Acórdão nº 6373/16.6T9VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULA NATÉRCIA ROCHA
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 6373/16.6T9VNG.P1 Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia J2 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: No âmbito do Processo Comum Singular n.º 6373/16.6T9VNG a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – J2 foram julgados e condenados os arguidos B… e C…, sendo o primeiro como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03.01, na pena de prisão de sete meses e como coautor material de um crime de furto, previsto e punido pelo art.º 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de prisão de oito meses e em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77.º, do Cód. Penal, na pena única de prisão de um ano; e o segundo arguido como coautor material de um crime de furto, previsto e punido pelo art.º 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de prisão de nove meses.

Desta sentença veio o arguido C… interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 309/322 dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das conclusões seguintes: 1. No âmbito dos presentes autos, foi o ora arguido condenado por sentença de 03.04.2019 e notificada a 07.05.2019, pela prática em coautoria de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º n.º 1 do Código Penal, na pena de prisão de nove meses.

  1. Veio o Tribunal a quo alicerçar a sua decisão na valoração da prova produzida em sede de discussão e julgamento, e tendo, nesse sentido, julgado incorretamente os pontos 2.1.5, 2.1.6., 2.1.7 e 2.1.8. dos factos dados como provados.

  2. O Tribunal a quo formou a sua convicção exclusivamente com base nas declarações do coarguido prestadas na ausência do aqui Recorrente, violando a plenitude do princípio do contraditório (32.º n.º 5 CRP).

  3. Isto porque, pese embora estivessem os seus direitos devidamente assegurados pelo seu defensor, facto é que há elementos cujo conhecimento parte única e exclusivamente do arguido, desconhecendo – sem possibilidade para conhecer – o seu defensor os mesmos, posição esta defendida pelo Ac. da Relação de Lisboa de 02.02.1994; proc. 0318643.

  4. Mas mais, “as declarações do coarguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”, cf. Ac. da Relação de Coimbra de 21.06.2017; proc. 320/14.7GASPS.C1, não existindo qualquer outro elemento probatório que tenha vindo corroborar aquele.

  5. Existindo tão somente fotogramas nos autos quer permitem visualizar a atuação do coarguido B… e verificar a existência de um outro indivíduo não identificado na sua companhia.

  6. Pelo que o Tribunal a quo se fundou exclusivamente naquelas declarações verifica-se uma situação de nulidade do julgamento, cf. Ac. da Relação de Guimarães de 09.02.2009; proc. 1834/08-2.

  7. Sendo que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento apenas pôde resultar a dúvida sobre aquele prova, tendo o Tribunal a quo se olvidado a pronunciar quanto ao in dubio pro reo, violando assim as garantias do aqui Recorrente, mormente a constante do artigo 32.º n.º 2 da CRP.

  8. Ainda assim não se entendendo, deveria o Tribunal a quo ter analisados os elementos da comparticipação sob a forma da coautoria no que respeita ao crime de furto p. e p. pelo artigo 203.º n.º 1 do CP, ressaltando-se os elementos objetivo, subjetivo e do domínio do facto.

  9. Ora, pese embora queira o coarguido B… fazer crer o Tribunal a quo que o Recorrente já conhecia previamente o plano e se resignara com ele, nenhum outro elemento nos pode levar a aferir da veracidade daquelas afirmações.

  10. Estando o Recorrente alegadamente no lugar de pendura, e admitindo que tal factualidade tenha levado poucos segundos (sob pena do coarguido ser apanhado instantaneamente), o Recorrente é apanhado desprevenido naquela situação, nada podendo fazer para evitá-la, encontrando-se afastada a coautoria ou cumplicidade na prática dos factos.

  11. Finalmente, prevê aquele tipo de crime a moldura penal abstrata de pena de prisão ou pena de multa, tendo o Tribunal a quo aplicado uma pena de prisão de nove meses ao Recorrente.

  12. Ora o CP estabelece um critério de preferências pelas penas não detentivas, por não implicarem a privação da liberdade do arguido, sendo que atendendo aos elementos do caso concreto, ao tipo de crime, e às exigências de prevenção, sempre se satisfariam aquelas com a pena de multa, pelo que violou assim a sentença recorrida o preceito do artigo 70.º do CP.

  13. Pois, “o nosso ordenamento jurídico pretende afastar, até ao limite possível, a aplicação de uma pena de prisão, sobretudo nos crimes de diminuta densidade jurídico-criminal”, cf. Ac. da Relação de Guimarães de 09.04.2018; proc. 1350/17.PBBRG.G1.

  14. Por todo o exposto, a condenação do Recorrente é manifestamente injusta Termina pedindo a realização da audiência, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 411º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal, e seja dado provimento ao recurso apresentado, e em consequência, seja revogada a sentença recorrida e proferido acórdão que absolva o recorrente.

    A este recurso respondeu o Ministério Público, a fls. 332/333 dos autos, concluindo da seguinte forma: 1. A menção do arguido a um pretenso erro de julgamento não consubstancia um verdadeiro recurso em matéria de facto, porquanto os requisitos respetivos, elencados no art.º 412.º n.º 3 do CPP, não se mostram minimamente observados, antes traduzindo a discordância do arguido relativamente à forma como o tribunal valorou a prova, concretamente no que concerne à credibilidade que conferiu às declarações do coarguido B…, aventando, implicitamente, que o tribunal terá excedido o princípio da livre apreciação da prova.

  15. Assente tal facto e ao contrário do que refere o arguido, não há qualquer impedimento do coarguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os coarguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um coarguido contra os seus coarguidos (veja-se a título de exemplo da ampla Jurisprudência existente neste sentido, os Acórdãos do STJ de 28.2.2007, 15.4.2015 e 12.3.2008, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, da Relação de Coimbra de 21.6.2017, disponível in www.dgsi.pt/jtrc, da Relação do Porto de 22.3.2017 e da Relação de Guimarães de 8.1.2018).

  16. Por outro lado, nada abala a credibilidade das declarações do coarguido B…, porquanto o mesmo delas não retira qualquer vantagem pessoal – confessou os factos -, pelo que a circunstância de mencionar que o arguido/recorrente comparticipou nos factos não visa a própria defesa.

  17. A isto acresce que as declarações do coarguido B… são suportadas por prova adicional, concretamente no facto de – como bem se salienta na douta sentença e foi sopesado pelo Tribunal – é visível outra pessoa dentro do carro, nos registos fotográficos de fls. 6, bem como da certidão constante de fls. 36 a 55, extraída do processo n.º 591/16.4PPPRT, resultar que o veículo de matrícula ..-..-FP foi furtado entre as 19h00 do dia 28.7.2016 e as 6h00 do dia 29.7.2016, o furto objeto destes autos ocorreu no dia 30.7.2016, cerca das 18h00 e o veículo foi recuperado no dia 1.8.2016 encontrando-se no seu interior, mais concretamente no espelho retrovisor interior vestígios digitais e palmar pertencentes ao arguido/recorrente (cf. fls. 39 a 42).

  18. Pelo que dúvidas não restam, a nosso ver, quanto a ter o mesmo comparticipado nos factos objeto destes autos e que determinaram a sua condenação.

  19. Assim sendo, a convicção do tribunal, ao conferir credibilidade às declarações do coarguido e nelas fundamentar, ainda que não exclusivamente, a condenação do arguido/recorrente, mostra-se perfeitamente justificada, conforme ao princípio da livre apreciação da prova e consentânea com as regras da experiência comum.

  20. De salientar, ainda, que não ocorreu qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que este (perante a opção do arguido/recorrente, de não comparecer à audiência), foi assegurado pela presença do seu defensor, a quem foi dada, em sede de audiência, a possibilidade de formular ao coarguido B… as perguntas que entendesse conveniente e de nela intervir processualmente (veja-se, a propósito, o Acórdão da relação de Guimarães de 9.2.2009, disponível in www.dgsi.pt/jtrg).

  21. Em face do que supra se refere, parece-nos evidente que a sentença não é nula, prescindindo-se de considerandos adicionais, a tal respeito.

  22. Quanto à alegada violação do princípio in dubio pro reo: Não assiste, uma vez mais, razão, ao arguido. Com efeito, tal como sucede com os demais vícios da sentença, a violação do princípio in dubio pro reo, tem de resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida.

  23. Enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado, traduz-se o mesmo na imposição de que um non liquet, na questão da prova, tem que ser sempre valorado a favor do arguido. “No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que, naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida” (Acórdão da Relação do Porto, de 28/10/2015, in http://www.dgsi.pt/jtrp). No entanto, como igualmente se refere no supra mencionado Aresto, a verificação deste vício, “pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dúbio pro reo”.

  24. Ora, no caso dos autos e percorrido o texto da douta sentença, é notório que o tribunal a quo não teve qualquer dúvida no que concerne à prática, pelo arguido/recorrente, dos factos pelos...

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