Acórdão nº 170/19.4GAPTB-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2020
Magistrado Responsável | ARMANDO AZEVEDO |
Data da Resolução | 09 de Março de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.
No Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Criminal de Ponte da Barca, nos autos de inquérito nº 170/19.4 GAPTB, em que é arguido G. M.
, com os demais sinais nos autos, o Senhor Juiz com funções instrutórias, por despacho exarado nos autos, após submissão do arguido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, ordenou a aplicação ao arguido da medida de coação de proibição de contactar e de se aproximar da ofendida, mantendo dela e da sua residência uma distância de, pelo menos 1 Km, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, mesmo sem o consentimento do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 36.º, n.º 7 da Lei nº 112/2009, de 16/09.
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Não se conformando com o mencionado despacho, dele interpôs recurso o arguido, sem, contudo, formular conclusões.
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O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição): 1. Alega o arguido que a decisão que determinou a aplicação das medidas de coação é nula por falta de fundamentação suficiente quanto à imprescindibilidade para a vítima que a fiscalização das medidas de coação seja efetuada por meios técnicos de controlo à distância, e bem assim quanto à dispensa do consentimento do arguido e das pessoas afectadas com esse controlo, incluindo a vítima.
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Com este entendimento não podemos concordar.
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Como sabemos, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 31.° d), 35.° e 36.° da Lei n.° 112/2009 de 16.09 o recurso aos meios técnicos de controlo à distância da medida de coação de proibição de contactos depende da verificação de dois requisitos: (iii) o juízo de imprescindibilidade da medida para a proteção da vítima; (iv) (ii) a obtenção do consentimento do arguido e das restantes pessoas identificadas no artigo 36.° referido, a não ser que o tribunal, em decisão fundamentada, face às circunstâncias concretas, ponderando os valores em conflito, conclua que a aplicação daqueles meios técnicos se toma Indispensável/imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.
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Ora, para ajuizarmos da verificação do critério de imprescindibilidade para a proteção da vitima teremos que atentar ao caso concreto e bem assim se existem nos autos indícios de que o arguido poderá atentar contra a vida ou integridade física da vítima, ou seja, da existência de indícios da continuação da atividade criminosa.
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Com efeito, esta condição de aplicação da medida de coacção deve ser concretizada e tem em vista a salvaguarda futura da paz social, que foi afectada com a conduta criminosa revelada pelo arguido e que tem potencialidades, objectivas (natureza e circunstâncias) ou subjectivas (personalidade), para continuar a alarmar ou mesmo para manter essa actividade delituosa.
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Para o efeito, toma-se necessário efectuar um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, atendendo às circunstâncias anteriores ou contemporâneas à sua indiciada actividade delituosa.
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Ora, no caso concreto entendemos que verifica-se uma forte possibilidade de continuação da atividade criminosa e desrespeito pela medida de coação imposta se não fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distancia não podendo o Estado permitir-se arriscar a vida e a integridade física da ofendida.
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Na verdade, constata-se que a actividade delituosa do arguido, por um lado, vem-se repetindo no tempo e, por outro lado, atingiu níveis graves de ilicitude, praticando os factos com uma total indiferença pela sua esposa, dirigindo-lhe ameaças de morte, sendo que existe concreto e sério perigo do arguido do continuar com aquela actividade criminosa.
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Com efeito, resulta dos autos de inquirição de testemunhas (ofendida e filho) e auto de notícia que o arguido tem retirado os seus comportamentos agressivos, insultando a esposa, apertando-lhe o pescoço, quase a sufocando, ameaçando-a de morte e provocando-lhe um ambiente de total terror e pânico arremessando para o efeito diversos objectos, partindo-os, e bem assim destruindo as portas com violência.
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Para além do mais, conforme resulta dos autos esta é a quarta vez que a vítima denuncia a prática do crime de violência doméstica por parte do arguido, no espaço de um ano, o que demonstra um escalamento da violência.
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Ademais, o receio do comportamento agressivo do arguido está bem patente na forma como a ofendida tem vivido estes últimos anos.
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Na verdade, resulta dos autos que, temendo pela sua vida e pela sua integridade física, e por forma a evitar que o arguido atente contra a sua integridade física e vida, a ofendida M. L. vivia refugiada no sótão da sua habitação.
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Por outro lado, o comportamento do arguido toma-se complemente imprevisível quando associado ao consumo de bebidas alcoólicas, o que é comum por parte do arguido.
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Ademais, esta falta de adesão à terapêutica associada ao consumo de bebidas alcoólicas faz perigar e aumentar ainda mais a instabilidade e perigosidade do seu comportamento.
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Acresce que, encontra-se em curso a suspensão provisória do processo determinada no âmbito dos autos n.° 236/18.8 GAPTB pela prática de um crime da mesma natureza do investigado nestes autos, no tendo aquele instituto e contacto com o sistema judicial sido suficiente para demover o arguido da prática de novos factos e ilícitos.
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Com efeito, conforme se lê na doura decisão ora posta em crise: É manifesto, por outro lado, que ao actuar desta forma, o arguido veio a tornar evidente que as injunções que lhe foram aplicadas no processo de inquérito supra identificado, não foram adequadas e suficientes a acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa.
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Acresce a isto o facto de a medida de coacção de termo de identidade e residência anteriormente aplicada ao arguido se ter tornado insuficientes, sendo manifesto que o arguido continuou a agir como se nada tivesse acontecido, revelando um total desprezo pelo sistema de justiça.
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Tudo para concluir que o arguido mostra um total desrespeito pelas decisões e obrigações que lhe são impostas no âmbito dos processos, comportamento que é extensivo à falta de reconhecimento de autoridade por parte dos militares.
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Com efeito, nem a presença das autoridades policiais fizeram demover o arguido de levar a cabo os seus intentos, pois que, tal como refere o militar que deslocou-se ao local e o fez exarar no auto de notícia, mesmo na presença dos militares da GNR dentro da habitação do arguido, o arguido não acalmou, continuando a causar um ambiente de terror e pânico batendo com força com as portas.
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E mesmo depois de ter sido aconselhado por parte dos srs. Militares a acalmar-se o arguido persistiu na sua conduta, não reconhecendo qualquer autoridade aos srs. Militares.
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Ora, esta personalidade avessa ao dever-ser faz antever o perigo de continuação da atividade criminosa, pelo que, a fiscalização da medida de proibição de contactos através de meios de controlo à distancia é a única que se mostra eficaz, adequada e proporcional à gravidade dos factos, e à defesa e proteção da vitima.
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Com efeito, atenta a gravidade dos factos em apreço, ao arguido não é possível imputar, nesta altura, um juízo favorável sobre a sua personalidade, marcadamente violenta quando associada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
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Ademais, é consabido que o crime de violência doméstica é propício à reiteração da conduta por parte dos seus agentes, estando ainda associado ao mesmo o receio de continuação da actividade criminosa por parte do arguido, que o revela em concreto, conforme á ficou dito supra.
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Acresce que os factos são objectivamente graves, causadores de grande alarme social e puníveis com pena de prisão de máximo de 2 a 5 anos, tendo sido idóneos à produção de prejuízos consideravelmente elevados e de pôr em risco a integridade física das vítimas.
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Importa pois restabelecer a paz e a tranquilidade e garantir a segurança da ofendida fazendo com que o arguido seja impedido de contactar com aquela e proibindo-se de se aproximar da residência desta (pelo menos enquanto se mantiver a instabilidade e imprevisibilidade do seu comportamento muito associado ao consumo excesso de bebidas alcoólicas).
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Por último e conforme referido no douto despacho ora colocado em crise, temos que ponderar que a sua sujeição ao presente interrogatório poderá constituir mais um pretexto para este continuar a maltratar a sua esposa, quer física, quer psicologicamente e assim sendo, urge aplicar ao arguido medidas de coacção que se mostrem aptas a obviar ao perigo acima descrito.
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Para além do perigo de continuação da actividade criminosa. verifica-se também, uma perturbação da ordem e tranquilidade públicas. uma vez que este tipo de condutas reiteradas causa alarme social (o que resulta à saciedade dos autos, tendo havido necessidade de intervenção da GNR para que a conduta do arguido cessasse).
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Tudo para concluir que mostra-se absolutamente imprescindível para a defesa e proteção da vida e integridade física da vítima que a fiscalização da medida de coação de proibição de contactos se faça através de meios técnicos de controlo à distância.
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E assim sendo, fica justificada a dispensa de consentimento do arguido para a imposição de tais meios, pois que, sendo os mesmos considerados imprescindíveis para a proteção da vitima não poderia tal decisão ficar subordinada ao consentimento do arguido.
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Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 22.9.2015 e publicado em www.dgsi.pt onde se lê que: Não é necessário o consentimento do arguido para a imposição de uso de meios técnicos de controlo à distância - artigos 152 do C.P.P., 31° e 36°, n° 7 da Lei n° 112/2009, de 16-09 - se por ciúme e obsessão daquele existe risco de continuação da actividade criminosa e aqueles meios são essenciais para a protecção da ofendida.
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Dizer ainda que, no que...
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