Acórdão nº 3157/16.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO AUTORAS: M. C..

RÉ: “Companhia de Seguros X, SA”.

PEDIDO: a presente acção especial emergente de acidente de trabalho prosseguiu para a fase contenciosa porque a ré não aceitou o evento como sendo acidente de trabalho. Pede assim a autora que seja declarado o acidente dos autos como acidente de trabalho; que a ré seja condenada a pagar-lhe: a pensão anual e vitalícia no valor de €456,86, com início a 20 de Agosto de 2017, €7.524,34 a título de IT´S, €12,00 a título de despesas com deslocações ao tribunal e ao GML, €10.707,81 a título de salários de 12 de maio de 2016 até 20 de Julho de 2017, juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal.

CAUSA DE PEDIR: alega, em síntese: que foi vítima de um acidente, em 11 de Maio de 2016, entre as 17h20m e as 18h, quando se deslocava do seu local de trabalho para a sua residência; que o mesmo ocorreu junto ao portão que dá acesso ao logradouro da residência, ainda na via pública; que auferia uma retribuição anual de Euros 8.861,64; que, em resultado do acidente, sofreu as lesões que terminaram uma IPP e períodos de ITs; que não recebeu os salários durante o período em que esteve de baixa médica.´ Foi deduzido pedido de reembolso pelo “Centro Distrital ... do Instituto de Segurança Social, IP,” contra a R. seguradora, no montante de Euros €2.881,62, quantia paga à autora a título de subsídio de doença.

CONTESTAÇÃO RÉ SEGURADORA - confirma a existência do contrato de seguro, mas não aceita a caracterização do acidente como laboral. O acidente ocorreu quando a autora estava já dentro do logradouro que dá acesso à sua residência e abria o travão interior de que era dotado o portão de acesso ao respectivo logradouro. O imóvel onde ocorreram os factos em análise é dotado de uma habitação e de um logradouro, sendo este delimitado em relação à via pública, por um muro. O logradouro da habitação pertencente exclusivamente à proprietária e sendo de utilização e acesso privados, não integra a extensão a que alude o artigo 9º da LAT.

Procedeu-se a julgamento, respondeu-se à matéria de facto em separado e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo: “Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decide: - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros X, SA”, a pagar à autora M. C. o capital de remição calculado com base na pensão anual e vitalícia de Euros 369,40, com início em 1 de Novembro de 2017; - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros X, SA”, a pagar à autora M. C., a título de diferença pelos período de incapacidades temporárias, o valor de Euros 3.754,41; - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros X, SA”, a pagar à autora M. C., a título de despesas com deslocações ao GML e ao tribunal, o valor de Euro 12,00; - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros X, SA”, a pagar à autora M. C. os juros de mora contados à taxa civil legal em vigor sobre: o capital de remição desde a data da alta até à entrega efectiva deste; a indemnização das ITs desde a data do vencimento da obrigação do seu pagamento; o montante das despesas reclamadas desde o dia subsequente à sua reclamação no processo (despesas de transporte e despesas médicas e medicamentosas), conforme artigos 126º, n.º 1 e 2, do RRATDP e 805º, n.º 2, alínea a) e 559º, n.º 2, do Código Civil, e até integral pagamento; - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros X, SA” a pagar ao Centro Distrital de Segurança Social de … a quantia de Euros 2.881,62, acrescida de juros de mora, à taxa legal; - condenar autora e ré seguradora, na proporção do decaimento, nas custas do processo; - fixar o valor da causa: Euros 11 264,05; - determinar que se proceda ao cálculo.

RECURSO – FOI INTERPOSTO PELA RÉ SEGURADORA RELATIVO À MATÉRIA DE DIREITO COMO OS SEGUINTES EXCERTOS MAIS ELUCIDATIVOS DAS CONCLUSÕES: O acidente em mérito não pode ser caracterizado como um acidente de trabalho, devendo a Ré ser absolvida de todos os pedidos contra si deduzidos.

A única interpretação consentida pelo texto da norma do artigo 9º n.º 1 alínea a) e nº 2 alínea b) da LAT é a de que é “trajecto” o espaço que medeia entre a residência e o local de trabalho, ou seja, entre esses dois pontos (sem os incluir) e não o próprio ponto de partida ou de chegada.

O conceito de residência que não se confunde com casa de habitação, deve ser entendida como todo o espaço destinado a propiciar ao ser humano a satisfação das necessidades de descanso e conforto, incluindo não só a própria moradia, como também todas as estruturas ou espaços adjacentes, como são os quintais, garagens ou anexos. Deve ser entendido como residência todo o espaço privativo que a compõe (incluindo logradouros ou quintais), o qual termina no exacto local onde se inicia o espaço público.

E será a partir desse ponto em que o trabalhador sai dessa “redoma” de protecção, isto é, só depois de se ausentar do espaço privativo da sua residência e aceder à via pública, poderá estar protegido, caso se desloque para o seu posto de trabalho, em caso de acidente.

A responsabilidade do empregador relativamente aos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores não assenta tanto no chamado «risco profissional», mas sim no «risco económico ou de autoridade», isto é, na inclusão do trabalhador na estrutura da empresa, sujeitando-o à autoridade do empregador.

A responsabilidade objectiva decorrente dos acidentes de trabalho é, já de si, um regime excepcional (cfr. artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil), e os acidentes in itinere, também por via da excepção, alargam o campo de aplicação dessa responsabilidade Para se considerar a existência de um acidente in itinere, é indispensável que o trabalhador esteja, ou possa estar, sob o risco da autoridade do empregador: se o trabalhador pode dispor livremente da sua autonomia (por exemplo, se se encontra na sua residência), não existe qualquer “risco de autoridade” e, portanto, não se pode considerar a existência de um acidente de trabalho.

Os eventuais espaços integrados na residência do sinistrado, como sejam jardins, logradouros, caminhos, etc., são privados, o que significa que se trata de espaço na disponibilidade do trabalhador ou do proprietário do imóvel, que ele pode percorrer (e até gerir) como melhor entender.

Isto significa, por exemplo, que o trabalhador poderia, legitimamente, suscitar maiores ou menores riscos no interior da sua propriedade, aceitando sujeitar-se aos mesmos, sem que a sua entidade patronal os pudesse evitar, fosse de que forma fosse.

Já no que toca ao trajecto trilhado na via pública, a entidade patronal pode tomar medidas tendentes a diminuir (ou controlar) os riscos a que se sujeita o trabalhador, dotando-o, por exemplo, de um veículo de uso profissional que lhe garanta maior segurança, ou assegurando ela própria o transporte dos trabalhadores em condições que repute seguras.

Enquanto estiver dentro dos limites de uma propriedade privada que constitua a sua residência, só o trabalhador domina o risco e, como tal, não está sujeito ao risco de autoridade da sua entidade patronal, a qual não tem o domínio desse risco, nem pode evitá-lo, por se tratar de espaço de reserva do trabalhador.

Na sua vida quotidiana qualquer trabalhador está exposto aos riscos da sua própria habitação, os quais não são suscitados pela relação...

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