Acórdão nº 143/19.7GAPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão da 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório 1.1. A.

interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Instrução Criminal de Leiria – Juiz 3, que indeferiu o pedido de nulidade do despacho de pronúncia.

1.2. No recurso em apreciação o arguido apresentou as seguintes conclusões: 1. O arguido, viu ser-lhe imputado no douto despacho de pronúncia, crime diverso do que constava da Acusação.

  1. Na Acusação, o arguido vinha acusado pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 151º nº2 alínea b) do Código Penal e um crime de atentado à segurança rodoviária, p. e p. pelo artigo 290º nº1 alínea d) do Código Penal.

  2. O despacho de Pronúncia imputa ao arguido a prática de dois crimes de homicídio, na forma tentada p.e p. pelos artigos 131º; 22º nº1 e 2 al. b); 23º nº 1 e 2; 73º nº1 alínea a) e b); todos do Código Penal.

  3. Tal, constitui alteração substancial dos factos, como resulta do Artigo 309.º do C.P.P. que dispõe: “(...) Nulidade da decisão instrutória: 1 - A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução. (...)” 5. Tendo o arguido invocado em tempo, a nulidade do despacho de pronuncia, a mesma foi indeferida por entender o douto tribunal “a quo” que, se trata duma alteração não substancial e que foi possibilitado ao arguido o contraditório e assegurado o direito de defesa.

  4. Com o devido respeito não foi.

  5. Desde logo porque não se trata duma alteração não substancial dos factos.

  6. Ao arguido é, agora (no Despacho de Pronuncia), imputada a vontade de matar.

  7. Na Acusação nada é referido a tal respeito.

  8. Para qualificar a conduta do arguido como subsumindo-se no crime de homicídio, o douto tribunal “a Quo” teve, necessariamente, de considerar que o arguido quis, de facto, matar os ofendidos.

  9. A alteração substancial, respeita essencialmente aos factos históricos unitários que constituem objeto do processo e, por isso, encontram-se descritos na acusação ou na pronúncia, sendo aqui que se delimitam os poderes de cognição do tribunal e a vinculação temática do seu conhecimento.

  10. A diversidade de crime deve ser entendida numa perspetiva teleológica, ou seja, quando a atuação do agente ou o bem jurídico tutelado pelo crime ultimamente imputado corresponderem, respetivamente, a uma imputação mais gravosa ou a um bem jurídico substancialmente distinto daquele que foi inicialmente acusado ou pronunciado.

  11. Ao arguido não foi comunicada qualquer alteração substancial, mas tão-só uma alteração não substancial, pelo que não lhe foi garantido o direito de defesa quanto a uma alteração substancial de factos, como na verdade aconteceu.

  12. Mesmo que o tribunal “a Quo” entenda, que a alteração da qualificação jurídica, consistente em imputação de crime diverso do da Acusação, não constitui alteração substancial dos factos, a interpretação assim feita da norma decorrente dos artigos 339.º, n.º 4, e 358.º, n.º 3, do C.P.P. é inconstitucional, conforme já declarou o Tribunal Constitucional no supra citado acórdão, n.º 356/2005/T.

  13. Sendo igualmente claro que, nos termos do Artigo 309.º do C.P.P. a decisão instrutória ora recorrida, é nula, na parte em que pronuncia o arguido por factos que constituem alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público.

    1.3. Notificado o Ministério Público junto do tribunal recorrido, veio o mesmo responder ao recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1. - O presente recurso recai sobre a decisão instrutória que pronunciou o arguido pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de dois crimes de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131°, 22°, n°.1 e 2 al. b); 23°, n°. 1 e 2 e 73°. n°. 1, al. a) e b), todos do Código Penal.

    2. - Defende o arguido recorrente que a decisão instrutória ora recorrida, deve ser considerada e declarada nula, nos termos do disposto no artigo 309.° do CPP, dado que pronunciou aquele por factos que constituem alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público. Adianta que o douto despacho, além de configurar uma ilegalidade, por violação clara do artigo 309º do C.P.P, configura igualmente, uma flagrante inconstitucionalidade, por violação manifesta do art.º 32º, n° 5 do C.R.P. Finaliza, requerendo que seja considerado nulo o despacho de pronúncia, por ilegal e inconstitucional, e não seja, por isso, pronunciado o arguido pelos crimes de homicídio, na forma tentada.

    3. - A alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido.

    4. - Ora, no caso "sub judice", não há qualquer alteração de factos. Com efeito, analisando a acusação e a decisão instrutória, verifica-se que os factos naquela constantes não divergem dos vertidos na decisão instrutória, verificando-se sim uma homogeneidade da factualidade. O núcleo substancial do facto, objeto do processo, manteve-se inalterado. Não há, portanto, modificação dos factos.

    5. - Posto isto, e sem necessidade de mais considerandos, concluímos que se nos afigura não caber razão ao arguido ao alegar que o despacho de pronúncia em referência configura uma ilegalidade, por violação clara do artigo 309º do C.P.P, e configura igualmente, uma flagrante inconstitucionalidade, por violação manifesta do art.º 32º, n° 5 do C.R.P. Respeitou-se igualmente a comunicação da eventual alteração ao Ilustre Defensor do arguido, por parte do Mmº Juiz de Instrução Criminal, e respetiva concessão de prazo para se pronunciar sobre esta questão.

    6. - Pelo exposto, entendemos ser improcedente a arguição pelo arguido de qualquer ilegalidade, nulidade ou inconstitucionalidade da decisão instrutória, sendo que não foi violado qualquer preceito legal ou princípio legal, nomeadamente os mencionados pelo recorrente. 1.4. No parecer a que alude o art. 416º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Exm.º Procurador Geral Adjunto apreciando o recurso, pronunciou-se nos seguintes termos: 1. Ao contrário da posição do Mº Pº da 1ª instância expendida na resposta ao recuso, afigura-se-nos assistir razão ao recorrente.

    2. O artº 1 nº1 al. f) do CP, considera alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou agravamento dos limites máximos das sanções, o que é o caso dos autos 3. Com efeito, apesar do despacho de pronúncia constarem grande parte dos factos descritos na acusação, o certo é que dela foram excluídos alguns factos e que determinaram a imputação ao arguido de dois crimes e homicídio, na forma tentada.

    4. E a alteração é substancial porque, como bem diz o recorrente, o juízo de valoração social é distinto. Como são diferentes os bens jurídicos protegidos pelos crimes imputados na acusação e os crimes de que vem pronunciado.

    5. Mas, ainda que se diga que tal alteração se integra no acontecimento histórico unitário descrito na acusação, é inquestionável que a alteração efetuada provocou uma alteração na estrutura da acusação e constitui uma inadmissível violação das garantias de defesa do arguido, o arguido em parte alguma concordou com a alteração substancial dos factos. Os novos factos só podiam constar da pronúncia se o Mº Pº, a assistente e o arguido tivessem manifestado acordo sobre a sua alteração. Só uma solução de consenso permite a sua alteração.

    6. Equivale por dizer se não houver acordo, a alteração não pode ser levada em conta.

    7. Aliás, Tribunal recorrido sobre a alteração substancial dos factos, nem sequer cumpriu como disposto no artº 359 ºnº 1 do CPP, razão porque não poderá existir qualquer manifestação de acordo no sentido da alteração referida 8. Em conformidade como o exposto, somos de parecer no sentido da procedência do recurso do arguido *** II - Fundamentação de Facto i) Em 15.07.2019, foi deduzida acusação pelo Ministério Público imputando ao arguido A.

    a prática, sob a forma consumada e em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo l52°, n°2, alínea b), do Código Penal, e um crime de atentado à segurança rodoviária, p. e p pelo artigo 290°, n° l, alínea d) do Código Penal.

    ii) Tendo sido requerida a Abertura de Instrução pelo arguido, em 10.09.2019, realizou-se debate instrutório, em 4-9-2019, tendo, pela Mm.ª Juíza de Instrução Criminal foi proferido o seguinte despacho: “Analisada a factualidade descrita na acusação extrai-se que a mesma poderá integrar a prática de crime...

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