Acórdão nº 1739/19.2T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

Relatório O presente recurso foi interposto pela arguida C. L. & A., S.A.

, por não se conformar com a sentença que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial por ela interposto e que confirmou a decisão da Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho que lhe aplicou a coima de 121 UC pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 4.º, n.º 1 e 14.º, n.º 3, al. a) do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, conjugado com o art. 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto.

Formula as seguintes conclusões: «Vem a Recorrente interpor o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo, onde se decidiu, em síntese e no essencial, que o trabalhador alvo de fiscalização, seu ajudante de motorista, estava obrigado a exibir perante a entidade autuante, o Livrete Individual de Controlo.

  1. Com efeito, a Recorrente foi condenada pela Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho, pela prática de contra-ordenação p. e p. nos artigos 4.º, n.º 1, e 14.º, n.º 3, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 237/2007, e no art. 3.º da Portaria 983/2007 de 27 de Agosto.

  2. As questões verdadeiramente nevrálgicas aqui em análise reconduzem-se a duas: i) está um trabalhador, que observa um horário fixo, obrigado ao Livrete Individual de Controlo; ii) não sendo exercida uma actividade transportadora por conta de outrem, está o trabalhador também obrigado à utilização desse instrumento.

  3. Chegados aqui, como em qualquer recurso, dúvidas não restariam que a entidade recorrida, Autoridade para as Condições do Trabalho – e cujo entendimento acabou por aderir o Tribunal da primeira instância –, propugna por um único sentido: independentemente de ter o trabalhador um horário fixo ou móvel, o controlo do registo das horas efectivamente trabalhadas deveria ser feito no livrete individual, o qual deveria acompanhar o trabalhador e ser exibido às autoridades quando por estas solicitado, como aconteceu na fiscalização que esteve na origem dos presentes autos.

    Mas não. Afinal, comungam Recorrente e Recorrida do exacto mesmo sentido: no que especificamente respeita ao controlo dos tempos de trabalho, o trabalhador não sujeito a tacógrafo, com horário de trabalho fixo, deve fazer-se acompanhar por mapa de horário de trabalho, e o trabalhador com horas de início e termo variáveis, deve fazer-se acompanhar por livrete individual de trabalho.

  4. É que, na informação actualizada no site oficial da Autoridade para as Condições do Trabalho, disponibilizada, pois, a todo o público, e à presente data, no espaço adstrito às “perguntas frequentes”, concernente ao tema “transportes rodoviários”, é prestada a seguinte informação: “Como é efectuado o controlo dos tempos de trabalho dos condutores por conta de outrem, não obrigados à utilização de tacógrafo? O controlo dos tempos de trabalho dos condutores por conta de outrem, que desenvolvam a respectiva actividade utilizando veículos excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento (CE) 561/2006, é efectuado da seguinte forma: - condutores com horário de trabalho fixo devem fazer-se acompanhar por mapa de horário de trabalho; - condutores com horário de trabalho com horas de início e termo variáveis, devem fazer-se acompanhar por livrete individual de controlo; - condutores com isenção de horário de trabalho devem fazer-se acompanhar do acordo de isenção; - os seus empregadores deverão manter o registo de tempos de trabalho do art. 202.º do CT, nos termos do n.º 3 deste artigo.” – cfr. hiperligação consultável in https://www.act.gov.pt/(pt-PT)/Itens/Faqs/Paginas/default.aspx; sendo que, tratando-se de facto público e notório, para facilidade de consulta, junto sob doc. 1, informação retirada do referido sítio à data de 09.12.2019.

  5. Assim sendo, a entidade recorrida informa, publicamente, todo e qualquer cidadão, no que especificamente respeita ao controlo dos tempos de trabalho, que o trabalhador com horário de trabalho fixo deve fazer-se acompanhar por mapa de horário de trabalho, e o trabalhador com horas de início e termo variáveis, deve fazer-se acompanhar por livrete individual de trabalho – isto é, aquilo que, em suma, sempre foi defendido pela Recorrente. Vejamos, então: VIII. Foi considerado provado pelo Tribunal a quo que o trabalhador da Recorrente, B. C., observa um horário das 08:30H às 12:00H e das 14:00H às 18:30H, de segunda-feira a sexta-feira.

  6. E foi também considerado provado pelo Tribunal a quo que a Recorrente dedica-se ao comércio por grosso de bebidas, não exercendo qualquer actividade de transporte por conta de outrem.

  7. Ora, o Decreto-Lei n.º 237/07, de 19 de Junho, define “trabalhador móvel” (cfr. al. d), do art. 2.º) “como aquele que faz parte do pessoal viajante ao serviço do empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo Regulamento ou pelo AETR.” (sublinhados nossos) XI. Também a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, logo no seu art. 1.º, sob a epígrafe “objecto”, estabelece que a “presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transporte ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.”(sublinhados nossos) XII. Deste modo, nos termos destas normatividades, o trabalhador deve estar afecto à actividade transportadora, ou seja, a actividade que tem como objectivo principal o transporte rodoviário com intuito lucrativo e que, em regra, no transporte de mercadorias, exerce essa mesma actividade transportando mercadorias pertença de terceiros que pagam esse transporte.

  8. Não estarão incluídos nesta categoria todos os trabalhadores que não se encontrem afectos a empresas que tenham por fim principal a actividade transportadora rodoviária, isto é, quando esta é apenas complementar, auxiliar ou adjuvante da própria actividade; quando, por exemplo, o transporte se destina a distribuir produtos ou mercadorias por si produzidas ou por si comercializadas e que constituem o objecto principal da sua actividade.

  9. No caso, o trabalhador, ajudante de motorista, tem a categoria profissional de «distribuidor», consistindo as suas funções em entregar aos clientes da Impugnante, através de veículos próprios, o material por esta comercializado (bebidas).

  10. Destarte, ao utilizar os veículos como meros coadjuvantes da actividade principal que efectivamente exerce, a actividade transportadora é meramente complementar, não podendo o trabalhador em apreço ser considerado um trabalhador móvel na definição do Decreto-Lei n.º 237/07, de 19 de Junho, e da Portaria 983/07, de 27 de Agosto.

  11. Efectivamente, como resultou provado, a Recorrente não exerce qualquer actividade transportadora por conta de outrem, dedicando-se somente ao comércio por grosso de bebidas.

  12. Acresce que, estando o ajudante de motorista sujeito a um horário de trabalho fixo, como também resultou provado, tendo sido prontamente exibido perante a entidade fiscalizadora o dito horário fixo (e que consta nos presentes autos), ainda que o empregador utilize o veículo como elemento de trabalho coadjuvante da sua actividade, ou por outras palavras, não sendo+ transportador no verdadeiro sentido ou acepção do termo, não se encontrando o trabalhador ajudante de motorista directamente afecto à exploração de veículos automóveis, ainda assim não estava o empregador dispensado de publicitar o horário de trabalho de acordo com o n.º 2 da Portaria 937/2007, com a afixação do horário de trabalho no respectivo veículo – e assim o fez ! ...

  13. “E, se bem estamos a ver, bem se entende que assim seja. Destinando-se a publicitação dos horários a facilitar o controlo e fiscalização das normas sobre horários de trabalho, só a sua afixação no veículo permitirá atingir totalmente esse desiderato. Mas isto não quer dizer que a Recorrente tenha cometido a infracção. É que conforme expressamente resulta do n.º 1 do art. 2.º da citada Portaria, a publicitação aí referida apenas é aplicável aos horários fixos, ou seja, aos horários em que as horas de início e de termo do período normal de trabalho diário, bem como os intervalos de descanso se encontram pré fixados. São horários onde inexiste variação diária de início e fim da actividade.” – cfr. in Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 12.01.2018, processo n.º 3144/17.6T8CBR.C1, in www.direitoemdia.pt.

  14. O ajudante de motorista da Recorrente observa um horário fixo, concretamente das 08:30H às 12:00H e das 14:00H às 18:30H, de segunda-feira a sexta-feira, uma vez que estão definidas as horas de início e de as horas de termo do período normal de trabalho diário, bem como os intervalos de descanso, não há qualquer actividade variável.

  15. Daí que, não surpreenda que a dita acção de fiscalização tenha ocorrido precisamente pelas 17:20H, dentro do período normal de tempo de trabalho daquele ajudante de motorista; mas, sem embargo, mesmo que a fiscalização tivesse ocorrido fora destes limites dos períodos normais de trabalho diários e semanais, poder-se-ia, ainda, lançar mão, de institutos legalmente consagrados, como seja o trabalho suplementar.

  16. De facto, nas situações em que os trabalhadores não estão sujeitos a horário de trabalho fixo, impõe-se a forma de registo através do livrete individual de controlo, por forma a serem registados tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, incluindo o tempo de trabalho prestado ao serviço de outro empregador, por forma a serem controlados.

    Situações diversas são aqueles em que os trabalhadores, estando sujeitos a um horário de trabalho fixo, publicitam tal realidade através do mapa de horário de trabalho, donde resultam as horas de início e as horas do termo da actividade, para além dos respectivos intervalos de descanso diários, bem como os dias correspondentes ao gozo do descanso complementar e ao gozo do descanso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT