Acórdão nº 40/15.5T9CLB-C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de processo comum supra referenciados, que correram termos pelo Juízo de Competência Genérica de Celorico da Beira, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: (...) Pelo exposto, decide-se se julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência:

  1. Condenar o arguido A., pela prática, como autor material e sob a forma consumada, de um crime de peculato, p. e p. pelos arts. 26.º, 1.ª parte, 375.º, n.º 1 e 386.º, n.º 1, al. d) do CP, na pena de na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, subordinada ao dever do arguido entregar à Instituição Particular de Solidariedade Social (…), 15.000,00€ (quinze mil euros), no prazo de vinte e quatro meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão, fazendo prova disso nos presentes autos.

  2. Condenar o arguido A. no pagamento das custas do processo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 513.º, n.ºs 1 a 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III do mesmo Regulamento, fixando-se a taxa de justiça em duas (2) UC.

* Não se declara perdido a favor do Estado, pelos fundamentos supra expostos, o valor de 15.000.00€.

(…) Inconformado, recorre o arguido retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Insurge-se o Recorrente contra a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, que o condenou pela prática, como autor material e sob a forma consumada, de um crime de peculato, p. e p. pelos arts. 26.º, 1.ª parte, 375.º, n.º 1 e 386.º, n.º 1, al. d) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, subordinada ao dever do arguido entregar à Instituição Particular de Solidariedade Social (…), 15.000,00€ (quinze mil euros), no prazo de vinte e quatro meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão, fazendo prova disso nos presentes autos, interpondo recurso, de facto e de direito, com reapreciação da prova gravada, para o Tribunal da Relação.

  1. Encontra-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto dado como provada nos pontos 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14, pelo que não poderiam ter sido dados como provados.

  2. Escorrida a motivação da decisão da matéria de facto e o exame crítico da prova produzida, o Recorrente só pode concluir que não foi bem interpretado e entendido no que respeita ao que declarou em sede de audiência de julgamento.

  3. Para dar como provados os factos de 4. a 13., o tribunal “a quo” considerou as próprias declarações do Arguido, uma vez que este assumiu que a quantia de €15.000,00 “adveio da conta da Associação e que, como foi operado a um cancro, em 2011, nas suas próprias palavras, “precisava do dinheiro” e “em 2013, deu jeito os 15.000,00€””.

  4. O Arguido, em momento algum, proferiu tais palavras, conforme declarações de Arguido, gravadas através do sistema integrado de gravação digital (20190129102649_890079_2870908), disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, desde o minuto 00:00 ao minuto 28:00, conforma acta da audiência de julgamento do dia 29 de janeiro de 2019, declarações que supra se transcrevem parcialmente.

  5. Efectivamente, o Arguido assumiu que recebeu os € 15.000,00, e para justificar recordar-se da data em que o pagamento dessa quantia tinha ocorrido, falou na doença oncológica que tinha tido e que, nessa altura passou algumas dificuldades, nomeadamente, financeiras: “foi uma altura em que me fazia falta um bocadinho de recursos.” e não – como se entendeu, mal – como sendo uma desculpa para ter recebido o dinheiro da Associação naquela altura.

  6. Mas ainda que assim fosse, tal justificação não teria sido a única apresentada pelo Arguido, tendo referido várias vezes que o pagamento ocorreu em 2013, conforme declarações que supra se transcrevem parcialmente, e porque antes não havia disponibilidade financeira por parte da Associação para efectuar o pagamento, o que foi confirmado por várias testemunhas, conforme depoimento da testemunha (…), gravado através do sistema integrado de gravação digital (20190221100910_890079_2870908), disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, desde o minuto 00:00 ao minuto 55:43, conforma acta da audiência de julgamento do dia 21 de fevereiro de 2019, depoimento que supra se transcreveu parcialmente e conforme depoimento da testemunha (…), gravado através do sistema integrado de gravação digital (201902211120339_890079_2870908), disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, desde o minuto 00:00 ao minuto 41:37, conforma acta da audiência de julgamento do dia 21 de fevereiro de 2019, depoimento que supra se transcreveu parcialmente.

  7. Não entende o Recorrente como é que o tribunal “a quo” concluiu que a justificação para o motivo do pagamento foi a sua necessidade dos €15.000,00, porque “precisava do dinheiro” ou “em 2013, deu jeito os 15.000,00 €”, quando aquilo que foi transmitido pelo Arguido foi que se fez pagar dos € 15.000,00, em 2013, porque a situação da Associação era boa, não o tendo feito antes porque isso colocaria em causa a situação financeira da mesma.

  8. Aliás, o Arguido tentou, por várias vezes, e só o tendo conseguido após alguma persistência da sua parte, explicar o seu empréstimo de € 15.000,00 à Associação, em 2000, conforme declarações que supra se transcreveram.

  9. Ainda assim, o tribunal “a quo” não percebeu o motivo do empréstimo à Associação, não ouvindo o Arguido, ou querendo ouvir outra coisa que não o declarado pelo Arguido, fazendo, desde o início da audiência de julgamento até ao seu fim, tábua rasa do preceituado no número 2 do artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa, "[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)", aliás, conforme se pode confirmar pela audição das declarações de arguido, em que o tribunal “a quo” não se inibiu de ir manifestando opiniões e tecendo comentários donde se podia, claramente, inferir um juízo sobre a culpabilidade, ao arrepio do estipulado no número 2 do artigo 343º do Código de Processo Penal.

  10. O Arguido nunca disse que “emprestou” dinheiro aos empreiteiros, às testemunhas (…) e (…) e muito menos, em momento algum, referiu que “emprestou 1.400 contos a um e 1.400 contos a outro”, conforme concluiu o tribunal “a quo”.

  11. O Arguido disse que: Arguido: Eu paguei 1700 contos quase, a um e 1400 a outro.

    Senhora Juiz: Não ouvi.

    Arguido: Eu paguei 1700 contos, +/-, a um, e 1400 a outro., pelo que, não se percebe como é que o tribunal “a quo” conclui que o crédito era de 2.800 contos e não de cerca de 3000 contos.

  12. O Arguido esclareceu, e muito bem, a quem pagou, a que título, substituindo-se à Associação nesses pagamentos, emprestando dinheiro à Associação e não a conhecidos, conforme referido na sentença recorrida.

  13. As testemunhas (…) e (…) confirmaram a este tribunal que o pagamento foi feito pelo Arguido, pelas obras realizadas por cada um deles, no edifício da Associação, nos acabamentos do pavilhão, não conseguindo precisar, é certo, a forma e o local do pagamento, o que, aliás, não se estranha, tendo em conta que tal já ocorreu há cerca de 20 anos.

  14. Assim, não se entende como pode o tribunal “a quo” dizer que as referidas testemunhas não conseguiram “explicar nem sequer o local em que teriam sido realizadas as obras e que se limitaram a dizer que foram contratados para darem um orçamento?, bastando conferir os depoimentos das testemunhas (…), gravado através do sistema integrado de gravação digital (20190301102248_890079_2870908), disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, desde o minuto 00:00 ao minuto 18:34, conforme acta da audiência de julgamento do dia 1 de março de 2019, e da testemunha (…), gravado através do sistema integrado de gravação digital (20190301104227_890079_2870908), disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, desde o minuto 00:00 ao minuto 14:56, conforme acta da audiência de julgamento do dia 1 de março de 2019, depoimentos que supra se transcreveram parcialmente.

  15. A testemunha (…), para além de identificar o local onde foram realizadas as obras, também esclareceu que efectuou a obra de reboco e pintura do edifício da Associação – não se limitando a dizer que foi contratado para dar orçamento, tendo ainda declarado que, apesar de não ter certeza absoluta, terá emitido factura à Associação, mas que decorridos 20 anos, não tem o documento.

  16. E até em relação ao montante adiantou que seriam “mil e tal”, sem certezas, é certo, atento o tempo decorrido.

  17. Mas também em relação à testemunha (…) se dirá que não é verdade que não tenha conseguido concretizar que obra tinha feito, nem o local.

  18. A testemunha quando diz que se “recorda perfeitamente”, conforme transcrito na sentença recorrida, fá-lo em relação ao que andou lá a fazer: Senhora Juiz: Então recorda-se ou não se recorda? Paulo: Eu sei que eu fiz lá uma obra para o Sr. Presidente na altura, quando eu…recordo-me perfeitamente do que andei lá a fazer. Fui lá, dei-lhe o orçamento, ele aceitou, e eu fiz-lhe a obra.

  19. A referida expressão foi proferida quando a testemunha dizia que sabia bem o que tinha lá ido fazer – que sabia qual tinha sido a obra que tinha ido fazer à associação – não se estando a referir a todos os factos relacionados com esse evento, sendo certo que, quanto ao local e forma do pagamento, assumiu a testemunha não se recordar.

  20. Aliás, a resposta genérica da testemunha, às várias vezes que foi perguntado pela obra, entende-se depois, quando responde que o que foi fazer à Associação, “foram os interiores”, na medida em que a testemunha não faz outros trabalhos que não sejam interiores, pelo que, na sua cabeça era óbvia a resposta que, por isso, tardou em chegar.

  21. Pelo exposto, não poderia ter sido...

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