Acórdão nº 632/18.0T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | ANA CRISTINA DUARTE |
Data da Resolução | 13 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. J. deduziu embargos de executado na execução em que é exequente “… Leasing & Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA”, excecionando a extinção das obrigações subjacentes às livranças que constituem título executivo, o preenchimento abusivo das referidas livranças por falta de comunicação prévia ao embargante/avalista da resolução dos contratos e dos valores vencidos, a prescrição das livranças e a inexistência de relação causal entre o executado e a exequente e a prescrição do direito de crédito da exequente derivado das rendas de locação financeira, bem como a inexigibilidade de juros de mora.
A embargada contestou, impugnando toda a matéria articulada pelo embargante e peticionando a sua condenação como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho saneador com definição do objeto do processo e enunciação dos temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a oposição à execução, absolvendo a executada/embargada dos pedidos contra si formulados pelo embargante.
O embargante interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: A. O recurso ora interposto pela Recorrente versa sobre a sentença proferida no incidente de Embargos de Executado, que corre por apenso à ação executiva, proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, a fls. …, a qual decidiu julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente oposição à execução, absolvendo-se a Exequente/Embargada dos pedidos contra si formulados pelo Embargante e condenar o Embargante/Executado no pagamento das custas.
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Não se conformando com a douta sentença, vem dela o Recorrente interpor o presente Recurso de Apelação com fundamento na errada valoração e apreciação da prova junta aos presentes autos, designadamente, a prova documental junta, bem como incorreta subsunção do direito aos factos.
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Em concreto, entende o Recorrente que, face às negociações encetadas entre a Sra. Administradora de insolvência, em representação da devedora originária (avalizada), e a Recorrida, na qual resultou a extinção da obrigação a favor daquela, não podia esta manter ao seu dispor os meios necessários para poder reagir contra os avalistas, dos quais o aqui Recorrente.
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Já no que respeita à prescrição da obrigação cambiária enquanto matéria de direito invocada, entende o aqui Recorrente que o tribunal a quo afastou indevidamente o regime legal que resulta da livrança e do aval enquanto garantia cambiária específica daquela, aplicando-lhe um regime legal (fiança) em total desacordo com aquele a que ficou sujeito o Recorrente pela relação jurídica que subscreveu com a Recorrida.
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Assim, o Recorrente pretende que a decisão a quo seja revista e modificada por outra delimitada às seguintes questões: - Saber a repercussão, na presente execução e quanto à posição do avalista, do perdão do crédito do Exequente, em sede de processo de insolvência da sociedade subscritora das livranças; - Apurar se a livrança prescrita, enquanto mero quirógrafo ou como mero documento particular pode, ainda assim, constituir título executivo contra os avalistas do subscritor, face à previsão do art. 703.º, n.º 1, al. c) do C.P.C.? - A Exequente/Embargada tem direito a receber os juros de mora peticionados? F. Quanto à primeira questão, o tribunal a quo considerou que “o acordo não afetava o direito da ora Embargada em exigir o pagamento dos valores em dívida aos demais devedores solidários” ao apoiar-se no disposto do art. 217.º, n.º 4 do C.I.R.E.
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Porém, e fazendo uma leitura cuidada desta norma legal, facilmente se conclui que este artigo foi concebido pelo legislador exclusivamente para salvaguardar a posição do credor no processo de insolvência, e verificando-se a existência do respetivo plano, quando daí decorra algum perdão ou redução do valor dos créditos.
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Plano esse que, na larga maioria das vezes, não é alvo de discussão junto dos respetivos credores.
I. Não foi tal norma, contrariamente à interpretação sufragada pelo tribunal a quo, pensada para outros casos que não para proteger os direitos dos credores decorrentes da previsão de um plano de insolvência, designadamente, os casos em que livremente, e à margem de qualquer plano de insolvência, o credor reestrutura, modifica ou extingue a obrigação junto da Insolvente – como se verifica nos presentes autos.
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Da conjugação do art. 512.º e 519.º do Código Civil, verificamos que a obrigação entre o avalista e avalizado é solidária, tornando o avalista responsável pela dívida do avalizado mas, a contrario, se o credor exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido.
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Tal significa - e é a interpretação que poderá resultar do teor desta base legal, atento o facto de que não existe tutela legal em fazer o credor prosseguir com a recuperação do seu crédito junto do avalista – que havendo perdão por parte do credor, o avalista responde tão só nessa exata medida.
L. Da responsabilidade solidária não resulta que o avalista possa tornar-se responsável em termos mais onerosos que o próprio avalizado, o que contraria até o disposto no art. 32.º da LULL, na medida em que “o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”.
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A modificação e extinção da obrigação - facto que advém já após a declaração de insolvência e reclamação dos créditos por parte da Recorrida (facto superveniente) - ao não ser exigível perante o devedor originário (Insolvente) torna-se, por maioria de razão, inexigível ao aqui Recorrente, por se tratar de uma obrigação conexa e relacionada com aquela pela qual é responsável o devedor principal.
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Entende o Recorrente que não pode, por se traduzir num comportamento contrário aos fins da própria garantia de créditos, ser a obrigação autónoma ao ponto de se tornar uma obrigação própria do Recorrente, em moldes completamente diferentes da do seu “verdadeiro” devedor.
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Aceitar isto é terminar com qualquer conexão entre avalista e avalizado – o que jamais se poderá conceber, atendendo ao conceito das garantias de crédito.
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Ao mover ação executiva contra o aqui Recorrente, a Recorrida incorreu numa manifesta situação de abuso de direito, contrariando uma legítima confiança do avalista e os princípios da boa fé, ao exigir responsabilidades que o avalista não teve a oportunidade de controlar, designadamente, intervindo no acordo efetuado entre aquelas partes – Recorrida e devedor originário.
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Não obstante, foi referido na douta decisão como fundamento de improcedência desta exceção, que “a Exequente considerava-se, com a celebração do mesmo, ressarcida de todos os créditos reclamados no processo de insolvência, mas “…sem prejuízo das eventuais ações executivas contra os fiadores”.
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Esta ressalva de nada vale na medida em que, além de ser contrária aos ditames legais previstos na LULL e regime da solidariedade, não vinculou qualquer fiador que, aparentemente, não foi sequer chamado a intervir nessa negociação, ou dela tomou conhecimento.
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Acresce que o tribunal a quo, ao motivar a sua decisão também com base na referência “sem prejuízo…contra os fiadores”, aplica erradamente o direito na parte em considerou o avalista como fiador, o que jamais se aceita.
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São figuras completamente distintas e, atentas as inúmeras evidências existentes no processo, em momento algum, o aval se assemelhou ou traduziu numa fiança, tendo sido o Recorrente demandado precisamente na qualidade de avalista (e não outra).
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Pelo que jamais o teor da comunicação/proposta junta aos autos, e respetiva ressalva, se poderia aplicar ao aqui Recorrente, na medida em que apenas faz referência aos fiadores, e nada mais.
V. Assim, entende o Recorrente que esteve mal o tribunal a quo ao decidir no sentido de que o acordo não afetaria o direito da Recorrida em exigir o pagamento das livranças aos demais devedores, dos quais o Recorrente, na qualidade de avalista.
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Constituindo tal decisão, com o devido respeito, numa violação do próprio regime do aval, previsto e regulado no art. 30.º e 32.º da LULL, bem como violação do disposto no art. 217.º, n.º 4 do C.I.R.E., por erro de interpretação, e arts. 334.º, 512.º e 519.º, n.º 1 (regime da solidariedade), todos do Código Civil.
Por outro lado, X. No que respeita à validade da livrança prescrita, enquanto mero quirógrafo ou documento particular de dívida contra os avalistas do subscritor, considerou o tribunal a quo erradamente que, prescritas as livranças enquanto título cambiário, poderiam as mesmas, ainda assim, valer como meros quirógrafos nos termos do art. 703.º, n.º 1, al. c) do C.P.C.
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Tendo a Exequente alegado e provado a relação subjacente exigida para o efeito, posição com a qual não concorda o Recorrente, por contrária aos fins próprios das garantias de crédito.
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Desde logo porque o aval traduz-se num negócio jurídico cartular, que subsiste enquanto subsistir um título cambiário, sendo o avalista um mero sujeito da relação jurídica cambiária do aval e não um sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança.
AA. É entendimento praticamente unânime na Doutrina e Jurisprudência que, não existindo título cambiário – como não existe, face à prescrição evidente nos autos – jamais poderá o título executivo valer contra o avalista do mesmo.
BB. Só assim não seria se, de alguma forma, o avalista tivesse subscrito uma fiança ao invés do aval ou a Recorrida alegasse e provasse que o objetivo foi sempre a subscrição da fiança.
CC. No entanto, no caso concreto...
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