Acórdão nº 4000/16.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelPURIFICA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO M. G.

, divorciada, residente na Rua ..., Braga, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de acidente de viação, contra X – SUCURSAL EM PORTUGAL, com sede Rua … Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 160.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou ter sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial decorrentes de um embate que sofreu, como peão, causado pelo veículo automóvel segurado na Ré, cuja responsabilidade exclusiva imputa ao condutor deste último.

A Ré contestou, nos termos constantes de fls. 32 a 35 do processo físico, aceitando desde logo a responsabilidade pela eclosão do acidente, mas impugnando a extensão dos danos alegados pela Autora e os montantes indemnizatórios peticionados, alegando ainda que pagou já as quantias respeitantes a perdas salariais referentes ao período de 28-09-2013 e 06-03-2015.

Concluiu pedindo a improcedência da acção.

Em 09-01-2017 (cf. fls. 61 e 62 do processo físico) foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Por requerimento de 01-07-2009, a Autora veio requerer a ampliação do pedido inicial, com vista a incluir o segmento “bem como ser a Ré condenada a pagar à Autora indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais ainda não determináveis, relegando-se tal fixação para momento ulterior, nomeadamente para incidente de liquidação de execução de sentença.

”, ampliação esta que foi admitida por despacho de 05-09-2019.

Procedeu-se seguidamente a julgamento.

Seguiu-se a sentença que terminou com o seguinte dispositivo: Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência: - condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 77.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento.

- condenar a Ré a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar referente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que venha a sofrer no futuro decorrentes da intervenção cirúrgica a que terá que ser submetida e da medicação que terá que continuar a tomar (até ao valor total de € 30.000,00); - absolver a Ré do restante pedido.

*Custas por Autora e Ré, na proporção do respectivo decaimento quanto ao montante já liquidado (art. 527º nºs 1 e 2 do C.P.C.) e, provisoriamente em parte iguais, quanto ao valor por liquidar (cf. Acs. da R.P., de 19-04-1995, Proc. nº 9410955 e da R.E., de 28-05-2013, Proc. nº 838/08.0TALGS.E1, ambos in www.dgsi.pt).

*Registe e notifique.

Descontente a ré apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões: A Ré não se conforma com a Sentença, mais exactamente no que à decisão de direito diz respeito e, neste âmbito, tanto no que concerne à vertente patrimonial da condenação, como no que tange à vertente não patrimonial.

DO DIREITO I - Dos danos patrimoniais 2. O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar à A. uma compensação no valor de €40.000,00 por danos patrimoniais, correspondentes à perda de capacidade de ganho, aos quais já deduziu os €3.000,00 que a Demandada já lhe tinha liquidado por conta da indemnização final.

  1. Conforme consta da Sentença, na fixação da indemnização pela perda de capacidade de ganho, o Tribunal teve presente: a) o vencimento mensal ilíquido da A. de €549,26 x 14 meses; b) o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 22,4 pontos; c) que à data do sinistro a A. tinha 55 anos; d) que a esperança média de vida fixa-se nos 84,6 anos; e) que o limite provável da vida activa da lesada fixa-se nos 70 anos; f) que a perda de capacidade de ganho será ponderada até aos 70 anos e o dano biológico até aos 84 anos.

  2. Primeiro, há que ter presente que, apesar do sinistro ter ocorrido em 28/09/2013, quando a A. tinha 55 anos, esta teve alta a 06/03/2015 e foi ressarcida de todos os salários que lhe eram devidos desde a data do acidente até 23/05/2015, 5. pelo que não pode o Tribunal a quo ter como premissa a idade à data do acidente, mas sim a idade à data até à qual recebeu todos os salários (23/05/2015).

  3. Segundo, se a indemnização tiver como premissa a esperança de vida, tal significa que, no que respeita ao hiato temporal entre a idade da reforma e o limite da esperança de vida, a A. acabará por acumular a indemnização com a pensão, de reforma que sempre iria receber, mesmo que não tivesse sofrido o acidente.

  4. Ora, na fixação da indemnização por danos patrimoniais, o Tribunal tem obrigatoriamente que seguir o princípio da Teoria da Diferença.

  5. Além disso, há ainda que ter presente que, no caso em apreço, a A. não sofreu uma diminuição efectiva dos seus rendimentos, uma vez que continua a trabalhar e que, conforme consta da Sentença, auferia€549,26/mês à data do sinistro e agora (com referência a Junho de 2019) aufere €600,00/mês.

  6. Acresce que a incapacidade de que ficou a padecer, não impossibilita a A. de exercer a sua actividade.

  7. Por isso, deve atender-se ao rendimento que auferia antes do sinistro (€549,26/mês), ao Défice de que ficou a padecer (22,4 pontos), à idade à data em que deixou de receber os salários devidos pela Ré (56 anos), à idade da reforma (66 anos e 5 meses) e às actividades que ainda poderia continuar a desempenhar após atingir a idade da reforma, sem perder de vista a vida activa, necessariamente inferior à da esperança de vida, 11. concorrendo, para a fixação da indemnização, fórmulas matemáticas devidamente temperadas por critérios de equidade, 12. pelo que, afigura-se justa e equitativa uma indemnização por danos patrimoniais respeitantes à perda de capacidade de ganho no valor de €25.000,00.

    II - Dos danos não patrimoniais 13. O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar à A. uma compensação por danos não patrimoniais no valor de €40.000,00.

  8. Conforme consta da Sentença, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o Tribunal teve presente, em síntese: a) as lesões sofridas; b) três intervenções cirúrgicas e respectivos períodos de internamento; c) as sequelas (nomeadamente a claudicação ao nível do membro inferior esquerdo, a limitação na mobilidade do joelho); d) ter deixado de conseguir correr, a dificuldade em subir e descer escadas, em baixar-se e ajoelhar-se); e) quantum doloris de grau 4; f) dano estético de grau 2; g) repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3; h) os períodos de défice temporário; i) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22,4 pontos.

  9. Tendo por referência a mais avisada jurisprudência é manifestamente exagerada a quantia de €40.000,00 em que a Ré foi condenada a título de danos não patrimoniais.

  10. O referido montante de €40.000,00 é aquele que tem vindo a ser arbitrado para situações (com todo o respeito pela A.) mais graves do que aquela de que se ocupam os presentes autos [todos os Acórdãos a citar estão disponíveis para consulta em www.dgsi.pt].

  11. A título de exemplo, é o que resulta da decisão proferida no Acórdão do TRL de 01/03/2018 (Proc. 12361/15.2ALM.L1-2): A. com 52 anos, traumatismo craniano, fractura do côndilo occipital esquerdo, traumatismo vertebral, fractura de várias costelas, contusão de todos os lobos do pulmão direito, traumatismo do ombro direito com rotura do tendão, traumatismo do punho esquerdo, do joelho direito e fractura do menisco, quantum doloris 5, dano estético 2, repercussão nas actividades desportivas e de lazer 1, prejuízo sexual 1, défice permanente da integridade físico-psíquica de 32,90 pontos e incompatível com a sua actividade profissional, acompanhamento médico e fisiátrico para o resto da vida, necessidade de reabilitação vestibular e de reabilitação psicológica para o resto da vida e de nova cirurgia ao joelho – indemnização por danos não patrimoniais €40.000,00.

  12. Porém, em casos com maiores semelhanças com o dos presentes autos, os valores arbitrados são consideravelmente mais reduzidos: 19. Acórdão do TRP de 17/03/2011 (Proc. 2993/08.0TBPVZ.P1): A. com 17 anos, estudante; lesões graves, várias cirurgias, internamentos hospitalares, tratamentos e consultas; incapacidade absoluta durante dez meses; perda do ano escolar; danos físicos irreversíveis, atrofia muscular no membro inferior esquerdo; quantum doloris 4, dano estético 4, IPP 15% – indemnização por danos não patrimoniais €24.000,00; 20. Acórdão do STJ de 16/12/2010 (Proc. 4948/07.3TBVNG.P1.S1): A. com 19 anos; acabado de entrar na universidade, perdeu o ano lectivo devido ao acidente; graves e extensas lesões, fractura do côndilo femural, do prato tibial interno, do joelho direito, com fractura cominutiva da rótula, esfacelos graves no membro inferior direito; dores intensas; quatro cirurgias, prolongados internamentos, graves sequelas e limitações para a vida inteira, com tendência para agravamento; reflexos nas actividades laborais e de lazer (praticava ciclismo); dano estético 3, quantum doloris 5, prejuízo de afirmação pessoal 2 numa escala de 5, IPP para o trabalho de 23,65% com futuro agravamento de 8% – indemnização por danos não patrimoniais €25.000,00.

  13. Assim, atendendo a que em casos mais graves que o da A. a jurisprudência arbitrou valores iguais ao fixado nos presentes autos e que em casos análogos ao ora em apreço fixou valores inferiores, 22. deve a indemnização por danos não patrimoniais ser reduzida para um quantitativo nunca superior a €26.000,00.

    III - Dos juros 23. Lê-se na Decisão da Sentença ora em crise que sobre o total de €77.000,00 em que a Ré foi condenada incidem juros calculados desde a citação 24. Resulta, porém, da Sentença em crise, que o montante relativo à perda de capacidade de ganho foi obtido com recurso à equidade: “terá que ancorar-se primordialmente na equidade…”; “afigura-se nos adequado e equitativo fixar em €40.000,00”.

  14. É igualmente esse o critério seguido no que respeita aos danos não patrimoniais...

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