Acórdão nº 2920/17.4T9VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução27 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo com o NUIPC 2920/17.4T9VCT, findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento do mesmo, por falta de indícios suficientes (art. 277º, n.º 2, do Código de Processo Penal) da prática do crime de burla, previsto e punido (p. e p.) pelos arts. 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, al. a)/crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223º, n.ºs 1 e 2, por referência ao n.º 2, al. a), do art. 204º e al. b) do art. 202, todos do Código Penal (ou crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal), que a factualidade denunciada por A. M., imputando-a a J. A., seria suscetível de integrar.

  1. O referido denunciante, inconformado com o despacho de arquivamento, requereu a sua constituição de assistente e apresentou requerimento de abertura de instrução, no qual, depois de arguir a nulidade de falta de inquérito e, subsidiariamente, a nulidade de insuficiência do inquérito, requereu, ainda subsidiariamente, que, uma vez realizadas as diligências sugeridas, seja proferido despacho de pronúncia do arguido J. A. e de Dr. H. H., pela prática dos crimes de abuso de confiança e de extorsão, p. e p., respetivamente, pelos arts. 205º e 223º do Código Penal.

  2. O Mm.º Juiz de Instrução, ao abrigo do disposto no art. 287º, n.º 3, do Código de Processo Penal, determinou a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, e considerou precludida a possibilidade de apreciação das questões nele enunciadas, designadamente as nulidades invocadas, as quais apenas poderiam ser conhecidas se fosse admitido o requerimento de abertura de instrução e declarada aberta esta fase.

  3. Novamente inconformado, o assistente A. M. recorreu dessa decisão, concluindo a sua motivação nos termos que a seguir se transcrevem[1]: «CONCLUSÕES: I. O assistente, aqui recorrente, não colocou apenas em crise o mérito da decisão do Ministério Publico de arquivamento do inquérito.

    1. Com efeito, nos Pontos B 1 e B 2 do requerimento de abertura de instrução, o assistente alegou a falta de inquérito, nos termos dos arts. 118.° e 119.° e 120., n.° 2, al. d) do CPP, III. E, consequentemente, arguiu a nulidade do Inquérito e requereu a remessa do processado ao Ministério Público para a investigação da existência de crime.

    2. Sucede que, a este respeito, entendeu o Tribunal a quo não dever pronunciar-se sobre outras questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução, designadamente, sobre as nulidades nele invocadas em virtude de, por outras razões, não admitir o requerimento de abertura de instrução.

    3. Ora, no nosso modesto entendimento, a ausência de pronúncia sobre os vícios invocados pelo assistente conduz à própria nulidade do despacho proferido, nos termos do art. 379º, n.° 1, al. c) do CPP, em conjugação com o art. 308.°, n.º 3 do CPP.

    4. Assim considerou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 23-10-2003, no processo n.° 03P3223.

    5. Bem assim, o Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-04-2017, no processo 684/ 14.2T9SXL.L1.

    6. O Meritíssimo Juiz de Instrução, a coberto de razões formais — que, no nosso entendimento, não ocorrem nestes autos — deixou de se pronunciar sobre questões suscitadas e que competia apreciar.

    7. Pelo exposto, o despacho ora em crise deve ser declarado nulo por omissão de pronúncia e, nessa sequência, ser substituído por outro em que o Exmo. Senhor Juiz de Instrução aprecie e se pronuncie sobre as nulidades invocadas requerimento de abertura de instrução, pelo aqui recorrente.

    8. Por outro lado, salvo o mais elevado respeito, entendemos que o requerimento de abertura de instrução não enferma das vicissitudes que lhe são apontadas no despacho recorrido, XI. Pois que não é omisso na descrição dos factos nem na indicação das normas jurídicas aplicáveis.

    9. Com efeito, o requerimento de abertura de instrução encontra-se estruturalmente hábil, obedecendo com a necessária suficiência aos requisitos legais conducentes à apreciação e decisão do ali peticionado.

    10. Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 286.°, n° 1, 287.°, al. b), e 283º, 3, al. b) e c), todos do CPP, o assistente requereu articuladamente a abertura da instrução nos autos, no tempo que a lei lhe permite, perante o juiz e tribunal competentes, ali fez constar as razões de facto e de direito, de discordância pela não acusação dos arguidos, e indicou dos atos de instrução pretendidos, os factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena e as disposições legais aplicáveis.

      XIV.

      Porque «o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução», - artigo 287°, n°3 - e estes requisitos foram integralmente respeitados, inexiste fundamento legal para a prolação da decisão recorrida.

    11. Da interpretação dos arts. 283.°, 286.° e 287.° do CPP, e concebendo as críticas à falta de perfeição do requerimento de instrução, consideramos que o seu articulado não impossibilita o exercício do contraditório, nem tampouco arreda irremediavelmente as garantias de defesa que alicerçam o processo penal.

    12. Pelo exposto, na nossa modesta opinião, o requerimento de abertura de instrução é válido, pelo que deve ser admitido e, ainda que após as diligências já requeridas e ainda por apreciar, conduzirá ao debate e decisão instrutórios.

    13. A decisão aqui colocada em crise estriba-se em fundamentos formais que, a nosso ver, não colhem provimento e que conduzem à morte do presente processo.

    14. Nos presentes autos, impõe-se a substituição da decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução e subsequente não pronúncia sobre as nulidades nele suscitadas e, XIX. Consequentemente, a prolação de decisão que o receba e, bem assim, que aprecie e se pronuncie sobre as nulidades invocadas.

      Termos em que ao julgardes, V. Exas. Venerandos Desembargadores, procedente o presente recurso, revogando a decisão de rejeição do requerimento para abertura de instrução A) substituindo-a por outra que o receba; e, B) Que aprecie e se pronuncie sobre as nulidades nele invocadas, FAREIS A COSTUMADA JUSTIÇA!» 5.

      Em resposta à motivação do recorrente, a Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância manifestou o entendimento de que se deve manter a decisão instrutória ora posta em crise, não padecendo a mesma de qualquer tipo de vício que importe a sua substituição, alegando que o requerimento instrutório apenas contém conclusões e conceitos de direito e não factos dos quais resultem os elementos objetivos e subjetivos dos crimes que são imputados, pelo que, atenta a omissão dessa narração sintética dos factos e a circunstância de não poder haver lugar a convite ao aperfeiçoamento do requerimento, a consequência jurídica só pode ser a preconizada na decisão proferida pelo Mmº. JIC e ora posta em causa, mais referindo concordar integralmente com os fundamentos aí expendidos.

  4. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, anuindo genericamente à resposta da Magistrada do Ministério Público na primeira instância, sublinhando que o petitório do recorrente, intentado com vista a desencadear a fase instrutória, enferma de sérias e, de todo, inultrapassáveis, deficiências e omissões, sendo a mais evidente a imputação factual e os correspondentes elementos volitivos nela suportados, bem como que, no concernente às arguidas nulidades, não devem ser conhecidas se a fase processual impetrada pelo recorrente não se inicia sequer.

  5. Dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta a esse parecer.

  6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do mesmo código.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO 1.

    QUESTÕES A DECIDIR: Considerando que, de acordo com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, no caso vertente as questões a decidir reconduzem-se a saber: 1ª - Se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, n.º 1, al. c), em conjugação com o art. 308º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal (conclusões I a IX); 2ª - Se o requerimento de abertura de instrução não devia ter sido rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução (conclusões X a XVII).

  7. DA DECISÃO RECORRIDA: O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição): «Requerimento de abertura de Instrução formulado a fls. 161 a 188 pelo assistente A. M.: Inconformado com os termos do despacho final de arquivamento proferido em sede de Inquérito, veio o assistente formular requerimento de abertura de Instrução, nos seguintes termos: “(…) B – ARGUIÇÃO DE NULIDADES B 1 – A FALTA DE INQUÉRITO 3º Salvo o devido respeito que o Exm.º Representante do Ministério Publico nos merece, foram muitas as estranhas ocorrências que se verificaram após a participação criminal que originou o presente procedimento e, por isso, vem o aqui Requerente arguir a sua nulidade.

    Com efeito, 4º Nos termos da lei, “a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito” sendo que a sua direção “cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal” (cfr. arts. 262º, nº 2 e 263º, nº 1 do CPPen.).

    1. E “o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação” (cfr. art. 262.º, n.º 1 do CPPen.).

    2. O inquérito inicia-se – para efeitos de contagem...

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