Acórdão nº 140/19.2T9TCS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.

Em 17 de Outubro de 2019, o Juízo de Competência Genérica de Trancoso apreciou o requerimento de constituição de assistente requerida por A., da seguinte forma: «Em 09.08.2019, foi elaborado o auto de notícia de fls. 4 a 6, no qual consta que A. manifestou o desejo de formalizar queixa, relativamente a factos que abstratamente poderão configurar um crime de injúria.

Em 03.09.2019, A. prestou declarações (cf. fls. 15 e 16), tendo manifestado desejar procedimento criminal contra a Denunciante pelos factos descritos no auto de notícia.

Na mesma data (i.e. em 03.09.2019), a Guarda Nacional Republicana notificou A. nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 246.º, n.º 4 e 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. fls. 17 e 18).

A Denunciante A. não requereu a sua constituição como assistente no prazo de dez dias contados da notificação para o efeito e acima referida.

O Ministério Público, por despacho proferido em 19.09.2019 (cf. fls. 21/referência 27167248), determinou que a Denunciante fosse notificada para, em dez dias, proceder à sua constituição como assistente, atendendo a que os factos descritos por esta consubstanciam a prática de crime de natureza particular.

A Denunciante A. foi notificada nos termos determinados pelo Ministério Público por carta datada de 19.09.2019 e remetida por via postal simples com prova de depósito (cf. fls. 22). Na prova de depósito junta aos autos a fls. 23 consta como data de depósito o dia 20.09.2019.

Em 09.10.019, a Denunciante A. veio requerer a sua constituição como assistente (cf. fls. 24 a 28).

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de nada ter a opor (cf. fls. 33/referência 27240804).

Cotejados estes elementos, cumpre apreciar e decidir.

Estatui o n.º 2, do artigo 68.º, do Código de Processo Penal, que “tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4, do artigo 246.º”. Por sua vez, o n.º 4, do artigo 246.º, prevê que “tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.

Ora, o crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, tem natureza particular, porquanto depende de acusação particular (cf. artigos 181.º e 188.º, do Código Penal e 50.º, do Código de Processo Penal). Destarte, quanto a este crime a Ofendida dispunha do prazo de 10 (dez) dias – prazo este perentório – a contar da advertência da obrigatoriedade de constituição de assistente para requerer a sua constituição como assistente.

Sucede que, em 03.09.2019, a Ofendida foi notificada por órgão de polícia criminal para requerer a sua constituição como assistente no prazo de dez dias, não o tendo efetuado nesse prazo. Refira-se, ainda, que a aludida notificação foi feita pessoalmente por OPC em expediente autónomo unicamente dirigido a esse ato e o qual foi assinado pela Denunciante, tendo esta recebido cópia do mesmo, pelo que se conclui que a notificação se mostra suficientemente clara e percetível para o “homem médio”.

Assim, decorrido o prazo de dez dias após ser notificada para requerer a sua constituição como assistente, sem que a Denunciada o tivesse requerido, precludiu o seu direito, de harmonia com as disposições acima mencionadas. Note-se que, nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2011 (consultável in www.dgsi.pt), “em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.

Saliente-se ainda que, não obstante o Ministério Público tivesse, posteriormente, determinado a notificação da Ofendida A. para requerer a sua constituição de assistente quanto ao crime de natureza particular, tal notificação não era apta a conferir um novo prazo/renovar o prazo para a prática do ato em causa, porquanto o direito de constituição da ofendida como assistente já se havia extinguido. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.12.2018, Processo n.º 542/17.9PBCLD- A.C1, relatora HELENA BOLIEIRO (consultável in www.dgsi.pt).

Nesta conformidade, o requerimento de acordo com o qual a Ofendida veio requerer a sua constituição como assistente foi apresentado mais de dez dias após esta ter sido advertida pelo OPC para o efeito – notificação que releva para estes efeitos nos termos acima explanados –, pelo que não foi apresentado em tempo, sendo, concomitantemente, extemporâneo.

Ante o exposto, não se admite que A. intervenha nos presentes autos, na qualidade de assistente, quanto ao crime de natureza particular em causa nos autos».

  1. Discordante com esta decisão, dela recorre o Ministério Público, concluindo: «1 1- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do despacho proferido no dia 18 de Outubro de 2019, a fls. 35 e 36, que não admitiu a queixosa, A., a intervir nos autos na qualidade de assistente, porquanto considerou que o seu requerimento foi extemporâneo.

    2- Quanto à factualidade subjacente aos presentes autos, importa atentar a que: a. No dia 03 de Setembro, o OPC deu cumprimento ao disposto no artigo 246º, nº 4, do Código de Processo Penal, entregando à queixosa a “notificação para constituição de assistente” que consta a fls. 17.

    1. Nesse mesmo dia, a queixosa foi ouvida pelo OPC na qualidade de assistente, tendo assinado, concomitantemente, um “auto de declarações de assistente” e assinado o seu nome, no lugar onde é indicado “assistente(s)/ partes (s) civil” – cfr. fls. 17 e 18.

    2. Sucede que, a queixosa não se constituiu assistente no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe foi entregue a notificação acima referida.

    3. No dia 18 de Setembro de 2019, o Ministério Público determinou a notificação à queixosa para, no prazo de dez dias, querendo, requerer a sua constituição como assistente.

    4. No dia 09 de Outubro de 2019, a queixosa veio requerer a sua constituição como assistente – cfr. fls. 24.

    3- Ora, salvo o devido respeito, se a Mma. Juiz a quo entende que a notificação feita pelo OPC à queixosa se mostra suficientemente clara e percetível para o “homem médio”, então, pela mesma ordem de razões, se o OPC, por mero lapso, em acto seguido, procede à inquirição da queixosa na qualidade de assistente, tal acto também se mostrará apto para, no mínimo, poder induzir em erro a queixosa acerca do seu estatuto processual, considerando, inclusive, que a mesma, à data, não tinha mandatário constituído.

    4- Em todo o caso, mesmo que a Mma. Juiz a quo entendesse que a notificação do Ministério Público não tinha qualquer fundamento legal, não deveria ter recusado a constituição como assistente da queixosa, uma vez que tendo sido a mesma notificada por autoridade judiciária para o referido acto, foi criada uma expectativa jurídica legitimamente fundada e digna de protecção.

    5- O princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, concretiza-se, designadamente, nos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas na ordem jurídica e na actuação do Estado.

    6- Nesta conformidade, conforme plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Outubro de 2018, processo n.º 631/16.7PBAMD.L1-5, (disponível em www.dgsi.pt): Uma repetição de notificação determinada pelo Ministério Público, ainda que se mostre desprovida de qualquer cabimento legal, não pode, em qualquer...

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