Acórdão nº 1904/19.2T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório M. M. e M. F. intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra 1ª – Bank ..., Sucursal em Portugal, 2º A. L., 3º A. M. e 4º R. P., peticionando: a) que se declare nula, anulável, ineficaz e de nenhum efeito a aplicação financeira de risco efectuada pelos Réus com a quantia de 25.900,00 €, depositada pelas Autoras no 1º Réu, designada Notes X Jun. 2016.

  1. que se declare nula, anulável, ineficaz e de nenhum efeito qualquer outra aplicação financeira de risco, subscrita em nome das Autores e efectuada pelos Réus.

  2. que se declare nulo, anulável e de nenhum efeito o contrato de Mútuo- Operações sobre Instrumentos Financeiros 0830014263, no montante de 48.100,00 €, associado à conta à ordem nº … da Autora.

  3. que se declare nulo, anulável e de nenhum efeito qualquer contrato de Mútuo celebrado entre A.A. e RR. e associado a qualquer conta ou a qualquer produto de risco.

  4. A condenação dos Réus, solidariamente, a pagarem ou restituírem às Autores a quantia de 25.900,00 €, a título de capital.

  5. A condenação dos Réus, solidariamente, a pagarem às Autoras a quantia de 6.196,13 €, a título de rendimentos (juros) vencidos/perdidos, sem prejuízos dos juros legais vincendos até efectivo e integral pagamento.

  6. A condenação dos Réus, solidariamente, a pagarem às A.A. a quantia de 21.797,00 €, relativas às prestações mensais do empréstimo alegadamente subscrito por estas, sem prejuízo das prestações que vierem a ser pagas até efectiva restituição do capital e anulação do contrato de crédito.

  7. A condenação dos Réus, solidariamente, a pagarem às Autoras a quantia de 10.000,00 €, a título de danos não patrimoniais sofridos e a sofrer, acrescida dos juros calculados à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

    Para o efeito, e em síntese, alegaram que a Autora M. M., entre 2012 e 2013, abriu conta junto do 1.º Réu, tendo figurado até 2016 como co-titular o seu sobrinho H. S. e, posteriormente a sua irmã, aqui Autora, M. F., e que no âmbito da relação comercial estabelecida com o 1.º Réu, entregou em mão e em numerário ao 2.º, 3.º e 4.º Réus, o montante total de € 25.900,00, tendo dado instruções no sentido de serem constituídos depósitos a prazo à taxa de 7% ao ano.

    A Autora M. M. não teve necessidade de movimentar o capital investido, até que, no final de 2018, início de 2019, as Autoras foram informadas pela Agência de Guimarães do 1.º Réu, de que o montante de € 25.900,00 não tinha sido aplicado em qualquer depósito a prazo, mas que o dinheiro tinha sido aplicado em produtos financeiros de risco elevado.

    As Autoras fundam a sua pretensão na responsabilidade civil do 1º Réu emergente dos atos praticados pelos restantes co-Réus que, no âmbito do contrato de promoção celebrado com o ora 1.º Réu e no âmbito da atividade de intermediação financeira, promoveram os aludidos negócios.

    *Regularmente citado, contestou o banco co-réu, BANK ..., Sucursal em Portugal, impugnando os fundamentos da causa e invocando a exceção perentória de prescrição.

    Deduziu a intervenção principal provocada de H. S., nos termos do 316.º n.º 3, al. b) do CPC, bem como a intervenção principal provocada da seguradora Y – Sucursal em Portugal nos termos do artigo 316.º do CPC.

    Relativamente à Seguradora Y alegou que, por via de dois contratos de seguro que celebrou com esta, a mesma responde solidariamente consigo pelos danos que na presente ação lhe são imputados pelas Autoras, constituindo-se na obrigação de as ressarcir, nos mesmos termos em que ele, 1.º Réu, tenha de fazer.

    *Tendo sido convidado pelo Tribunal “a quo” a esclarecer a natureza dos contratos que invoca, veio o mencionado Réu informar tratar-se de seguros facultativos (cfr. Ref.ªs 44512409 e 2535690).

    *Em 05-11-2019, o Tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho: «Do incidente de intervenção principal provocada passiva da seguradora deduzido pelos Réus na sua contestação, com os esclarecimentos e exercício do contraditório constantes dos requerimentos de 15/10 e 17/10: Considerando tratar-se de seguros de carácter facultativo, e bem assim que nos mesmos não está previsto o direito de demandar directamente o segurador, e considerando que não se verifica a situação do segurado ter informado o lesado Autor com o consequente início de negociações directas entre este último e o segurador, é de admitir a intervenção da seguradora, mas não como parte principal ao lado do Réu, mas como parte acessória.

    Na verdade, nos contratos de seguro de carácter facultativo só se verifica direito de demandar directamente o segurador nas concretas situações, excepcionais, consagradas no nº2 e 3, do art. 140º, do DL nº 72/2008, de 16/4 (LCS) - respectivamente, o contrato de seguro prever tal direito e o segurado ter informado o lesado da existência de contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador -, ocorrendo ilegitimidade passiva do segurador nas restantes situações em que este seja demandado, pois que não é parte na relação material controvertida (mas apenas numa conexa).

    O direito de acção directa está consagrado no referido diploma apenas para os seguros de carácter obrigatório (cfr. art 146º, do referido diploma, na “Subsecção II - Disposições especiais de seguro obrigatório” -, da “Secção I - Seguros de responsabilidade Civil”- (tratando a Subsecção I o Regime Comum), tudo do Título II -“Seguros de danos”).

    Seguindo-se assim na esteira da jurisprudência consagrada nos ACs RP de 12/7/2017 e da RG de 19/10/207 (ambos in www.dgsi.pt)., é de admitir a intervenção da citada seguradora, não como interveniente principal do lado passivo, mas como parte acessória dos Réus, convolação a que se procede, relativamente à qual os Réus já exerceram o seu contraditório.

    Pelo exposto, decide-se deferir parcialmente o incidente, admitindo-se a intervir nos autos Y – Sucursal em Portugal, mas como parte acessória dos Réus – artigo 321º CPC.

    Custas a cargo dos Réus.

    Notifique e cite a chamada (artigo 323º, nº1 CPC).

    (…)».

    *Inconformado com esse despacho, o Banco Réu dele interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «

  8. O recurso do douto despacho que não admite a intervenção principal provocada passiva da seguradora Y – Sucursal em Portugal admitindo-a a título de intervenção acessória é recorrível, uma vez que, nos termos do artigo 322.º, n.º 2 do CPC, apenas a parte do despacho que admite a intervenção acessória da seguradora é irrecorrível.

  9. O incidente de intervenção de terceiros é um incidente processado autonomamente, pelo que, há a possibilidade de recurso de apelação autónoma, nos termos da última parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.

  10. O douto despacho recorrido pôs termo ao incidente de intervenção de terceiros, e fê-lo não admitindo a intervenção principal da seguradora, tal como tinha sido deduzido pelo ora Apelante na sua contestação, apenas admitindo a intervenção acessória da seguradora (através de convolação), sendo assim recorrível, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 1 e h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, na parte não deferida.

  11. Com o devido respeito que o Tribunal a quo merece, salvo melhor opinião, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 316.º e 317.º do CPC, designadamente no que respeita à não admissão da intervenção principal provocada da seguradora, devendo, consequentemente, ser substituído por outro que admita o incidente de intervenção principal provocada da seguradora.

  12. Nos artigos 186.º e seguintes da sua contestação, o Recorrente alegou ter celebrado contratos de seguro, nos termos dos quais transferiu para a seguradora a responsabilidade civil em que possa incorrer em consequência de atos, omissões e erros imputados aos promotores por si designados, sendo que, por efeito dos aludidos contratos de seguro, a seguradora responde pelos valores que as Autoras reclamam na presente ação, por estes se incluírem no âmbito da respetiva cobertura dos seguros.

  13. A seguradora, com a qual o Réu celebrou contratos de seguro de responsabilidade civil facultativos, deverá ser considerada titular da mesma relação jurídica invocada pelas Autoras, devendo ser aceite que a seguradora seja admitida a intervir como parte principal, defendendo um interesse igual ao do Réu e parte na relação material controvertida.

  14. Resulta da vasta maioria da doutrina e jurisprudência (no qual se inclui a Veneranda Relação de Guimarães) tratar-se o contrato de seguro de responsabilidade civil (incluindo o facultativo) dum contrato a favor de terceiro, nos termos dos artigos 443.º e 444.º do CC, podendo, por essa razão, o lesado demandar diretamente a seguradora ou o segurado, ou ambos em litisconsórcio voluntário, nos termos do artigo 32.º do CPC.

  15. Atenta a faculdade de que goza o lesado de demandar diretamente a Seguradora, a intervenção desta deverá ser admitida a título principal, seja em virtude da natureza do contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo como contrato a favor de terceiro (artigo 444.º do CC), seja devido ao facto de, perante o lesado, segurado e seguradora, serem solidariamente responsáveis (artigo 497.º do CC).

  16. A intervenção principal provocada (artigo 316º do CPC), em litisconsórcio passivo, da seguradora e do segurado, assegurará uma defesa conjunta contra o credor, bem como, acautelará um eventual direito de regresso (n.º 1, do artigo 317º do CPC), já que, o contrato de seguro de responsabilidade civil transforma a seguradora, enquanto obrigada ao pagamento do quantum indemnizatório, em titular da relação material controvertida, com um interesse principal.

  17. Em face do exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ao decidir do modo como decidiu, violou as normas legais previstas nos artigos 32.º, 316º e 317º do Código de Processo Civil.

    Nestes termos e nos demais de direito, deve...

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