Acórdão nº 3644/19.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução07 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

RELATÓRIO AUTOR/RECORRIDO- Ministério Público RÉ/RECORRENTE- “Associação Empresarial de ..., .... e ...”.

PEDIDO - O autor Ministério Público, através de acção especial prevista nos artigos 186º-H e seg. do CPT, pede a condenação da ré a reconhecer como sendo de trabalho o contrato celebrado a 12-09-2016 com o trabalhador P. C.

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CAUSA DE PEDIR - Alega, em suma, que, apesar de sucessivos contratos intitulados como de prestação de serviços, P. C., trabalhou, subordinadamente, como docente na escola da ré (Escola Profissional ...), desde 12 de Setembro de 2016 em diante e assim se manteve até terem celebrado, em 31/5/2019 e com efeitos a partir de 1/1/2019, um contrato de trabalho.

CONTESTAÇÃO – a ré pediu a absolvição da instância, invocando a impossibilidade originária da lide, a falta de interesse em agir por parte do autor, o uso inadequado desta forma de processo, a ilegitimidade do autor e a nulidade dos actos praticados pelo autor e, finalmente, a absolvição de todos os pedidos, reiterando a existência anterior de meros contratos de prestação de serviços.

O trabalhador em causa não apresentou articulado, nem constituiu mandatário.

Em resposta às excepções e nulidade invocadas, o autor concluiu pela sua improcedência.

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença onde, como questões prévias, foram declaradas improcedentes as arguidas excepções.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo: “Pelo exposto, julgo a presente acção provada e procedente nos termos sobreditos e, em consequência: Condeno a ré, “Associação Empresarial de ..., .... e ...”, a reconhecer a existência de contrato de trabalho com início a 12 de Setembro de 2016 em diante, relativamente ao trabalhador P. C.

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Custas a cargo da ré, tendo a acção o valor de € 30.000,01.” A RÉ RECORREU. IMPUGNA A DECISÃO DE FACTO E DIREITO. REQUER A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA. LEVANTA AS SEGUINTES QUESTÕES (SÍNTESE/CONDENSAÇÃO):

  1. Nulidade por omissão de pronúncia decorrente de falta de apreciação de grande parte da factualidade vertida na contestação - 615º/1/ al.

  2. C.

    P.

    C.; b) Nulidade de decisão por esta ter sido proferida, não obstante estar pendente incidente de suspeição da Meritíssima Juiz - 125º, 615º/1/ al.

    d), do C.P.C., 20º/4 e 203.

    º da CRP; c) Nulidade da decisão por falta de fundamentação da motivação dos factos considerados provados e não provados, devendo ser ordenada a baixa do processo à primeira instância. A senhora juiz terá utilizada uma técnica de fundamentação genérica não conexionando a prova com cada facto; d) Impugnação da matéria de facto dada como provada sob os pontos 5, 6, 7, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17 e 18, que devem ser não provados ou ter outra redacção. Salienta que não foram valorados os depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente, incluindo o próprio trabalhador. Diz que os inspectores da ACT não presenciaram directamente os factos e que o auto não tem valor probatório absoluto. O essencial desta impugnação centra-se em ter sido dado como provado que o trabalhador era docente (e não formador/externo), que recebia ordens e actuava sob a direcção da ré, que os contratos foram intitulados apenas pela ré como sendo de prestação de serviços, que os contratos se interrompiam em Agosto em vez de se extinguirem, que o horário fosse unilateralmente fixado pela ré, que o trabalhador utilizasse todo o equipamento/instrumentos da ré mencionada nos factos provados, que o trabalhador tivesse login próprio, que o trabalhador estivesse sujeito à aplicação de um regulamento interno, que tivesse de comunicar/justificar faltas/permutas, que estivesse sujeito a sanções disciplinares.

  3. Impugnação de matéria não provada e que entende que deve ser provada e que nas conclusões identifica apenas como sendo as alíneas A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, remetendo quanto ao seu teor para as alegações. A prova resultará sobretudo dos depoimentos das três testemunhas que arrolou.

  4. A impossibilidade originária da lide e validade da acção: o trabalhador e a ré já celebraram um contrato de trabalho em 31-5-2019 com efeitos a 1-01-19, pelo que inexiste o objecto da acção que é precisamente a declaração da existência do contrato de trabalho.

  5. Uso de meio processual inadequado, porque o contrato de trabalho já foi celebrado e está exclusivamente em causa a sua antiguidade, o que deverá ser aferir por ação comum e pela parte interessada que é o trabalhador. O Ministério Público não poderá substituir-se ao trabalhador numa relação de natureza privada para ver reconhecida a antiguidade laboral, não tendo legitimidade para tal, sendo tal entendimento violador do direito de autonomia privada, de personalidade e direito ao trabalho.

  6. Falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente - o MP não terá razão válida para se substituir ao trabalhador no pedido de reconhecimento da sua antiguidade em acção especial, por violação do principio da igualdade relativamente ao trabalhador “comum “ – art. 13º CRP. Porque seria conferir uma protecção jurídica/processual maior e mais favorável a situação em que não existe conflito entre as partes (sendo a acção impulsionada pela ACT e judicialmente intentada pelo Ministério Público), em confrontação com a protecção conferida na situação em que tal conflito existe e em que o trabalhador requer que seja reconhecida a antiguidade do contrato de trabalho através do uso do processo comum.

  7. Direito- Essencialmente defende que os contrato celebrados entre P. C. e a ré são verdeiros contratos de prestação de serviço e não de trabalho.

    CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna pela manutenção da decisão recorrida.

    Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado.

    QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1): i) Nulidade por omissão de pronúncia decorrente de falta de apreciação de grande parte da factualidade vertida na contestação - 615º/1/ al.

  8. C.

    P.

    C.; ii) Nulidade de decisão por esta ter sido proferida, não obstante estar pendente incidente de suspeição da Meritíssima Juiz - 125º, 615º/1/ al.

    d), do C.P.C., 20º/4 e 203.

    º da CRP; iii) Nulidade da decisão por falta de fundamentação da motivação dos factos considerados provados e não provados; iv) Impugnação da matéria de facto provada e não provada; v) Excepções: a impossibilidade originária da lide (já está reconhecido o contrato de trabalho que é objecto da acção); o uso de meio processual inadequado (porque está exclusivamente em causa a antiguidade do contrato de trabalho, a aferir por ação comum); falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente (o MP não terá razão válida para se substituir ao trabalhador no pedido de reconhecimento de antiguidade em acção especial).

    vi) Verificação da existência de contrato de trabalho/prestação de serviços.

    I.I. FUNDAMENTAÇÃO A- FACTOS Factos provados: 1 - A ré (Associação Empresarial de ..., .... e ...), MPC …, NISS …, com sede na Rua …, …, exerce como atividade principal organizações económicas e patronais, à qual corresponde o CAE — ….

    2 - No desenvolvimento dessa sua atividade é proprietária da Escola Profissional ..., titular da autorização prévia de funcionamento no 140, emitida em 9 de maio de 2000, pelo Ministério da Educação/Direção Regional da Educação Norte.

    3 – Os locais de trabalho onde se desenvolve esta atividade são geridos pela ré e situam-se na Praça …., na Rua ..., … e no Pavilhão Gimnodesportivo, na Travessa ..., …, ….

    4 - A ré tem como Presidente da Direção, J. C., NIF …, residente na Travessa de …, ….

    5 – O trabalhador P. C. foi admitido ao serviço da ré, por contrato datado de 12 de Setembro de 2016, como docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Eletricidade e Eletrónica e de Sistemas Digitais, para o ano letivo 2016/2017, com o período de vigência até 31 de Julho de 2017 e intitulado pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” nos termos constantes de fls. 18 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    6 – Para o ano letivo de 2017/2018, a ré e este trabalhador assinaram dois novos contratos, datados de 8 de Setembro de 2017 que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo”, através dos quais o trabalhador se comprometeu a prestar as funções de docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Aplicações Informáticas de Escritório, de Instalação e Manutenção de Computadores, de Armazém, de Eletricidade e Eletrónica, de Sistemas Digitais, de Organização Industrial e de Redes de Comunicação, com período de vigência até 31 de Julho de 2018 – nos termos constantes de fls. 19-20 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    7 - Para o ano letivo de 2018/2019, a ré e este trabalhador assinaram dois novos contratos datados de 6 de setembro de 2018 que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo”, através dos quais o trabalhador se comprometeu as prestar as funções de docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Redes de Comunicação, de Sistemas Digitais, de Eletricidade e Eletrónica, de Aplicações Informáticas de Escritório, de Instalação e Manutenção de Computadores e de Armazém, com período de vigência até 31 de Julho de 2019 – nos termos constantes de fls. 21-22 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    8 – O mês de Agosto de cada ano corresponde a um dos períodos de interrupção das actividades escolares e lectivas, conforme Regulamento Interno da Escola Profissional ... 2017 — 2020, aprovado pela Ré: na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar), define (no arto 1280, no 1) que "o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de cada ano e o dia 31 de Agosto seguinte” e estabelecendo de seguida (os nos 2, 3 e 5, do mesmo arto)que: o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos letivos...

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