Acórdão nº 779/19.6PARGR-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelALMEIDA CABRAL
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência (art.° 419.°, n.° 3, al. c), do C.P.P.), os Juízes da 9.º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1– No Juízo Local Criminal da Ribeira Grande, Processo de Inquérito n.° 779/19.6PARGR, onde é ofendida AA e arguido BB., estando este indiciado da prática de 1 (um) crime de violência doméstica, promoveu o Ministério Público que à mesma ofendida fossem tomadas "declarações para memória futura", tendo em vista assegurar a produção de prova em audiência de julgamento.

Porém, esta pretensão foi indeferida pelo Mm.° Juiz "a quo" com a prolação do seguinte despacho: "(—) Veio o Ministério Público requerer que sejam tomadas declarações para memória futura a AA, ao abrigo do disposto no artigo 33.° da Lei 112/2009, de 16.09, art. 271. ° n.° 2 do CPP e da Directiva 5/2019 da PGR, devendo a mesma descrever os factos perpetrados pelo denunciado.

Dispõe o art. ° 33.°, n.° 1, da Lei n. ° 112/2009, de 16/09, sob a epígrafe "Declarações para memória futura", que "O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento". Por seu turno, diz o art. ° 16.°, n.° 2, do mesmo diploma que "As autoridades apenas devem inquirir a vítima na medida do necessário para os fins do processo penal".

Por sua vez, a Lei de Proteção de Testemunhas (Lei n.° 93/99, de 14 de julho), prevê medidas que se destinam a obter, nas melhores condições possíveis, depoimentos ou declarações de pessoas especialmente vulneráveis, nomeadamente em razão da idade, mesmo que se não verifique o perigo referido no n. ° 1 do art.° 1.° - cf art.° 1.°, n. ° 3, do mesmo diploma. Dizendo o art. ° 26.°, n.° 1, que "quando num determinado ato processual deva participar testemunha especialmente vulnerável, a autoridade judiciária competente providenciará para que, independentemente da aplicação de outras medidas previstas neste diploma, tal ato decorra nas melhores condições possíveis, com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas". Acrescentando no n.° 2 que a "a especial vulnerabilidade da testemunha pode resultar, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do facto de ter de depor ou prestar declarações contra pessoa da própria família ou de grupo social fechado em que esteja inserida numa condição de subordinação ou dependência".

Por outro lado, nos termos do diploma citado, "durante o inquérito, o depoimento ou as declarações da testemunha especialmente vulnerável deverão ter lugar o mais brevemente possível após a ocorrência do crime" — n. ° 1 do art. ° 28.°. E, "Sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser requerido o registo nos termos do artigo 271. ° do Código de Processo Penal".

Analisada a Lei n. ° 112/2009, de 16/09, resulta da mesma que no seu artigo 33. ° se veio prever uni regime formalmente autónomo para a prestação de declarações para memória futura das vítimas de violência doméstica - se bem que esse regime diste pouco do hoje constante do art. ° 271. ° do CPP.

Admitindo o art.° 33.° da Lei n.° 112/2009, de 16/09, que a vítima de violência doméstica possa prestar declarações para memória futura e não se estabelecendo a obrigatoriedade da prática desse acto, importa procurar um critério que permita determinar os casos em que ele deve ter lugar. Esse critério há-de resultar de uma ponderação entre o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável à consecução das finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça. Na verdade, a inquirição da vítima, do ponto de vista de quem investiga o crime, não passa obrigatoriamente pela tomada de declarações para memória futura, pois que se há casos em que isso se justifica, nomeadamente pela proximidade física entre vítima e denunciado, relação de parentesco, idades dos intervenientes, etc., outros casos haverá em que não existe essa necessidade premente.

Ora, da factualidade carreada aos autos, constante do denominado "auto de violência doméstica" resulta que os alegados factos perpetrados pelo denunciado o foram na via pública, após a denunciante ter combinado encontrar-se com o denunciado, sendo que ambos já não residem juntos há cerca de um ano, tendo inclusive ocorrido separação há cerca de três meses. Por outro lado, não estamos perante uma vítima com cuidados especiais ao nível da saúde nem da idade, que lhe confiram a qualidade de vítima especialmente vulnerável, nos termos e para os efeitos do disposto no art. ° 67. °-A, n. ° 1, al. b), do CPP, e do art. ° 28. ° da Lei n. ° 93/99, isto é, para que, em reforço da possibilidade de prestação de declarações para memória .

futura, que já resulta do disposto no art.° 33.°, n. ° 1, da lei n. ° 112/2009, de 16/09, acima citado, seja tomado à vítima depoimento ou declarações, o mais brevemente possível, e de forma a evitar-se a repetição da audição dela como testemunha, com alcance que a este conceito é dado pelo art. ° 2. °, al. a), da Lei n. ° 93/99.

Entendemos, assim, que a melhor interpretação do artigo 33.°, n.° 1, da Lei n.° 112/2009, de 16/09, é de que devem existir razões especiais para que se proceda à tomada de declarações para memória futura, razões que deverão ser analisadas no caso concreto de acordo com os elementos constantes dos autos (nomeadamente a idade, saúde e proximidade ,física e ascendente do denunciado sobre a vítima). Na realidade, a ser procedente a pretensão do Ministério Público, a tomada de declarações para memória futura em situações de alegada violência doméstica era automática, o que não entendemos que seja o caso.

Em face do exposto, e porque não vislumbramos, pelo menos por ora...

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