Acórdão nº 1125/18.1T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelL
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO.

Os executados “F. C. & Filhos, Lda.”, F. J. e A. C. vieram, por apenso à execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente Caixa …, S.A., deduzir embargos de executado.

Para o efeito, alegam, em síntese: 1º - A inexigibilidade da obrigação exequenda, uma vez que a obrigação corporizada no contrato exequendo foi objecto de novação, por efeitos do plano de revitalização aprovado da sociedade embargante, o qual é extensível aos fiadores, sendo extinta aquela primeira obrigação; 2º - A extinção do crédito exequendo, por compensação, uma vez que exequente atuou como se não tivesse sido aprovado o plano de revitalização referido, continuando a cobrar juros, comissões e imposto de selo, o que viola tal plano, para além de cobrar indevidamente prestações de outro contrato, tendo a sociedade embargante declarado compensar o seu crédito daí decorrente.

  1. - A inexigibilidade de juros, por o plano de revitalização não o prever.

  2. - A impugnação do valor peticionado.

*A exequente contestou, sustentando que: - ocorreu o incumprimento do plano de revitalização, o que implica que tenha ficado sem efeito qualquer perdão ou moratória constante do plano; - o plano não é extensível aos garantes; - inexiste novação da dívida; - a compensação não é admissível.

Em audiência prévia foi proferida decisão, concluindo nos seguintes termos: a) Julgam-se os presentes embargos de executado procedentes quanto aos embargos deduzidos pela sociedade embargante “F. C. & Filhos, Lda.”, absolvendo-se esta embargante do pedido executivo e determinando-se a extinção da execução quanto à mesma; b) Julgam-se os presentes embargos de executado totalmente improcedentes quanto aos embargos deduzidos pelos embargantes F. J. e A. C., determinando-se o prosseguimento da execução contra estes.

Mais de determinou que as custas ficam a cargo dos embargantes F. J. e A. C. e da exequente, na proporção de 66,6% para aqueles e 33,4% para esta.

E foi fixado aos embargos o valor da execução -€ 88.913,88.

*Inconformados, vieram os embargantes F. J. e A. C. interpor recurso apresentando alegações com as seguintes -CONCLUSÕES- Não aplicabilidade do art 217º nº 4 do CIRE ao PER e inexistência de abuso de direito na invocação da inaplicabilidade à luz do convencionado no plano de recuperação.

  1. Está em causa no presente recurso apurar se os efeitos do plano de recuperação adotado num processo especial de revitalização (PER), com efeitos novatórios relativamente à empresa em recuperação, se estendem aos fiadores apelantes.

  2. Ou seja, tendo ocorrido alterações no prazo, montante e juros vencidos e vincendos de uma determinada obrigação, da qual beneficia a empresa em recuperação, importa apurar se tais alterações se aplicam igualmente aos fiadores.

  3. A posição dos apelantes é que tendo um credor votado favoravelmente o plano de recuperação (como foi o caso da aqui apelada Caixa ...), que implicou designadamente perdão de juros vencidos e vincendos e alargamento do prazo de pagamento, não pode exigir do fiador-garante o crédito como se não tivesse ocorrido, com o seu voto, as alterações acabadas de referir.

  4. Entendimento diferente do propugnado implica que convivam dois títulos (plano de recuperação e mútuo novado) para o mesmo direito de crédito, cindindo assim uma relação creditícia em duas relações jurídicas bilaterais distintas (uma entre o credor e devedor fundada no plano de recuperação e outra entre o credor e o fiador fundada no mútuo novado pela aprovação do plano de recuperação), o que atenta contra os princípios gerais do direito das obrigações, na medida em que inverte e subverte as posições de devedor principal e garante, passando este a ocupar o lugar daquele, já que responde por mais do que aquele.

  5. Esta entendimento para além de atentar contra (i) princípios gerais do direito das obrigações, (ii) ofende o princípio constitucional da propriedade (art 62º da Constituição), por inexistir causa justificativa da lesão no direito de crédito do fiador que é chamado a pagar em substituição do devedor principal por não poder exigir, em via sub-rogatória, deste aquilo que satisfez ao credor e (iii) contraria as finalidades do PER (recuperação da empresa devedora) na medida em que constitui um convite à não recuperação das empresas (com evidentes reflexos na economia e no emprego), já que na grande maioria dos casos (para não dizer a totalidade) há coincidência entre a titularidade e gestão da empresa e as pessoas que afiançam ou avalizam as obrigações da devedora, constituindo um desincentivo à recuperação de uma empresa a possibilidade dos garantes (em regra, como se disse, os titulares do capital social da empresa em recuperação) responderem com o seu património pessoal por mais do que responde a devedora principal.

  6. O processo especial de revitalização (PER) destina-se a permitir a recuperação da empresa em situação económica difícil ou em situação eminente de insolvência, mas suscetível de recuperação, mediante estabelecimento de negociações com os seus credores.

  7. A finalidade do PER é distinta da do processo de insolvência - naquele visa-se a recuperação da empresa, pretende-se evitar a sua insolvência e neste pretende-se o fim da empresa por já se verificar uma situação de insolvência.

  8. A diferença dos processos e das finalidades prosseguidas manifesta-se, por exemplo, em que só pode intervir no PER quem for efetivamente credor da recuperanda, não podendo participar quem seja mero detentor de hipoteca prestada em garantia de dívida que não é da própria da devedora em recuperação (ou seja, prestada em garantia de dívida alheia) - ou seja, não se aplica ao regime do PER o disposto no art 47º do CIRE (aplicável exclusivamente à insolvência).

  9. O PER constitui lei especial relativamente à regulamentação da insolvência e portanto esta só lhe é aplicável quando a Lei assim o determine - o que não é o caso do art 217º nº 4 do CIRE.

  10. Não resulta do art 17º - A nº 3 e do art 17º - F nº 7 do CIRE uma remissão para o art 217º nº 4 do CIRE (o artigo manda aplicar o título IX do CIRE onde se inclui a norma do art 217º, mas o que é verdade é que nele não vem expressamente indicado o art 217º, ao passo que indica outras normas concretas que manda aplicar ao PER), pelo que é legítimo sustentar que o legislador entendeu não aplicar o regime do art 217º nº 4 do CIRE ao PER.

  11. De resto, este é o entendimento professado por CAROLINA CUNHA, em “Aval e Insolvência”, pag.173 a 179 e 217.

  12. Os credores que viabilizam a recuperação da empresa agem assim porque acreditam na sua recuperação; quem discorda e vota contra fica sujeito ao plano de recuperação, o qual passa a reger a relação do devedor com todos os credores, quer votem favoravelmente o plano quer não votem.

  13. Contraria a finalidade do PER - pensado para a recuperação da empresa ao passo que a insolvência é pensada para o fim/liquidação da empresa - facultar aos credores a possibilidade de exigirem dos garantes mais do que podem exigir da devedora principal.

  14. A realidade empresarial portuguesa, de micro, pequenas e médias empresas (que representam a fatia mais relevante da atividade económica nacional) assenta numa coincidência entre a titularidade do capital e gestão e as pessoas que prestam garantias.

  15. De igual modo, reflete a realidade económica nacional que as garantias são quase exclusivamente prestadas a bancos e sociedades financeiras (sociedades leasing, factoring, ALD), não sendo usual ou regra da realidade económica que as empresas prestem garantias a outras empresas (exceto bancos e sociedades financeiras).

  16. Assim sendo não faz sentido que o fiador de uma dívida de uma empresa da qual é sócio e a gere aceite responder pessoalmente por mais do que a empresa a quem garantiu uma dívida- entender de maneira diferente não explicaria a opção da constituição de uma sociedade comercial (com separação de patrimónios) em vez de atuar no mercado em que opera como comerciante em nome individual, (respondendo ilimitadamente com o seu património pessoal).

  17. Vistas as coisas assim não deve aplicar-se a regra do art 217º nº 4 do CIRE ao PER por constituir um desincentivo à recuperação de uma empresa, na medida em que havendo, genericamente, coincidência entre a pessoa do garante e o titular do capital social da mesma, o fiador privilegiará, em primeira linha, o seu património pessoal em detrimento da recuperação da sociedade devedora.

  18. Por outro lado, em linha com o que observa CAROLINA CUNHA em “Aval e...

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