Acórdão nº 91/18.GAVNH.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução09 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular, com o NUIPC 91/18.8GAVNH, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo Local Criminal de Bragança, realizado o julgamento, foi proferida sentença, a 05-06-2019, a condenar o arguido F. S. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, perfazendo o montante de € 385,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista na al. a) do n.º 1 do art. 69º do Código Penal, pelo período de 5 meses e 10 dias.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição[1]): «EM CONCLUSÃO: 1.

Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida nos autos por se entender que se impõe a modificação da decisão sobre a matéria de facto considerada não provada.

2.

Mais se impõe de igual forma a modificação da decisão do tribunal “a quo” sobre a matéria de direito, de cujo enquadramento feito na douta sentença ora recorrida se discorda, 3.

Ainda que assim não se entenda, sempre se verificaria insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada; 4. Assim, impugna a decisão recorrida por três razões distintas, a saber: matéria de facto ter sido erradamente julgada; a errada subsunção jurídica dos factos provados; insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada; PONTOS DE FACTO QUE O RECORRENTE CONSIDERA INCORRETAMENTE JULGADO (art. 412º., nº 3, al. a), do CPP).

5. O considerar-se como NÃO PROVADO que: “O tubo de colheita utilizado não contém anticoagulante”.

(negrito e sublinhado nosso) 6. Sendo que o documento constante dos autos e junto com a contestação sob a designação de doc. nº 2, o qual se dá novamente por reproduzido para os devidos e legais efeitos, impõe decisão diversa da recorrida, 7. Constitui o invocado documento nº 2 resposta fornecida pela Exma. Senhora Diretora do Serviço de Patologia Clínica da Unidade Local de Saúde do Nordeste E.P.E., - local onde o arguido recebeu assistência médica - relativo ao pedido de informação solicitado via postal no âmbito do qual, a referida Diretora clínica reconhece que a amostra não continha anticoagulante, contrariamente ao exigido no disposto do artigo 5º alínea a) da Portaria 902-B/2007 de 13 de Abril 8. Acresce que referido documento nº 2 foi emitido por entidade oficial, cuja genuinidade não pode ser negada sendo certo que dúvidas houvesse acerca da mesma deveriam ter sido dissipadas pelo tribunal recorrido, lançando mãos do poder-dever de promover todas as diligências que se mostrem relevantes para a descoberta da verdade material, o que manifestamente não fez.

9.

Entende, assim, o recorrente que a decisão de que ora se recorre padece, pois, de flagrante erro notório na apreciação da prova, pelo que estamos na presença de um vício da decisão recorrida nos termos do art. 410.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal, o que expressamente se invoca, devendo, em conformidade, ser alterada a matéria de facto, dando por assente e PROVADO que “ o tubo de colheita utilizado não contém anticoagulante”.

DA ERRADA SUBSUNÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS (art. 412º., nº 2, do CPP): 10.

Uma vez provados os factos descritos na douta sentença recorrida no número 2 (Ocorreu, nessa sequência, embate do motociclo, com o ligeiro de passageiros matrícula BA); no nº 6 (Após a chegada do INEM, o Arguido foi imobilizado com tala e colar cervical); no nº 7 (O Arguido tinha dores, mas estava consciente, orientado e colaborante); no nº 8 (Foi transportado para o hospital de Bragança, onde lhe foi retirado sangue pelas, 00:53 horas, para análise e despistagem da presença de álcool, sendo para o efeito usada a bolsa n.º 54728; e no nº 9 (O Arguido não foi informado da finalidade da mencionada colheita;), 11.

O respetivo enquadramento jurídico não poderia deixar de ser outro, impondo-se decisão diversa da proferida, pugnando-se, s.m.e., pela absolvição do arguido.

12. Porquanto não poderia o tribunal “a quo” deixar de entender que o exame de recolha de sangue, pela forma como foi obtido – ilegalmente -, não constitui meio válido de prova e assim sustentar a condenação do arguido 13. Pois que, a determinação da taxa de alcoolemia no caso de acidentes de trânsito, como é o caso dos autos, terá de ser feita como previsto e nos termos do disposto no artigo 156º do Código da Estrada e de igual forma no artigo 4 º Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influencia do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, o que manifestamente não sucedeu; 14. Sendo certo que a pesquisa deve fazer-se, em primeiro lugar, mediante exame de pesquisa de álcool no ar expirado, e subsidiariamente no caso de tal não ser possível é que se deverá proceder à colheita de amostra de sangue.

15. Não obstante a previsão detalhada de todo o procedimento, foi o arguido, sem mais, submetido a colheita de sangue para estudo analítico e bem assim para pesquiza do álcool e substâncias psicotrópicas, sem que previamente - tenha sido efetuada qualquer tentativa de pesquisa de álcool no sangue através de teste ao ar expirado, conforme decorre de informação prestada pelo Militar da G.N.R. e vertida no modelo do anexo i) a que se faz referencia na Portaria 902-B/2007 de 13 de Abril, impresso, esse, constante dos autos em anexo à participação e para o qual remetemos e se dá por integralmente reproduzido para os devido se legais efeitos.

16. Note-se que no referido modelo resulta claro que “ não foi realizado “ o teste ao ar expirado, não referindo sequer a existência de alguma tentativa ou o motivo da não realização.

17.

Sendo certo que do facto de o arguido acidentado ter sido conduzido ao hospital para receber cuidados de saúde não decorre, sem mais, que estaria impedido de ser submetido ao exame através do ar expirado, para assim justificar a recolha de amostra sanguínea, 18. Tanto mais que resultou provado da audiência de discussão e julgamento que o arguido “tinha dores mas estava consciente, orientado e colaborante. “– vide ponto 7 da matéria de facto provada (negrito e sublinhado nosso) 19. Não se inferindo do referido ponto 7 da matéria de facto provada, qualquer perda de consciência por parte do arguido, paragem respiratória, indução em coma, ou qualquer outro episódio cuja urgência no tratamento permita excecionar de forma imediata a submissão ao teste ao ar expirado; Por outro lado, 20. Como não fosse suficiente, e ainda associada à recolha de amostra sanguínea, verificamos o incumprimento grosseiro de outros procedimentos legalmente previstos, cuja inobservância não pode deixar de ser igualmente cominada com a proibição de valoração da prova assim obtida, ou seja do relatório pericial a que se refere o auto de notícia e a acusação e a sentença recorrida.

21. Pois que contrariamente ao previsto no artigo 9º da Portaria 902-B/2007 de 13 de Abril: i) O modelo do anexo i) não está correta nem completamente preenchido, contrariamente ao previsto alínea a) daquele diploma legal, não indicando a medicação ministrada ao arguido antes da recolha de sangue e bem assim nas 48 h anteriores, questão não despicienda na medida em que alguma medicação pode influir com o resultado do exame; ii) O original do modelo do anexo i) não contém a vinheta do profissional de saúde, à revelia do disposto na alínea b) daquele diploma legal, desconhecendo-se quem fez a recolha, se foi médico ou outro profissional de saúde.

iii) O duplicado do impresso não foi entregue ao arguido nem ao seu representante legal conforme resulta da alínea c) do artigo 9º do citado diploma legal, o qual não contém a assinatura do mesmo nem de testemunha conforme possibilidade constante do formulário, questão, de natureza procedimental mas concomitantemente de natureza substantiva já que associado ao direito de informação que assiste ao arguido.

22. Acresce, ainda, que foi violado o disposto no número 3 do artigo 6º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influencia do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, 23. Na medida em que o resultado do exame Toxicológico de sangue para quantificação da taxa de álcool não foi enviado à entidade fiscalizadora no prazo máximo de 30 dias a contar da data da recção, mas antes passados dois meses da receção.

24.

Tudo verdadeiros atropelos aos invocados diplomas legais e arbitrariedades das quais não se poderá deixar de retirar consequências jurídicas, 25. pois que efetivamente não foi seguido o procedimento técnico estabelecido na lei o que põe em causa a integridade da amostra e por maioria de razão inquina o valor probatório do relatório de exame sanguíneo de fls. 6 , impondo-se – repita-se - a absolvição do arguido.

Por outro lado, ainda: 26.

O arguido não prestou – nem verbalmente nem por escrito de forma expressa e/ou presumida - o seu consentimento à recolha de sangue.

27.

Pelo que deve o exame ser declarado inválido, porquanto representa um meio de prova proibido, que não pode ser valorado, nos termos dos artigos , , 18º, 25º nº 1, 26º nº 1 e 32º nº 8 da Constituição e 126º nº 1 do Código de Processo Penal, 28.

Ainda que se aceitasse como escusada a necessidade consentimento expresso deve ainda o exame e respetivo relatório pericial ser considerado inválido e de nenhum valor probatório, 29. Porquanto, independentemente do consentimento expresso, deve o arguido/sinistrado ser sempre informado do fim a que a recolha de sangue se destina, designadamente a finalidade de a mesma instruir eventual processo de natureza criminal contra si. – neste sentido vide Acórdão Tribunal Relação de Guimarães com data de 02/05/2018 proferido no âmbito do processo 34/17.6GCGMR.G1.

30.

De contrário, a não ser necessário prestar informação ao arguido sinistrado acerca da recolha, não teria...

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