Acórdão nº 61/17.3JAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelHELENA BOLIEIRO
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo Central Criminal de Castelo Branco – Juiz 2, o Ministério Público para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, as arguidas RM e TM, com os demais sinais dos autos, foram pronunciadas pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de, respectivamente, nove e quatro crimes de maus tratos, previstos e punidos pelos artigos 152.º-A, n.º 1, alínea a), e 66.º, n.

os 1, alínea a), e 2, ambos do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, a 1.ª instância proferiu acórdão em que decidiu: (…) - Julgar parcialmente procedente a pronúncia e, em consequência, condenar a arguida RM pela prática, como autora material e em concurso efectivo, de dois crimes de maus tratos, previstos e punidos pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos factos em que figuram como ofendidas AF e DF, em penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um desses crimes.

- Condenar a arguida TM pela prática, como autora material, de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos factos em que figura como ofendido DM, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Proceder ao cúmulo jurídico das duas penas de prisão aplicadas à arguida RM e, em consequência, condenar a citada arguida na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Suspender a execução da pena única de prisão aplicada à arguida RM pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses.

- Suspender a execução da pena de prisão aplicada à arguida TM pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

2.

Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida TM, que finalizou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “1. O presente recurso, como se refere em sede de motivação, vem interposto da matéria de facto e de direito nos termos do disposto no artigo 412º do C.P.P.

  1. MATÉRIA DE FACTO 2. No que respeita à matéria FACTUAL dada como PROVADA, considera-se que, atentas as provas produzidas e constantes dos autos, há factos que não deviam ter sido dados como provados, a saber, (…)., 43., (…). do pondo II, Fundamentação de facto, Factos Provados, do douto acórdão, os quais aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

(…) 13.

Ponto 43.º - Não foi feita qualquer prova de que a Arguida terá ficado a vigiar o Ofendido D através de uma janela, sem que este pudesse perceber a sua presença, nem testemunhal nem documental, logo, deveria ser considerado como não provado. Assim como, não foi feita prova de que o D tivesse ficado na rua a chorar e por um período de tempo, que não excedeu os dez minutos, sendo que as cinco testemunhas supra referidas que dizem ter presenciado os factos indicam períodos de tempo diferentes.

(…) B) MATÉRIA DE DIREITO 19. Atento ao teor do acórdão recorrido e face à prova dada como provada, o Tribunal a quo condenou a aqui Recorrente pela prática de um crime de maus-tratos p.p pelo art.º 152-A nº1 al. a) do Código Penal, por referência aos factos em que figura como ofendido, DM, a dois anos a seis meses de prisão suspensa por igual período.

20. Ora, atenta a matéria factual que a Recorrente considera provada nos termos supra indicados e mesmo tendo em atenção os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, entende-se, salvo melhor e douta opinião, que o Tribunal não procedeu à adequada qualificação jurídica dos factos bem como se considera excessiva a pena aplicada à Recorrente.

IMPUNIBILIDADE DA RECORRENTE 21. Foi a aqui Recorrente condenada pela prática de um crime de maus tratos p.p pelo art.º 152-A nº1 al. a) do Código Penal.

Ora, o legislador quis tutelar com a presente norma, o respeito pelo desenvolvimento harmonioso da personalidade humana e pelo seu bem-estar social, físico, psíquico e mental, (vide entre outros Acórdão do STJ de 2/7/08) ou, conforme refere Plácido Conde Fernandes, “a saúde, enquanto manifestação de dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da saúde física, psíquica emocional e moral” 22. São elementos objetivos deste tipo de crime, a existência de uma específica relação entre o arguido e a vítima e a existência de agressões físicas ou psicológicas.

Ora, no que diz respeito ao primeiro elemento do tipo, diga-se que se trata de um crime específico na medida em que só pode ser cometido por quem se encontrar numa especial relação com a vítima.

Em relação ao segundo elemento, entenda-se as ofensas à integridade física “tout court”, ou seja, as ofensas realizadas no corpo e na saúde de alguém, e, por seu turno, os maus tratos psíquicos traduzem-se em humilhações, ameaças, provocações, molestações, vexames, etc.

23. Tal conforme é mencionado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa “trata-se de um crime específico que, no caso de maus tratos físicos, não passa de um crime de ofensas à integridade física automatizado em função da particular relação existente entre o agente e a vítima, havendo uma relação de concurso aparente entre os dois tipos de ilícito “(vide Ac. da Relação de Lisboa de 24/05/11).

Ora, para a materialização do crime sub-iudice é exigido, é necessário que o agente conheça o tipo de crime e a vontade de o realizar e a especial vontade de cometer o facto criminoso.

24. Por outro lado, diga-se também, que nem todos os denominados maus tratos merecem a tutela do direito no sentido de incriminar a conduta do infrator.

Ora e tal conforme é indicado no Acórdão STJ “castigos moderados aplicados a menor por quem de direito, com fim exclusivamente educacional e adequados à situação, não são ilícitos” (vide Ac. STJ de 5/4/06).

Efetivamente e tal conforme é mencionado no referido aresto jurisprudencial “o conceito de maus tratos da norma penal abrange os maus tratos físicos, considerados como aqueles que afetam a integridade das pessoas aí mencionadas, os maus tratos psíquicos, considerados como aqueles que afetam a auto estima e a competência social do dependente, entre os quais se incluem as humilhações, provocações e molestações e ainda os tratamentos cruéis, estes considerados como aqueles que seja desumanos, de forma inadmissível” 25. Ora no caso em apreço estamos a analisar os factos ocorridos entre a Recorrente e o ofendido D, e não podemos deixar de ter em atenção, os factos relacionados com a Recorrente e dados como provados nos pontos 82º a 89º que aqui se dão por reproduzido.

26. Ora atento ao teor dos factos que a Recorrente considera como provados e como não provados, tal conforme o supra indicado, resulta à saciedade que jamais à mesma pode ser imputado, a prática de um crime de maus tratos, pelo que, deve ser absolvida, em virtude do seu comportamento e na versão dos factos supra indicados, não consubstanciar a prática do ilícito que lhe foi imputado no Acórdão recorrido.

Sem prescindir 27. Caso assim não se entenda, e atenta à matéria dada como provada e não provada no Acórdão, também se entende que o comportamento da Recorrente não é enquadrável na prática de um crime e maus tratos nos termos do artigo 152º-A nº1, al. a) do Código Penal.

28. Ora, no caso em apreço e nos factos dados como provados, não há qualquer elemento que possa indicar que o ofendido tenha sido humilhado, provocado, molestado e que tenha ficado com qualquer sequela, a nível físico de tal comportamento.

29. Se o comportamento descrito na versão do douto Acórdão tivesse causado ao ofendido qualquer sofrimento, dor, ou fosse por ele entendido como uma humilhação, certamente que teria sido por si comentado, não só com a professora primária ou com a psicóloga que dá apoio na Instituição o que de facto não sucedeu, conforme aliás resulta dos seus depoimentos, como também pela funcionária IS que na data dos factos consigo lidou e vivenciou, ou seja o comportamento da Recorrente não pode ser qualificado como cruel, indigno, causador de humilhação ao ofendido, o comportamento da Recorrente pode ser censurável, conforme o aliás por esta admitido e também entendido pela Direção da Instituição, contudo, o mesmo não é suscetível da prática de um crime de maus tratos. Trata-se de uma brincadeira infeliz que a Recorrente teve com o ofendido, ocorrida num dia, a qual não lhe causou dor, trauma ou indignação, nem tão pouco foi praticado com esse intuito.

  1. Diga-se, ainda a este propósito, que convém referir o seguinte:

  1. A Recorrente nunca deixou o ofendido sozinho, pois ficou a vigia-lo da janela (ponto 43 dos factos), para além do Tribunal a quo e tal como é indicado no Acórdão sub-iudice ter considerado que as testemunhas A e R sempre se mantiveram na rua à espera que a Tânia abrisse a porta, razão pela qual nunca poderia haver o perigo de fuga do ofendido D.

  2. Por outro lado e tal conforme resulta dos factos dados como provados, a Recorrente manteve-se ao serviço da Instituição, tendo sempre sido tida pelos seus superiores hierárquicos e membros da Direção uma profissional dedicada, zelosa e competente, sendo também considerada pelas pessoas com quem priva, uma pessoa sensível, carinhosa, educada, séria, responsável, trabalhadora e honesta, para além de manter um bom relacionamento com as crianças e jovens institucionalizados na Casa do MJ, ou seja, estamos na presença de uma pessoa de inegáveis qualidades humanas e profissionais, incapaz de cometer o crime que lhe está a ser imputado… aliás, é também aqui no mínimo estranho que o referido menor continue a manter uma boa relação com a Recorrente… ou seja e tal conforme o por esta indicado, os factos em apreço, não constituíram mais do que uma brincadeira, infeliz é certo, mas sem qualquer intensão de ofender seja a que titulo for a saúde física e/ou mental do ofendido, não tendo provocado qualquer mazela ou sequela seja a...

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