Acórdão nº 86/17.9T9PTB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução27 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo nº 86/17.9T9PTB, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo, no dia 31.05.2019, pelo Exmo. Juiz de Instrução Criminal foi proferida a seguinte decisão instrutória (fls. 393 a 397 – referência 44011207): «Com relevância para os presentes autos de Instrução haverá que ponderar que o assistente M. P. deduziu a acusação particular contra a arguida H. P.

, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.

º, n.

º 1, do Código Penal e ainda de um crime de difamação, este previsto e punido pelo artigo 180.

º, n.

º 1, também do Código Penal.

Cfr.

fls.

63 e 64.

*O Ministério Público acompanhou esta acusação particular quanto ao imputado crime de injúria, não acompanhando, porém, quanto ao crime de difamação.

Cfr.

fls.

67.

*Inconformada com a acusação particular contra si deduzida, a referida arguida H. P. veio requerer a abertura de Instrução, negando a autoria dos factos nos termos que lhe são imputados e sustentando a inexistência de elementos de prova que permitam concluir pela sua indiciação criminal, remetendo, ainda, para uma situação de conflito civil relacionado com propriedades contextualizante.

Conclui pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.

Cfr.

fls.

76 a 80.

* Foi proferido despacho de abertura da Instrução (cfr.

fls.

218), tendo-se realizado as diligências instrutórias consideradas pertinentes, designadamente junção de elementos documentais e interrogatório de arguida; realizou-se, ainda, audiência de debate instrutório, em conformidade com o processualismo legal.

Mantém-se a validade e regularidade da instância criminal que estiveram subjacentes à prolação do despacho de abertura de Instrução.

Inexistem quaisquer nulidades, questões prévias, incidentais e/ou supervenientes que invalidem o processado e que obstem ao conhecimento do mérito dos autos, que cumpra conhecer.

Não vislumbrando a necessidade de realização de quaisquer outras diligências instrutórias, declaro encerrada a fase de Instrução Criminal, cumprindo decidir.

* Com relevância para o despacho a proferir, concretamente, da ponderação da existência de indícios suficientes da prática, pela arguida dos factos e dos crimes pelos quais foi deduzida acusação particular parcialmente acompanhada pelo Ministério Público e da sua submissão a julgamento, com vista à aplicação de uma pena, importa proceder a uma apreciação crítica e articulada dos elementos probatórios carreados para os autos em sede de Inquérito e em sede de Instrução Criminal, tendo em consideração, ainda, o direito aplicável.

Conforme resulta do preceituado no art.º 286.

º, n.

os 1 e 2, do Código de Processo Penal, na fase processual penal (facultativa) de instrução, visa-se a “(...

) comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

Com tal fase não se pretende um novo inquérito, mas a comprovação, por parte do juiz de instrução criminal da decisão proferida pelo Ministério Público, de acusação ou de arquivamento, não obstante o juiz de instrução dever instruir autonomamente os factos em apreço, não se limitando ao material probatório apresentado pelos sujeitos processuais.

Estabelece o art.º 308.

º, n.

º 1, do Código de Processo Penal da seguinte forma: “Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

Nesta sequência – e conforme o estabelecido pelo art.

º 283.

º, n.

º 2, do Código de Processo Penal – a suficiência de indícios encontra-se dependente de “deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

No seguimento do entendimento preconizado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-06-1963, in J.

R., 3, 777, os indícios suficientes configurarão “Vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes de que há crime e de que o arguido é responsável” - vide, ainda, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/11/1983, CJ, V, 71 e de 31-03-1993, CJ, 1993, II, 65.

E como se pode ler no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2010, in www.

dgsi.

pt/jtrp: “A avaliação da suficiência de indícios para acusar ou pronunciar deverá ser levada a efeito sob duas perspectivas autónomas: uma primeira sobre a imputação dos factos ao arguido, no sentido de apurar se o mesmo pode ser por eles responsabilizado juridicopenalmente; uma segunda, sobre a consistência do acervo probatório recolhido e da sua reprodutibilidade e, audiência de julgamento, na ideia de que apenas a prova produzida e/ou susceptível de ser valorada na fase de julgamento pode fundar uma decisão de condenação.

Se no momento da acusação ou da pronúncia, a prova indiciária não atinge a força necessária para formar a convicção razoável sobre a futura condenação, não deverá o processo prosseguir, pois por certo tal convicção não será alcançada nas fases posteriores, conhecida que é a tendência para a atenuação dos indícios existentes”.

Reportando-nos ao caso dos autos e procedendo a essa articulação, é o seguinte o entendimento do tribunal: A.

Factualidade apurada: No dia 29 de Março de 2017, cerca das 11.

33, na Rua …, sita em ..., Arcos de Valdevez, na presença do assistente M. P.

, bem como de terceiros, designadamente de elementos da GNR local: J. E. e P. M.

, referindo-se à pessoa do assistente, afirmou, por diversas vezes, que este “estava a roubar o que era dos outros”.

B.

Factualidade não apurada: Toda a demais imputada/alegada na acusação particular, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais e o que se consigna, também, para todos os efeitos legais, designadamente: 1.

Que ao agir da forma supra dada como apurada, a arguida tivesse agido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e penalmente punida e que ofendia a honra, consideração e bom-nome do assistente.

2.

Que a arguida tem vindo a proferir acusações e insultos a respeito do assistente junto do Presidente da Junta de ..., acusando o assistente de vários crimes contra a sua propriedade.

3.

Que a arguida tenha repetido várias vezes estas expressões e acusações a várias pessoas da freguesia e a várias entidades.

4.

E que assim a arguida tivesse agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta, pretendendo ofender a honra, consideração e bom-nome do assistente.

C.

Motivação A convicção do tribunal alicerçou-se na apreciação sumária, mas ainda assim, crítica, conjunta e articulada dos diversos elementos probatórios carreados para os autos, de entre depoimentos de assistente, arguida e testemunha, bem como nos elementos documentais juntos, salientando-se o seguinte: C.

1.

Relativamente à factualidade dada como apurada: A mesma resulta objectivada pelo auto de notícia de fls.

10 e 11, com conhecimento directo e presencial do próprio elemento da GNR autuante (cfr.

fls.

56 e 57), que aí se deslocou e que ouviu, de viva voz, a arguida a verbalizar os factos correspondentes, tratando-se de um elemento de prova objectivo, sem ligação a qualquer das partes e que tomou conhecimento dos factos em apreço no exercício das suas funções de elemento da GNR, termos em que mereceu credibilidade por parte do tribunal, assim se dando a factualidade em apreço como apurada, corroborada, de resto, também e para além do próprio assistente M. P.

(cfr.

fls.

30 a 32), pela testemunha F. B.

(cfr.

fls.

37 e 38) e pela testemunha O. P.

(cfr.

fls.

50 e 51), não merecendo, neste ponto, a versão de negação da arguida H. P.

(declarações prestadas em sede de Instrução Criminal).

C.

2.

No que respeita à factualidade dada como não apurada: Relativamente à factualidade dada como não apurada sob o n.º 1, reportada à circunstância de se ter dado como não apurado o dolo da arguida na verbalização das palavras dadas como apuradas, importa ter em consideração a própria versão da arguida H. P.

(conforme declarações prestadas em sede de Instrução Criminal) de que em causa se encontra um dissídio envolvendo arguida e assistente relacionado com os limites de propriedades confinantes de ambos, sendo de trazer à colação, também, neste âmbito os elementos documentais juntos aos autos, designadamente, o próprio auto de ocorrência de fls.

10 e 11, de onde resulta que foi a própria arguida a comunicar os factos e solicitar a comparência da GNR para tomarem conhecimento de uma situação que a mesma considerava lesiva da sua propriedade (trabalhos efectuados pelo assistente ou a mando deste), tendo sido nesse contexto que, em tom de desabafo, proferiu as palavras dadas como apuradas, tendo havido lugar, inclusive, à tirada de fotografias (cfr.

fls.

12); ainda, a título documental, importa ter em ponderação a cópia do processo de contra-ordenação junto pela arguida e que foi instaurado contra o assistente por assunto relacionado com obras encetadas por aquele na propriedade em questão (cfr.

fls.

81 a 85); ainda a cópia da providência cautelar instaurada pela aqui arguida contra o assistente e esposa, por assuntos relacionados com os respectivos direitos de propriedade conflituantes (cfr.

fls.

86 a 144 e 227 a 301) e ainda cópia de um processo de Inquérito criminal a correr termos, desde 2016 – data anterior aos nossos factos - relacionado com a existência de falsidade, designadamente, quanto à área declarada, numa escritura de relativa a terrenos conexos com o caso dos autos (cfr.

fls.

311 a 339); ou seja, temos todo um conjunto de elementos documentais que...

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