcio.

  15. -Tal factualidade não reveste o cariz de gravidade extrema que permita o preenchimento da alínea d) do art.º 1781.º CC que, recorde-se, não é de aplicação automática e objetiva [ao invés das alíneas a) b) c)].

  16. -Está-se, manifestamente, perante 2 episódios esporádicos de discussão entre o casal ocorrido em setembro de 2017, não havendo qualquer factualidade ou registo de qualquer agressão física ou verbal entre o casal (como aliás, ficou patente na sentença penal que, de forma exemplar, resume a realidade vivencial deste casal ao longos destes 29 anos).

  17. -O tribunal a quo, na prática, acaba por justificar o decretamento do divórcio pela separação de facto do casal há mais de 1 ano à data da prolação da sentença, torneando, desta forma, o não preenchimento objetivo da alínea a) do art.º 1781.º CC.

  18. -Não são apontados na douta sentença recorrida quaisquer factos concretos (qual o casal que nunca teve discussões?) que revistam uma gravidade tal (injúrias? Agressões? Maus tratos?) que justifiquem, de forma inequívoca, o decretamento do divórcio.

  19. -Teme o recorrido que seja intenção da recorrida, por via dos presentes autos, neutralizar a importância perante terceiros do teor da dupla conforme criminal, sede em que foi desmontada a tese das agressões físicas e verbais.

  20. -Estamos perante um pedido de divórcio por vontade unilateral discricionária da recorrida e não perante situação que integre factos graves e reiterados que se traduzam numa rutura definitiva do casamento.

    Nos termos supra expostos, e nos melhores de Direito que V. Exas seguramente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a ação improcedente e, consequentemente, não decretando o divórcio entre o autor e réu, ora...

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