Acórdão nº 212/12.4TBPTL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, *I – RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. D. L.

(aqui Recorrido), residente no Lugar …, freguesia de …, em Ponte da Barca, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo então ordinário, contra M. M.

(aqui Recorrente), residente no Lugar …, freguesia de …, em Ponte de Lima, pedindo que · (a título principal) fosse declarada a nulidade do «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», outorgado por ele próprio e pela Ré em 28 de Fevereiro de 2011 (conforme documento escrito que juntou); · ou (subsidiariamente) fosse anulado tal negócio; · (cumulativamente) fosse a Ré condenada a devolver-lhe tudo o que já lhe prestou em consequência da mesma declaração, ascendendo o seu montante a € 620.000,00, acrescido de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, ser tal negócio nulo, uma vez que o seu objecto e fim é contrário à lei, designadamente por violação de normas imperativas que regem o direito dos sócios à distribuição dos lucros do exercício de sociedade, e respectivas normas fiscais quanto à tributação de tais lucros (arts. 280.º e 281.º, ambos do CC).

Mais alegou que, caso assim se não entendesse, seriam as suas declarações ali plasmadas - em especial, o reconhecimento de dívida feito -, anuláveis, por o referido documento ter sido obtido sob coacção moral (art. 255.º do CC).

Por fim, alegou que, em face dos vícios que afectariam o dito «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES», teria o direito de obter a restituição do já prestado à Ré, em cumprimento parcial do mesmo.

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (M. M.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, e o Autor fosse condenado como litigante de má fé, em multa exemplar e numa indemnização a seu favor, em valor não inferior a € 20.000,00.

Alegou para o efeito, em síntese, serem falsos os factos por ele alegados como caracterizadores da pretensa invalidade do «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» (assim os impugnando); e deduzir o Autor uma pretensão que sabia carecida de fundamento, alicerçada em factos cuja falsidade não ignoraria, tendo ainda omitido outros essenciais à descoberta da verdade, com o propósito exclusivo de prosseguir um fim ilegal e contrário ao direito, e de lhe causar prejuízo directo.

1.1.3.

Em sede de audiência preliminar, foi proferido despacho: saneador fixando o valor da acção em € 1.751.646,00, e certificando a validade e a regularidade da instância); e definindo o elenco dos factos já assentes e dos factos ainda controvertido (estes últimos integrantes da base instrutória).

1.1.4.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção procedente, nomeadamente por se ter considerado consubstanciar o «RECONHECIMENTO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES» um negócio unilateral de reconhecimento de dívida e ter o Autor demonstrado inexistir causa para a mesma, o que se declarou, condenando-se ainda a Ré a devolver-lhe o montante de € 620.000,00 (já recebidos mercê do seu cumprimento parcial), acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal (de 4% ao ano), desde a citação até ao integral pagamento.

1.1.5.

Tendo a Ré interposto recurso de apelação desta primeira sentença, veio o mesmo a ser julgado parcialmente procedente, por acórdão proferido por este mesmo Tribunal ad quem, que a declarou nula, por consubstanciar uma decisão-surpresa, ordenando ao Tribunal a quo que reabrisse a discussão da causa (anunciando às partes a possibilidade de vir a enquadrar juridicamente o litígio como o fizera antes, e convidando-as a exercer o respectivo direito de contraditório), prosseguindo depois a acção os seus ulteriores e normais termos.

1.1.6.

Reaberta a discussão pelo Tribunal a quo nos termos determinados, foi depois proferida nova sentença (reiterando nos seus precisos termos a previamente por ele dada), julgando a acção procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) III- Decisão.

1) Pelo exposto, o Tribunal decide julgar procedente a presente acção e, em consequência, decide declarar inexistente a dívida reconhecida pelo A. constante do documento intitulado de “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento” outorgado em 28 de Fevereiro de 2011, por Autor e Ré, junto sob documento 10 com a p.i. (fls. 99 e ss) e respectiva adenda.

2) Em consequência, decide-se condenar a Ré devolver ao Autor o montante de 620.000,00 € (seiscentos e vinte mil euros), acrescidos de juros, à taxa de 4%, desde a citação até ao integral pagamento.

3) Custas a cargo da Ré.

4) Registe e notifique.

(…)»*1.2. Recurso (da Ré) 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Ré (M. M.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado provido; e, em consequência, se revogasse sentença recorrida, substituindo-se a mesma por decisão julgando a acção totalmente improcedente, sendo ela própria absolvida dos pedidos formulados contra si.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que julgou a acção procedente e, em consequência, “decidiu declarar inexistente a dívida reconhecida pelo A. constante do documento intitulado de “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento” outorgado em 28 de Fevereiro de 2011, por Autor e Ré, junto sob documento 10 com a p.i. (fls. 99 e ss) e respectiva adenda” e decidiu “condenar a Ré devolver ao Autor o montante de 620.000,00€ (seiscentos e vinte mil euros), acrescidos de juros, à taxa de 4%, desde a citação até ao integral pagamento”.

2 - O presente recurso tem por objecto a decisão da matéria de facto e de direito, com reapreciação de prova gravada.

3 - São as seguintes as razões da discordância da Recorrente: Recurso da Decisão da Matéria de Facto 4 - A Recorrente discorda do julgamento do ponto 1.37 dos factos provados, pois entende que o mesmo deveria ter sido dado como provado com a seguinte redacção: “Não obstante a dissolução do matrimónio por mútuo consentimento, e após o seu decretamento, o relacionamento entre A. e Ré degradou-se consideravelmente ao nível profissional e pessoal, culminando com ruptura de diálogo e comunicação entre ambos”.

5 - Os meios de prova que impunham decisão diversa são os seguintes: - fls. 35 - doc. n.º 2, junto com a p.i. (acta de conferência de processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 12581/2007, da qual resulta que a dissolução do matrimónio ocorreu em 04/01/2008); - fls. 1061 - docs. n.º 1, junto com a contestação, e doc. n.º 30, junto ao doc. n.º 23 da contestação (fls. 102/140 do requerimento apresentado nos autos em 30/03/2012, às 16:49:20 – referência 9797437) – contrato-promessa de partilha outorgado em 04/01/2008; - fls. 1068 - doc. n.º 2, junto com a contestação (carta de 28/04/2008); - fls. 1071 - doc. n.º 3, junto com a contestação (nota de culpa de 06/05/2008 e deliberação da gerência, representada pelo Autor, de 03/05/2008); - fls. 1077 e 1093 - docs. n.º 4 e 5, juntos com a contestação (providência cautelar de suspensão provisória do despedimento, termo de transacção e acordo-aditamento ao contrato de trabalho); - fls. 1427 - doc. n.º 6, junto ao doc. n.º 28, junto à contestação – comunicação à Autora do seu despedimento, promovido pelo Autor, enquanto gerente da sociedade X; - fls. 1128 - doc. n.º 18, junto com a contestação; - fls. 1138 - doc. n.º 20, junto com a contestação; - fls. 1192 - doc. n.º 21, junto com a contestação; - declarações prestadas pela Ré na sessão da audiência de julgamento realizada em 07/06/2016,na gravação com início às 10:48:39, no excerto de minutos 05:00 a 07:36 e 12:14 a 14:36; - declarações prestadas pela testemunha M. A. na sessão da audiência de julgamento realizada em 17/01/2017, com início às 10:55:39, no excerto de minutos 09:30 a 11:50; - depoimento prestado pela testemunha J. R. na sessão de 17/01/2017, com início às 15:10:33, no excerto de minutos 03:30 a 04:00.

6 - A locução “nunca aceitou o fim do casamento” é absolutamente irrelevante para a apreciação do mérito da acção e não deveria constar sequer da decisão da matéria de facto.

7 - A não aceitação do fim de um casamento não é, em si mesma, um facto que possa ser contraditado e objecto de prova. Pelo contrário, é uma conclusão que, no limite, poderia resultar de um conjunto de factos que teriam de ser alegados.

8 - A locução “nunca aceitou o fim do casamento” deverá, pura e simplesmente, ser eliminada do ponto 1.37 dos factos provados, por não constituir um facto, mas uma mera conclusão.

9 - Mas ainda que assim se não entendesse, esse “facto” sempre seria infirmado pela prova produzida, acima elencada.

10 - No ponto 1.38 da decisão da matéria de facto o Tribunal recorrido deu como provado que “As sociedades comerciais “X Supermercados L.da” e “Y Sociedade de Gestão Imobiliária Lda foram prejudicadas no seu normal funcionamento pelas acções intentadas pela Ré, supra descritas em 1.19., 1.30. e 1.31. contra o gerente/ ex-marido e as próprias sociedades, acções essas que provocaram instabilidade no desenvolvimento da exploração e actividade comercial de tais sociedades, as quais, para além da degradação de relacionamento entre os sócios, viram prejudicadas as relações com fornecedores e entidades financeiras.”.

11 - A Recorrente discorda do julgamento desse ponto da matéria de facto, pois entende que o mesmo não encerra matéria de facto e, por inerência, não poderia ser dado como provado.

12 - No limite e caso assim se não entendesse, esse facto deveria ter sido dado como não provado.

13 - O meio de prova que impunha decisão diversa é o depoimento prestado pela testemunha Dr. A. C., na sessão da audiência de julgamento realizada em 29 de Maio de 2016 – gravação iniciada às...

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