Acórdão nº 15/16.7T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | JORGE DOS SANTOS |
Data da Resolução | 20 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO R. B.
, casado, residente na rua …, n.º …, Vila Nova de Famalicão, intentou contra a Ré X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
, NIPC …, com sede na rua …, n.º … Lisboa, a presente ação declarativa sob a forma comum, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 1.269.187,59 (um milhão duzentos e sessenta e nove mil cento e oitenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida dos juros contabilizados ao dobro da taxa legal até efetivo e integral pagamento, sendo: 1.º- € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais; 2.º- € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de dano biológico por incapacidade permanente geral; 3.º- € 1.087.800,00 (um milhão e oitenta e sete mil e oitocentos euros), a título de dano patrimonial futuro; 4.º- € 139,20 (cento e trinta e nove euros e vinte cêntimos), a título de despesas em taxas moderadoras no hospital e no centro de saúde; 5.º- € 17.339,20 (dezassete mil trezentos e trinta e nove euros e vinte cêntimos), a título de tratamentos medicamentosos futuros; 6.º- € 9.250,00 (nove mil duzentos e cinquenta euros), a título de perdas salariais passadas, bem todas aquelas que se vierem a verificar no futuro; 7.º- € 488,39 (quatrocentos e oitenta e oito euros e trinta e nove cêntimos), a título de despesas de transportes para as consultas e tratamentos; 8.º- € 310,00 (trezentos e dez euros), em razão dos tratamentos de fisioterapia realizados; e 9.º- € 21.000,00 (vinte e um mil euros), pelos tratamentos de fisioterapia futuros.
Para tanto, alegou, em síntese, que: - No dia 04.08.2015, pelas 14h00, conduzia o veículo com a matrícula MQ e, por sua vez, o veículo com a matrícula XO era conduzido por A. F., segurado da Ré, viaturas que afluíram ao cruzamento da rua … com as ruas …, as quais são um prolongamento uma da outra, em linha reta, atravessadas pela primeira; - Na via onde o XO seguia, existia um sinal de Stop, no qual não parou, avançando sem se deter e chocando com a frente na lateral esquerda do MQ, no momento em que este se encontrava em pleno cruzamento das vias; - Em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio-encefálico, com perda de conhecimento e politraumatismos a nível cervical e dorsal; - Quando recuperou a consciência, temeu pela sua vida, sentiu dores, vómitos e náuseas; - Foi a pé para o Hospital situado ao lado do cruzamento em causa e fez exames; - Como as dores continuavam, voltou a 06.08, bem como em 17.08, devido a dores fortes, náuseas e vómitos, tendo sido sujeito a raio-X e tomou medicação, mas, apesar desta, permaneceu e permanece com constantes dores na cabeça e coluna cervical e dorsal, que não permitem a sua autonomia a conduzir, tomar banho, deitar-se e nunca mais tendo conseguido trabalhar (já tendo perdido a quantia de € 9.250,00 em salários); - Antes do acidente, tinha 38 anos de idade, era dinâmico, cheio de energia e capacidade de trabalho, tinha adquirido com a mulher uma empresa de transportes internacionais para se dedicar a essa atividade por conta própria; - Sofreu dores de grau 5, ficou com capacidade física diminuída, fica facilmente desconcentrado, sente-se desanimado, tornou-se instável, está constantemente de mau humor e isola-se, revive o acidente e dorme mal; - Padece de sequelas de foro ortopédico e neurológico correspondentes a IPG de 30 pontos; - Tinha começado a trabalhar como motorista internacional há 5 meses, auferia € 1.850,00 líquidos por mês, sendo que as lesões e sequelas o incapacitam de continuar a conduzir camiões pesados por longas e solitárias jornadas de trabalho; - Gastou € 310,00 em fisioterapia e € 488,39 em táxis nas deslocações a consultas e tratamentos; - As sequelas exigem tratamentos médicos e terapêuticos futuros.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, a fls. 50 a 54, afirmando não enjeitar a responsabilidade, tendo já pago a quantia € 5.700,00 a título de adiantamento por conta da indemnização devida, no âmbito do procedimento cautelar, que deve ser descontada. A acrescer: - Referiu que solicitou a presença do Autor numa consulta para avaliação do dano corporal, mas este não compareceu nem prestou qualquer colaboração; - Negou que o Autor tenha tido perda de consciência, pois que se deslocou a pé ao hospital horas depois da ocorrência, tendo tido alta no mesmo dia; - Impugnou que o Autor tenha sofrido qualquer fratura ou ferimento com gravidade, tendo ficado a padecer de défice funcional da integridade físico-psíquica de 2 pontos, sendo o quantum doloris de 2/7 e as sequelas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional; - Afirmou, por fim, que o vencimento do Autor era de € 600,00.
Proferiu-se, a 14.06.2018, o despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância (cfr. fls. 100).
Fixou-se o objeto do processo e estabeleceram-se os temas da prova, nos termos que constam de fls. 100 a 102.
Foi realizada a diligência de perícia, encontrando-se o relatório a fls. 245 a 249.
Foi requerida a realização de segunda perícia, o que foi deferido por despacho de fls. 254 a 254/verso, encontrando-se o respetivo relatório a fls. 331 a 335, esclarecido a fls. 345.
Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo que a respectiva acta documenta.
Foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
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Condena a Ré a pagar ao Autor: 1. A quantia indemnizatória de € 5.000,00 (cinco mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais; 2. A quantia indemnizatória € 370,13 (trezentos e setenta euros e treze cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros vencidos desde a citação, à taxa legal de 4 %, até ao trânsito em julgado da presente sentença.
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Absolvo a Ré do restante peticionado; c) Uma vez que a condenação a que se alude em a) é em montante inferior ao já (provisoriamente) satisfeito pela Ré no procedimento cautelar apenso, condeno o Autor a restituir a esta a quantia correspondente à diferença entre o valor mencionado em DD), dos factos provados, e o atribuído pela presente sentença.
Inconformado com a sentença, dela veio recorrer o Autor, formulando as seguintes conclusões: 1º O A/recorrente conduzia camiões TIR de Portugal para o estrangeiro até ao acidente dos autos e após este não mais conduziu este tipo de viaturas.
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Ganhava mensalmente em média entre 1.700,00 e 2.000,00€ até ao acidente e não mais auferiu esta quantia, subsídio da Segurança Social ou outro.
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Após o dito acidente ficou quatro anos de baixa dados pela sua médica de família.
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Pelo que deixou de auferir durante esses quatro anos – lucros cessantes – entre a renda paga pela Ré e os proventos que retirava da profissão de camionista TIR, deverá o A ser ressarcido, com recurso à equidade, em valor não inferior a 45.000,00€.
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A ré, no artigo 16º da sua douta contestação, confessou que atribuiu ao A 2 pontos de incapacidade, tendo-se posteriormente retratado unilateralmente.
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Pelos danos futuros que esses pontos importam e com o Sempre Douto Suprimento de Vossas Excelências, calcula-se em valor não inferior 66.000,00€ a indemnização por tais danos, que o A/recorrente reclama.
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Seja ainda fixado um montante, por todos os danos morais advindos do acidente dos autos, de valor não inferior a 25.000,00€.
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Encontram-se violados, entre outros, os artigos 6º, 9º, 334º, 335º, 352º, 355º, 358º e 483º, 496º nº. 1 e 3, 494º, entre outros do CC e ainda também, entre outros, os contidos nos artigos 607º nº. 4 do CPC.
Houve contra-alegações, pugnando-se, em síntese, pela manutenção da sentença recorrida e total improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – OBJECTO DO RECURSO A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, cumpre apreciar: - Se a título de lucros cessantes – entre a renda paga pela Ré e os proventos que retirava da profissão de camionista TIR, deverá o A ser ressarcido, com recurso à equidade, em valor não inferior a 45.000,00€; - Se deve ser considerada a existência de dois pontos de incapacidade ao Autor e, em consequência, pelos danos futuros deve ser fixada uma indemnização ao recorrente em valor não inferior 66.000,00€; - E se deve ser fixado a favor do recorrente um montante, por todos os danos morais advindos do acidente dos autos, de valor não inferior a 25.000,00€.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1 - Factualidade julgada provada: Oriunda da petição inicial:
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Por acordo de seguro titulado pela apólice nº 7163006000001, A. F. transferiu para a Ré, com início a 01.04.2011, a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo Volkswagen Golf matrícula XO (doravante XO).
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No dia 04.08.2015, o Autor conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula MQ (doravante MQ).
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Na data e hora referidos em B), A. F. conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula XO.
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As ruas …, sitas em Vila Nova de Famalicão, são o prolongamento uma da outra em linha reta.
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No local onde uma termina e a outra começa, são atravessadas pela rua ….
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As viaturas identificadas em B) e C) afluíram ao cruzamento perpendicular formado pelas ruas identificadas em E), primeiro o MQ e instantes depois o XO.
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O XO apresentava-se do lado esquerdo do sentido de marcha do MQ.
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Na via onde o XO seguia, existe um sinal STOP no lado direito da via.
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Não existia qualquer sinal a impor a cedência de passagem na via onde seguia o MQ.
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O XO não parou no sinal...
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