Acórdão nº 2076/12.9TASTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | FRANCISCO MOTA RIBEIRO |
Data da Resolução | 19 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 2076/12.9TASTS.P1 – 4.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro * Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO1.1 Por despacho proferido a 11/09/2019, nos autos de instrução com o Proc.º nº 2076/12.9TASTS, que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos, Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi decidido não pronunciar a arguida B… pela autoria de um crime de abuso de poder, previsto e punível pelo art.º 382º do Código Penal (CP).
1.2.
Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso a assistente C…, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões: 1.a - Os elementos de facto que fundamentaram a alteração da primeira decisão instrutória, determinando o arquivamento dos autos, relativamente à arguida B…, ou seja, conforme resulta da decisão recorrida, os documentos de fls. 1336 a 1338, não existiam no processo no momento em que foi realizado o debate instrutório.
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- Sendo os elementos juntos aos autos posteriormente ao debate instrutório e à "primeira decisão instrutória" fundamentais para a alteração da decisão, teriam, obrigatoriamente, que poder ser objeto de discussão, oral e contraditória, no local e momento próprios, ou seja, o debate instrutório.
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- Não houve, portanto, debate instrutório, na medida em que os elementos de facto e de direito fundamentadores da decisão instrutória não foram submetidos a contraditório, mediante discussão oral, perante o juiz.
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a - Sendo a fase processual da instrução formada por um conjunto de atos de instrução que o juiz entenda levar a cabo e por um debate instrutório obrigatório, oral e contraditório, podendo, mesmo, a instrução ser enformada, apenas, pelo debate instrutório, a omissão do debate equivale à falta de instrução, constituindo, assim, uma nulidade insanável - artigo 119º, d), do Código de Processo Penal.
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– Deve, pois, ser declarada nula a decisão instrutória recorrida, sendo marcada data para realização de debate instrutório, seguindo-se os ulteriores termos legais.
Não se entendendo assim: 6.ª Os documentos de fls. 1336 a 1338 mais não são do que a reação de inconformismo dos membros do júri, face à circular emitida pela Direcção-Geral da Administração Escolar que proibia a utilização dos critérios impostos pela Diretora para o segundo concurso e ao telefonema do Inspetor D…, da Inspeção-Geral de Educação e Ciência, aconselhando que "o Júri deveria reler a circular, procurando justificar a sua conduta através da busca do apoio de alguma entidade que, eventualmente, a pudesse sufragar.
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- Objetivamente, o júri, tendo tido conhecimento de uma circular emitida pela Direção-Geral da Administração Escolar que proibia a utilização dos critérios impostos pela Diretora para o segundo concurso, bem como do telefonema do Inspetor D…, da Inspeção Geral de Educação e Ciência aconselhando que "o júri deveria reler a circular», deliberou dar cumprimento às orientações da arguida B…. Diretora da Escola, permitindo que o fim tido em vista por esta, com o propósito de beneficiar a sua filha fosse atingida em vez de procurar seguir as orientações da Direcção-Geral.
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- A fundamentação inovadora da segunda decisão instrutória, em relação à primeira, refere-se, única e exclusivamente, à conduta dos arguidos que já não haviam sido pronunciados na primeira decisão, não havendo nada de aos autos que se refira à conduta da arguida B….
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- A decisão recorrida, ao afirmar que não foi encontrada prova documental de que arguida tivesse conhecimento da ilegalidade do critério, não se pode ter fundamentado na prova junta aos autos após o debate instrutório, uma vez que, dos documentos que invoca como seu fundamento, nenhum faz referência à arguida ou às suas convicções íntimas.
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ª - Assim, tendo a primeira decisão instrutória concluído, nomeadamente, que "a inclusão do estágio em Psicologia da Justiça num dos subcritérios relativos à experiência profissional/funções exercidos, em paridade com os estágios em Psicologia Escolar e Psicologia Clínica", "coincide precisamente com uma das habilitações académicas apresentadas por E…" (a filha da arguida B…], que "esses critérios foram aprovados em reunião do Conselho Pedagógico, órgão presidido pela arguida B… cfr. a respetiva ata de fls. 780 a 782", que "da referida ata consta que “foram apresentados os subcritérios para a contratação de um psicólogo, tendo sido aprovados por este conselho». o que indicia que foi a arguida a responsável pela apresentação daqueles subcritérios", que "Acresce que no segundo concurso foram alterados os subcritérios relativos ao conhecimento do meio escolar, sem qualquer deliberação do Conselho Pedagógico e sem qualquer justificação plausível", e, ainda, que "No nosso entender, essa alteração terá tido por objetivo afastar a possibilidade de a assistente ser pontuada com 30 pontos como havia sucedido no primeiro concurso"; tais conclusões não podem ser afastadas pelos documentos de fls. 1336 a 1338, que, recorde-se, no entender exposto na decisão recorrida, "indiciam que os membros do júri do segundo concurso não reconheceram como lesivos dos princípios da legalidade e da igualdade as subcritérios relativos ao conhecimento do meio escolar e da comunidade".
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- Não são, pois, minimamente suficientes tais documentos para abalar a óbvia conclusão de que, conforme consta na primeira decisão instrutória, a arguida "cometeu um crime de abuso de poder na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 382º e 30º nº 2, do Código Penal".
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- A arguida B…, lembre-se, não fazia parte do júri.
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- A alegada a inexistência de motivo económico para a prática do abuso de poder, "designadamente, que a arguida suportasse despesas para auxiliar economicamente a sua filha", não resulta, também ela, obviamente, dos documentos juntos aos autos após o debate instrutório, como não pode deixar de ser considerado evidente, notório e do mínimo e elementar bom senso que o salário, o currículo, o tempo de carreira e de desconto para a segurança social, inerentes ao desempenho das funções cujo para o exercício das quais foi aberto o procedimento concurso! são compensações económicas para a filha da arguida, terceira beneficiária ilegítima do rendimento correspondente.
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- Deve, em consequência, ser revogada a decisão instrutória, sendo a arguida B… pronunciada pela prática do crime de abuso de poder, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 382º e 30º, nº 2, do Código Penal.
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- A sentença recorrida violou os artigos 382º e 30º, nº 2, do Código Penal, e 119º, d), e 298º do Código de Processo Penal.” 1.3.
O Ministério Público respondeu, concluindo nos seguintes termos: “Pese embora não tenha sido observado o contraditório e os novos elemento de prova não tenham afastado a indiciação feita, entende o MP que o RAI não continha os factos e o elemento subjetivo necessário para a pronúncia da arguida pela prática de um crime de abuso de poder, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 382º e 30º do Cód. Penal.
Entende-se, assim, que os novos factos comunicados à arguida, importam uma alteração substancial de factos, que inviabilizam a prolação de despacho de pronúncia.
Nestes termos, deve ser negado o provimento ao presente recurso” 1.4.
A arguida também respondeu ao recurso, concluindo: I. Analisando o recurso interposto com base numa incorreta interpretação das exigências normativas do art.º 303º, nº 1, do CPP, invocando a Recorrente a omissão do debate instrutório, que configura uma nulidade insanável (119, d)), a Recorrida entende que a atuação do JIC, bem como o douto despacho de não pronúncia não merece qualquer juízo de censura e que, por isso, deve ser integralmente mantido, conforme infra melhor se exporá.
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A Recorrente invoca não ter sido notificada do exercício do contraditório pela Arguida quanto à alteração não substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução por meio de alegações e junção dos respetivos documentos, tendo-lhe sido vedado o respetivo contraditório.
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A Recorrida refuta opõe-se em absoluto a tal teoria, porquanto clara a opção do legislador pela exigência da comunicação apenas e só ao Arguido da alteração não substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução por forma a garantir o exercício do direito de defesa.
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Tanto mais que, uma vez realizado o debate instrutório, o momento processualmente adequado para que a Recorrente se pronunciar quanto a novos indícios, de forma contraditória, perante o JIC, seria o momento imediatamente anterior ao da leitura da decisão instrutória, em que não compareceu.
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Pelo que vai expressamente rejeitado o argumentado nesta matéria, carecendo a atuação do JIC, sempre em atento cumprimento das exigências legais, de qualquer reparo ou juízo de reprovação.
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Cumpre, por último, concluir pela absoluta discordância face alegada "magra fundamentação", da "segunda decisão instrutória".
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Da análise da fundamentação do douto despacho de não pronúncia, é inequívoco concluir o dever de especificação considera-se suplantado.
E a este respeito prescindimos de mais considerandos, por se entender que o despacho de não pronúncia é suficientemente claro e objetivo.
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No mais, perfilha a Recorrida o sempre mui douto entendimento sufragado na decisão recorrida, pugnando assim peia sua confirmação.” 1.5.
O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal, emitiu douto parecer, concluindo pela procedência parcial do recurso.
1.6.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
1.7.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto e os poderes de cognição deste Tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões: 1.7.1.
Existência ou não da nulidade insanável, prevista no art.º 119º, al. d), do CPP; 1.7.2.
Verificação ou não de indícios suficientes da prática do crime de abuso de poder, que a assistente pretende ver imputado à arguida, e assim determinar-se ou não a sujeição desta a julgamento...
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