Acórdão nº 52/20.7YRGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução09 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1. A Mmª. Juíza P. M., a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no Juízo Local Criminal de Ponte da Barca, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 43º, n.ºs 1, 2 e 4, e 45º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal requerer que lhe seja concedida escusa de intervenção no processo comum com intervenção de tribunal singular com o NUIPC 270/18.8GAPTB, invocando os seguintes fundamentos (transcrição[1]): «Compulsados os autos, constata-se que foi proferida acusação particular pelo assistente A. P. contra a arguida S. D., pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.° do Código Penal.

Ora, os factos invocados na referida acusação particular tratam-se dos mesmos factos (parte deles) que o ora assistente invocou em sua defesa no âmbito dos autos com o n° 269/18.GAPTB, que correm termos neste tribunal e nos quais tem a qualidade de arguido e a ora arguida a qualidade de ofendida e demandante cível.

No âmbito desse processo, a signatária presidiu a audiência de julgamento e proferiu sentença a 09.10.2019 (que se encontra em fase de recurso no Tribunal da Relação de Guimarães), condenando o arguido A. P. em autoria material, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, n.º 1, alínea a) e n° 2, alínea a) do Código Penal, (…).

Posto isto e após análise da convicção plasmada na sentença que subscrevi, constato que, ao tomar posição sobre a prova então produzida, fiz referência expressa à falta de credibilidade das testemunhas arroladas pelo arguido (seus filhos), que são precisamente as testemunhas ora arroladas nestes autos relativamente ao mesmo episódio (que na versão da ora arguida se tratou de um atropelamento e na versão do ora assistente, se tratou da prática de um crime de dano pela arguida).

Entendo que a apreciação de situações como a presente devem ser apreciadas casuisticamente já que a intervenção de um juiz noutro processo (tendo em conta o disposto no artigo 43.°, n.º 2, do CPP) nem sempre constituirá — e em regra não constituirá — fundamento para formular um pedido de escusa. Mas parece-me que no caso concreto, salvo melhor opinião, a posição que plasmei na sentença condenatória por mim subscrita nos autos supra identificados pode, na perspetiva do homem comum e do cidadão médio, fazê-lo suspeitar que o juiz deixe de ser imparcial e que como tal prejudique a livre apreciação da prova a produzir.

Por outro lado, em bom rigor, a situação cai igualmente na situação prevista no artigo 43°, n.º 2, do CPP, dado que tive intervenção noutro processo em que os mesmos factos, apesar de vistos de um prisma distinto, se discutiram. Ou seja, a situação pode dar azo a um incidente de recusa com base em invocação de intervenção suspeita, alegada em fundamento sério e grave de desconfiança à imparcialidade do juiz. Ainda que não aceite a suspeita, a verdade é que a possibilidade de dedução do incidente de recusa está prevista para casos como o presente. (…).» 2.

Os documentos juntos pela requerente e os que foram solicitados por este Tribunal, concretamente certidão de peças processuais extraídas dos dois referidos processos, atestam que: - A requerente do presente pedido de escusa exerce funções de juíza de direito no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no Juízo Local Criminal de Ponte da Barca, tendo-lhe sido distribuído para julgamento o processo com o NUIPC 270/18.8GAPTB.

- Nesse processo, o assistente, A. P., deduziu acusação particular contra a arguida, S. D., sua ex-mulher, pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo art. 212º, n.º 1, do Código Penal.

- Para tanto, imputa-lhe os seguintes factos: no dia 30 de dezembro [de 2018], quando o assistente se dirigiu com os filhos menores do casal, J. S., I. D. e J. D., à casa de morada de família, para entregar uma cópia de todas as chaves da habitação à arguida, esta colocou-se atrás do seu carro, já com o motor a trabalhar, impedindo-o de sair do local, após o que foi pelo lado do condutor, começando a pontapear o veículo no guarda-lamas e na porta do condutor, causando danos cuja reparação ascende a € 541,20.

- A requerente presidiu à audiência de julgamento e, em 09-10-2019, proferiu sentença no processo com o NUIPC 269/18.4GAPTB, a condenar o aí arguido e agora assistente, A. P., pela prática de um crime de violência doméstica contra a aí ofendida e agora arguida S. D..

- Nessa sentença foi dado como provado, nomeadamente, que no dia 30 de dezembro de 2018, a ofendida S. D. deslocou-se à residência do ainda casal, com o intuito de pedir ao arguido que lhe entregasse a chave que a impedia de trancar a habitação por dentro, o que ele recusou, introduzindo-se, ato contínuo, no seu veículo automóvel e, ao sair do local, em manobra de marcha atrás fê-lo em direção à mãe dos seus filhos, vindo a embater propositadamente com o mesmo na pernas desta, causando-lhe mal, estar, dores, incómodos e duas equimoses.

- Em sede de motivação da decisão de facto dessa sentença, a Mm.ª Juíza fez referência expressa à falta de credibilidade das testemunhas aí arroladas pelo arguido – J. S. e I. D., filhos menores do casal -, e que são as únicas testemunhas arroladas pelo mesmo na acusação particular deduzida no processo n.º 270/18.8GAPTB.

- Concretamente, aí fez consignar o seguinte (transcrição): «(…) Esta manipulação [dos filhos pelo pai] tornou-se evidente com os depoimentos das crianças em tribunal (depoimentos esses totalmente induzidos e preparados) e através da consulta do relatório de audição técnica especializada, email de sinalização para a CPCJ. (…), e ata de conferência de pais, documentos relativos ao processo de regulação das responsabilidades parentais e juntos aos autos (…).

Como já referimos, em tribunal foram inquiridos os filhos mais velhos do casal (tendo sido arrolados como testemunhas pelo próprio arguido), (…).

Estas testemunhas depuseram de forma incongruente e denotou-se preparação nos seus depoimentos. Denotou-se, ainda, que se encontram totalmente manipulados contra a sua progenitora, comportamentos que também foram constatados pelos técnicos que procederam à audição técnica especializada do arguido e da ofendida, no processo de regulação das responsabilidades parentais.

As testemunhas acusaram a mãe de ser violenta, de insultar o pai, de lhes ter batido, de não ser carinhosa (acusações que já constavam da ata de conferência de pais...

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