Acórdão nº 243/18.0JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelANA BACELAR CRUZ
Data da Resolução14 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I. RELATÓRIO No processo comum n.º 243/18.0JAFAR do Juízo Central Criminal de Faro [Juiz 4] da Comarca de Faro, mediante acusação pública, foi pronunciado JJ, solteiro, nascido a 30 de julho de 1997, em Cabo Verde, filho de…, residente…, em Almancil, atualmente detido no Estabelecimento Prisional de Olhão, pela prática - de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea d) do Código Penal; - de um crime de profanação de cadáver, previsto e punível pelo artigo 254.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.

O Arguido apresentou contestação escrita, negando a prática dos factos que lhe são imputados e oferecendo o merecimento dos autos.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, por acórdão proferido e depositado a 4 de dezembro de 2019, foi, entre o mais, decidido: «(…) - absolver o arguido JJ da acusação da prática de um crime de homicídio quanto à sua forma qualificada pelo art. 132.º n.º 1 e 2 al. d) do Código Penal, sem prejuízo da imputação da prática de um crime de homicídio; - absolver o arguido JJ da acusação da prática de um crime de profanação de cadáver quanto à al. a) do n.º 1 do art. 254.º do Código Penal, sem prejuízo da imputação da prática de um crime de profanação de cadáver por referência à outra alínea imputada.

- condenar o arguido JJ pela prática de: i. um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal, na pena de 12 (doze) anos de prisão; ii. um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º n.º 1 al. b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; - condenar, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, o arguido JJ na pena conjunta de 12 (doze) anos e 1 (um) mês de prisão.

(…)» Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1. Foi o Recorrente condenado na pena única de (12) doze anos de (1) 1 mês de prisão, pela prática em autoria material de um crime de homicídio p. e p. pelo art.º 131.º do Código Penal pelo qual foi condenado numa pena de (12) doze anos de prisão, e pela prática em autoria material de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo art.º 254.º n.º 1 al. b) do Código Penal, pelo qual foi condenado numa pena de (4) quatro meses de prisão.

2. Não concordando com a douta decisão, o presente recurso versa sobre matéria de facto e sua impugnação e de Direito, designadamente sobre a prova gravada, e apreciação da mesma, bem como sobre erro na apreciação da prova, insuficiência e contradição entre a decisão e a prova, violação do princípio in dúbio pro reo.

3. O Arguido, aqui Recorrente não concorda com a factualidade julgada provada, porquanto não praticou os factos, os crimes pelos quais foi condenado.

4. O Recorrente não matou TT: 5. O Recorrente não profanou o cadáver de TT; 6. O Recorrente não é autor dos crimes pelos quais foi condenado.

7. Uma correta e atenta audição da prova gravada e uma ponderada leitura e análise comparativa da transcrição da prova gravada e produzida na audiência de julgamento, na sua globalidade e não de forma meramente estanque, conjugada com a análise da prova documental, mormente da prova pericial revela que o Tribunal não fez uma correta apreciação da prova, impondo-se a revogação da decisão do Tribunal a quo, devendo o Arguido/Recorrente ser absolvido.

8. Em caso de impossibilidade de serem encontrados, na globalidade da prova, elementos objetivos de prova, quanto à existência dos crimes, autoria dos mesmos, local e modo da sua execução, prevalecendo ao invés, dúvida insanável e irremovível, quanto à verificação dos factos decisivos para a solução da causa, o tribunal deve fazer uso do princípio "in dubio pro reo".

9. No caso em apreço, a autoria dos crimes não resultou provada, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao julgar o Arguido/Recorrente autor da prática dos factos e ao condená-lo.

10. Dispõe o artigo 412.º nº 3 do C.P.P. que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o Recorrente tem que especificar: d) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; e) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; f) As provas que devem ser renovadas; Acresce o n.º 4 als. b) e c) do mesmo artigo: Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o Recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

11. Assim, e em cumprimento do disposto na al. a) do 412.º nº 3 do C.P.P., o Recorrente considera incorretamente julgados os pontos constantes dos factos provados que infra se transcrevem (Pontos 1; 2; 3; 4; 5; 6; dos factos provados no acórdão): 1) A hora não apurada da madrugada do dia 27 de agosto de 2018, o arguido encontrava-se com TT no interior do veículo automóvel de matrícula --RP numa zona de mato no Sítio da Arrochela, em Quarteira.

2) Nessa ocasião, o arguido amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar.

3) Como consequência dessa ação, a TT morreu por asfixia mecânica resultante de oclusão das vias respiratórias superiores.

4) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

5) De seguida, e por forma não apurada, o arguido ateou fogo ao banco traseiro do referido automóvel, provocando chamas que queimaram parcialmente o referido banco e que causaram queimaduras de primeiro e segundo grau nos membros inferiores e no membro superior direito, e queimaduras de terceiro grau na zona da coxa direita do cadáver da TT.

6) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de desfigurar e destruir, ainda que parcialmente, por ação do fogo, o cadáver da TT, sabendo que para tanto não estava autorizado, e que a sua conduta violava o respeito devido aos mortos e era proibida e punida por lei penal.

12. Conforme refere o acórdão recorrido inexiste prova direta sobre a autoria dos factos.

13. Não existe prova testemunhal direta, porquanto ninguém presenciou os factos.

14. Em bom rigor, a decisão recorrida assenta na análise, a nosso entender errada e abusiva do ponto de vista do princípio da livre apreciação da prova, da prova documental e testemunhal; 15. A prova documental apreciada pelo Tribunal a quo cinge-se a: a) Relatório de autópsia médico-legal; b) Relatórios periciais elaborados pela INMLCF I.P. e pelo LPC, os quais foram alvo de esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento, pelas Sras. Peritas CC e TR; 16. Não existe prova testemunhal, nem documental que permita concluir que foi o Arguido/Recorrente o autor dos factos, pelos quais foi erradamente condenado.

17. Senão vejamos: 18. A prova testemunhal, quanto à autoria dos factos, (imputação ao arguido), inexiste, como já se referiu não existe prova direta sobre os factos.

19. No que se refere ao relatório de autópsia médico-legal, constante de fls. 964 dos autos, cuja perícia foi realizada em 30-08-2018, pelas 16:30h, retiram-se as seguintes conclusões: 1. Verificação do óbito no dia 27-08-2018 às 22.10h; 2. Causa da morte: asfixia mecânica – confinamento por compressão da boca e nariz, intencional por terceiro, com elevada probabilidade por ação da camisola que tinha rodeando a face e o pescoço; 3. O cadáver apresentava-se manietado – os dados autópicos não permitem afirmar temporalmente se essa prática decorreu em vida ou após a morte; 4. À data da morte não se encontrava sobre a influência de etanol, drogas ou estupefacientes.

20. O relatório de autopsia médico-legal, não indica a hora provável da morte.

21. Em face do teor do relatório de autópsia médico-legal, não foi possível determinar se as mãos de TT foram amarradas atrás das costas utilizando um cabo áudio e cordões de sapatilhas, antes ou após a sua morte.

22. Bem como não há certeza, mas apenas elevada probabilidade que a compressão das vias respiratórias tenha ocorrido por ação da camisola que tinha rodeando a face e o pescoço.

23. Pelo que, nunca o Tribunal a quo poderia julgar como julgou provada a sequência fáctica que consta dos factos provados da decisão recorrida que se impugnam e consta dos factos 2 e 4 dos factos provados na decisão recorrida. – amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar; com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

24. Mal andou o Tribunal a quo ao julgar provada tal factualidade (factos 2 e 4 do acórdão recorrido - 2) Nessa ocasião, o arguido amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar.

4) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram...

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