Acórdão nº 834/19.2T9VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

RECORRENTE: X – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIM´DIA, S.A.

RECORRIDO: ACT – AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO DE VILA REAL Tribunal da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho d Vila Real, Juiz 2.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães 1.

RELATÓRIO No âmbito da decisão administrativa proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Douro, que deu origem aos presentes autos foi à arguida/recorrente aplicada a coima única de €13.000,00, pela prática como reincidente da contra ordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 129.º, n.ºs. 1 al. b), 2, 554.º n.º 4 al. e) e 561.º do Código do Trabalho.

A arguida/recorrente não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Tribunal da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real, peticionando pela revogação da decisão administrativa com a sua consequente substituição por outra que a absolva da prática da imputada infracção.

Recebido o recurso, procedeu-se à realização de audiência de julgamento na 1ª instância e seguidamente foi proferida sentença a qual terminou com o seguinte dispositivo: “Perante o exposto, julga-se totalmente improcedente a presente impugnação judicial e, em consequência, decide-se manter na integra a decisão administrativa que condenou a arguida “X – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A.”, pela prática da contra-ordenação ao disposto no art. 129º, nºs. 1, alínea b) e 2, do Código do Trabalho, na coima de €13.000,00 (treze mil euros).

Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s - cfr.art. 8º, n.º 9 do R.C.P. e tabela III do referido Regulamento -, levando-se em consideração (nesta) a taxa de justiça já liquidada.

*Notifique e comunique nos termos do disposto no art. 45º, n.º 3 da Lei nº. 107/2009, de 14/09.

Oportunamente, deposite.” A arguida/recorrente inconformada com esta decisão recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo a revogação da sentença e motivando o seu recurso com as seguintes conclusões: “A. A coima em causa foi aplicada em por, alegadamente, a ora Recorrente ter obstado à prestação efetiva de trabalho do seu ex-trabalhador, A. M., a título de negligência, violando desse modo o disposto pela alínea b), do n.º 1, do artigo 129.º, do Código do Trabalho a título de negligência, violando desse modo o disposto pela alínea b), do n.º 1, do artigo 129.º, do Código do Trabalho.

  1. Pois apesar de ter sido condenada nos termos mencionados supra, a Recorrente não pode aceitar ser condenada pela prática dessa infração, existindo na douta sentença proferida vício de erro na aplicação do direito, porque a situação de inactividade não preenche o tipo legal da infracção imputada, sendo o entendimento perfilhado pela decisão ora recorrida ser contrária à legalidade vigente no nosso ordenamento jurídico.

  2. Desde logo, a Decisão em crise é nula, por violação manifesta do disposto pelo n.º 2, do art. 374.º, do Código de Processo Penal (doravante CPP), aplicável pela remissão do art. 60.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, para o Regime Geral das Contra- Ordenações (doravante RGCO), constante do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que por sua vez, no seu art. 41.º, n.º 1, dispõe «Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.».

  3. O n.º 2, do art. 374.º, do CPP dispõe que é requisito da sentença penal, entre outros, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” E. A Recorrente, em sede de recurso de impugnação, juntou com as suas alegações 3 (três) documentos, entre Despacho de Dispensa de Assiduidade e respectivo gozo e contrato de cessação do contrato de trabalho do trabalhador visado, com o intuito de comprovarem a boa-fé da Recorrente para com o trabalhador, porém, não resulta da Sentença, qualquer exame crítico dessas provas, nem sequer referência a esses documentos, e pese embora tenha o seu conteúdo considerado provado, o tribunal a quo não apresenta qualquer fundamento para serem desconsiderados, uma vez que apenas alude aos depoimentos das testemunhas trazidas a julgamento.

  4. Esta omissão de pronúncia acerca da prova documental trazida aos autos, consubstancia a nulidade da sentença, nos termos do disposto pelo art. 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, conforme jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora e de Lisboa, o que expressamente se invoca com as consequências legais.

  5. Em relação à errada aplicação do direito aos factos, sempre se dirá que a problemática associada ao presente processo contraordenacional não se pode resumir ou qualificar levianamente como um mero caso gratuito ou injustificado de violação do dever de ocupação efectiva do trabalhador, de acordo com o teor da Decisão proferida.

  6. Tal significa que, para que lhe seja imputada a prática de qualquer contraordenação, terá que ficar devidamente provado, que a Recorrente, de forma deliberada e injustificada, e com o exclusivo propósito de lesar os interesses do trabalhador, o colocou em situação de inatividade – o que, como se viu, não sucede, uma vez que, ao contrário, ficou evidenciado e provado que a conduta da Recorrente esteve plena e objetivamente justificada pela reestruturação interna que se encontra a implementar, e por todo o circunstancialismo relativo ao próprio trabalhador em causa, tendo sido, ainda, a situação de inatividade deste trabalhador meramente temporária, constituindo uma situação excecional.

    I. Desconhecendo a Recorrente, sempre sem conceder, que danos foram causados ao trabalhador ou que pressão foi exercida sobre este pois da Decisão nada resulta.

  7. Inexistindo igualmente qualquer conduta susceptível de ser configurada como má-fé por parte da Recorrente ao manter o trabalhador desocupado durante longos períodos de tempo quando se demonstre por exemplo que procedeu a diversas tentativas 8de os recolocar, ainda que sem êxito, num posto de trabalho correspondente à sua categoria profissional, noutros departamentos ou que fez diversas tentativas para resolver situação através da revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo ou da sua passagem à situação de pré-reforma).”, circunstância que, comprovadamente sucedeu.

  8. É inequívoco que, ao direito de valorização e dignificação profissional dos trabalhadores, que poderá encontrar suficiente respaldo na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, contrapõe-se o princípio da liberdade da iniciativa económica das empresas, também consagrado constitucionalmente (artigo 61.º, n.º 1 da CRP), de tal forma que a existência de um suposto direito à ocupação efectiva decorre, em primeira linha, de um princípio de igualdade entre os trabalhadores da mesma empresa; os trabalhadores devem estar sempre numa situação de igualdade quer quanto à ocupação quer quanto à execução do trabalho, e daí que a violação da ocupação efectiva se deva reconduzir a um problema de boa-fé.

    L. Entre outros, a Decisão em crise considerou como matéria de facto provadas: “1. No dia - de maio de 2017, a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) – Centro Local do Douro – Vila Real, levou a efeito uma visita inspectiva às instalações da arguida, sitas na Rua …, em Chaves.

    1. No âmbito dessa visita inspectiva, verificou a ACT que o trabalhador da arguida A. M., com a categoria de técnico superior, se encontrava afastado das actividades da empresa, sozinho no seu local de trabalho, constituído por um gabinete, com uma secretária, cadeira, telefone e computador.

    2. Desde 17 de Fevereiro de 2017, data em que o trabalhador foi colocado no departamento Unidade de Suporte (USP) e até 30 de Novembro de 2017, data em que a arguida e o autor resolveram cessar, por escrito, o contrato por mútuo acordo, a arguida não distribuiu ao trabalhador A. M. qualquer atividade ou função correspondente às suas funções de técnico superior, nem quaisquer outras; 17. Que entre o dia 17/02/2017 2 10/10/2017, o trabalhador gozou 23 dias de férias.

    3. Que o trabalhador a partir de dia 10/10/2017 gozou de dispensa de assiduidade, pelo que não mais se apresentou ao serviço até à sua saída em 01/12/2017.

    4. Que o trabalhador e a arguida fizeram cessar o contrato de trabalho que vigorava entre ambos, por mútuo acordo, com efeitos a 01/12/2017.

    5. O trabalhador A. M., desde 2014, por recomendação da medicina de trabalho, foi ficando sucessivamente “apto condicionalmente” para algumas das funções exercidas na DOI (Direcção de Operações).

    6. A arguida, nas circunstâncias descritas, não agiu como cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, no sentido de proporcionar ao trabalhador A. M. uma efectiva prestação do seu trabalho.” M. É manifesta a contradição entre o facto provado em 22. e os factos provados entre 17. E 20., porquanto, resulta provado que o trabalhador esteve a gozar férias até Outubro de 2017, e dispensado de assiduidade desde Outubro de 2017, até ao final do contrato de trabalho em 30/11/2017, pelo que é objectiva e materialmente impossível afirmar que a arguida não agiu com o dever de cuidado que lhe cabia, ao não atribuir funções ao trabalhador! N. Face à matéria de facto considerada provada, facilmente se alcança não ter a Recorrente praticado a infração pela qual foi condenada, porquanto não se encontra preenchido o tipo objectivo da infracção imputada, na medida em que a questão da eventual violação do dever de ocupação efetivo não poderá ser encarado de forma simplista, pois nem todas as situações de inatividade se reconduzem à conduta imputada à Recorrente O. Pois resulta da Doutrina maioritária, “(…) o problema da ocupação efetiva do trabalhador não se reconduz a toda e qualquer situação de inatividade deste, mas apenas...

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