Acórdão nº 10927/17.5T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA SILVA MAXIMIANO
Data da Resolução05 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO A intentou acção declarativa com processo comum contra B [ …. Gráficos, S.A.” ] e C, peticionando a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora a contar da data da citação até integral pagamento.

Alegou, para o efeito, em síntese útil, que: no dia 23/05/2014, a revista “Nova Gente”, propriedade da 1ª Ré, publicou várias fotografias do Autor ilustrando um texto da autoria do 2º Réu, sem que tivesse obtido a necessária autorização do Autor para a divulgação de tais imagens; no referido texto jornalístico e respectivas imagens, o Autor é confundido com um deputado, sendo-lhe imputadas condutas falsas que violaram os seus direitos de personalidade e lhe causaram danos morais, sendo que a referida situação teve ainda reflexos na actividade profissional do Autor, com um decréscimo do volume de facturação esperado para o ano de 2014.

Os Réus contestaram, defendendo a improcedência da acção.

Para o efeito, alegaram, em síntese útil, que: efectivamente, ocorreu um erro de identificação na publicação da notícia, que foi prontamente corrigido, tendo sido publicado um pedido de desculpas, sem identificar o Autor, não tendo os Réus actuado com qualquer intenção caluniosa ou de denegrir a imagem do Autor; e impugnam os invocados danos patrimoniais e não patrimoniais.

Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas de prova.

Realizada a audiência final, com a produção de prova, foi proferida sentença, que julgou improcedente a acção, absolvendo os Réus do pedido.

Inconformado com tal sentença, veio o Autor dela interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões: “A. O ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo de total improcedência do peticionado contra os Recorridos.

  1. Entende o Recorrente que os Recorridos deviam ter sido condenados solidariamente no pagamento da quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, pedido esse cumulado com o pagamento dos respectivos juros de mora vencidos e aos vincendos até ao proferimento da douta sentença e à condenação no pagamento das custas e procuradoria condignas.

  2. Concretamente, e para a boa decisão da causa, entende o Recorrente que deviam ter sido dados como provados os factos elencados em 3, 6 e 15 dos Factos dados como não provados, da Douta Sentença: D. “3. Os RR. não cuidaram de averiguar quem estavam a fotografar”; E. Tal facto devia ter sido dado como provado atendendo ao depoimento da testemunha Marco ….., fotógrafo freelancer, que captou as fotografias do Recorrente, e que ainda antes de iniciar o seu depoimento (minuto 00:10 da gravação) quando perguntado se conhecia o A., respondeu “sim, de vista. Frequentávamos a mesma discoteca”.

  3. Pelo que, conhecendo a testemunha o Recorrente não pode haver outra conclusão a retirar que não seja a de que os RR. não cuidaram de verificar quem estavam a fotografar.

  4. Os factos indicados em 6 e 15 deviam ter sido igualmente dados como provados atendendo ao teor dos documentos 1 e 5 juntos com a petição inicial, bem como das declarações de parte do Recorrente.

  5. Dos documentos resulta, claramente, a diferença entre o deputado Luís …… e o Recorrente e das declarações de parte do mesmo, em várias passagens, resultam os danos que lhe foram causados com a publicação das fotografias na revista Nova Gente.

    44. Entendeu o tribunal a quo que “No caso concreto, provou-se que a 1ª Ré é proprietária da revista “Nova Gente” e que o 2º Réu é o autor da notícia publicada em 23 de Maio de 2014. Provou-se ainda que, na edição nº 1967 da revista “Nova Gente” de 23 de Maio de 2014, foram publicadas várias imagens ou fotografias do Autor, concretamente na própria capa da revista em tamanho destacado e em três páginas da matéria no interior da revista. Tais imagens foram obtidas sem a autorização do A., num momento pessoal de lazer e foram reproduzidas e divulgadas com a comercialização da referida publicação, sem o consentimento, nem conhecimento do A. Porém, a publicação refere sempre que todas as fotografias são de Luís ……, não obstante algumas delas serem do Autor e foi esse o sentido da publicação, ou seja, mencionar que tais fotografias eram do mencionado deputado e não do A. cujo identificação, aliás, nem sequer é mencionada na reportagem em questão. Cabe ainda referir que a semelhança física entre o A. e o deputado Luís ….. é indiscutível. Nessa medida, considera-se que tal publicação (facto) não é ilícita, pois na perspetiva dos RR. quando publicaram a notícia na revista, tinham por finalidade divulgar um relacionamento que atribuíram ao deputado já identificado e não ao Autor, e sendo aquele uma figura pública, não necessitavam do seu consentimento para publicar as fotografias, como o fizeram.” [sublinhado nosso].

    I. O Recorrente é um sujeito de direitos de personalidade, designadamente direito à reserva da intimidade da vida privada, direito à imagem, direito à honra e direito ao bom nome.

  6. Os Recorridos publicaram várias imagens do Recorrente na revista “Nova Gente”, sem que o mesmo tivesse consentido, ou sequer conhecido, sendo certo que tal revista é vendida em todo o território nacional.

  7. A publicação de tais imagens sem consentimento é, por si só, um facto ilícito, uma vez que põe em causa, violando, os direitos do Recorrente.

    L. A testemunha Marco ….. não podia pensar que se tratava de Luis …..e, mesmo que ao longe o Recorrente se assemelhasse ao deputado Luis ….., quando tentou confirmar com a testemunha Luís …..podia e devia ter reconhecido o Recorrente, face ao que disse ainda antes de iniciar o seu depoimento.

  8. Tais conclusões relevariam em sede do preenchimento do pressuposto da culpa e não em sede do pressuposto da ilicitude, ao contrário do que se entendeu na sentença de que agora se recorre.

  9. E no que diz respeito a esse pressuposto da responsabilidade civil, [a culpa] na modalidade de dolo ou negligência, não pode deixar de se concluir pela sua existência, na medida em que o próprio autor das fotografias refere que conhece o Recorrente “de vista”. Ora, se o conhece de vista, certamente terá reconhecido o mesmo ou, pelo menos, verificado que a pessoa fotografada se assemelhava ao Recorrente.

  10. Incumbia aos Recorridos, ao abrigo do disposto na Lei da Imprensa, verificar se se tratava do deputado Luís ….nas imagens captadas ou de qualquer outro cidadão, o que não fizeram.

  11. Os Recorridos foram, no mínimo, negligentes na análise das imagens captadas pelo fotógrafo freelancer, pois se tivessem analisado as imagens com alguma profundidade e comparado com as várias imagens existentes na internet – como referiram nos depoimentos prestados perante o tribunal as testemunhas colaboradores da 1.º Ré/Recorrida -, facilmente verificariam que não se trata da mesma pessoa, desde logo porque o deputado Luís …..tem um sinal no lado direito da cara que o Recorrente não tem.

  12. É evidente que o Recorrente sofreu danos com a publicação da sua fotografia na capa e no interior da revista “Nova Gente”.

  13. Também é evidente que os Recorridos não foram cautelosos o suficiente para evitar que o Recorrente, pessoa anónima, visse a sua imagem e a sua vida privada violadas através da publicação das suas fotografias numa revista vendida em todo o território nacional.

  14. Existiu a prática de um facto (publicação das fotografias na revista Nova Gente), ilícito por violar os direitos de personalidade do Recorrente, designadamente, direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, culposa porquanto impende sobre o jornalista o ónus agravado de verificação de todas as imagens e notícias publicadas em revistas ou jornais, por força do Código Deontológico e da Lei de Imprensa, que causou danos ao Recorrente como ficou demonstrado – o Recorrente sentiu-se envergonhado, angustiado, constrangido e embaraçado – e há um nexo causal entre o facto praticado e o dano – a publicação das imagens são causa directa dos danos sofridos pelo Recorrente.

  15. Nos termos do artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

  16. Os danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente são merecedores de reparação, por força do disposto nos artigos 70.º e 496.º, n.º 1 do Código Civil.

    V. Verifica-se o preenchimento de todos os pressupostos exigidos ao abrigo do disposto no artigo 483.º do Código Civil, pelo que a decisão do tribunal a quo deveria ter sido a procedência da acção por provada, com a consequente condenação dos Recorridos no peticionado.” Contra-alegaram os apelados, pugnando pela improcedência da apelação.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    II - QUESTÕES A DECIDIR De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do...

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