Acórdão nº 2302/19.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo de contraordenação com o n.º 284/2018, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), por decisão de 26-02-2019, determinou a cassação do título de condução n.º P-…, de que é titular o arguido E. T..

  1. Não se conformando com essa decisão administrativa, o arguido impugnou-a judicialmente, dando origem aos autos com o NUIPC 2302/19.3T8VCT, tendo sido negado provimento ao recurso, com a consequente manutenção da decisão nos seus precisos termos, por despacho de 04-09-2019.

  2. Mais uma vez inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, concluindo assim a respetiva motivação (transcrição[1]): «CONCLUSÕES 1 – As normas do artigo 148.º do Código da Estrada relativas à cassação do título de condução enfermam de inconstitucionalidade material, por serem contrárias ao princípio consignado no artigo 30.º, n.º 4 da Constituição: «Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos».

    2 - A fundamentação invocada pelo Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, não se enquadra no regime do art. 148º do Código da Estrada, em que está em jogo a cassação de um título de condução por subtração de pontos decorrente de sucessivas condenações.

    3 - O Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, sufragou a tese da decisão administrativa, através da aplicação da cassação da licença de conduzir sem ponderar, em concreto, a sua adequação e proporcionalidade.

    4 - O Tribunal “ a quo” não verificou, como seria necessário, a automaticidade contrária ao princípio da proporcionalidade sobre um direito adquirido.

    5 - O arguido necessita da carta de condução para o exercício da sua atividade profissional.

    6 - Entre o tempo da prática dos factos e respetivas sentenças condenatórias e a decisão administrativa, decorreram mais de dois anos, tendo o arguido comportamento exemplar.

    7 - Daí, ocorrer incompatibilidade entre o regime de cassação do título de condução decorrente do artigo 148.º do Código da Estrada e o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

    8 - A norma do n.º 4, do art. 30º da CRP proíbe os efeitos necessários das penas, quando aqueles se traduzem na perda de direitos civis, profissionais ou políticos.

    9 - A teologia intrínseca da norma consiste em retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da readaptação social do delinquente, e impedir que de forma mecânica, sem se atender aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão (Acórdãos do TC n.ºs 16/84, 91/84, 310/85, 75/86, 94/86, 284/89, 748/93, 522/95, 202/00, 563/03 e muitos outros). Impõe-se pois em todos os casos, a existência de juízos de valoração ou de ponderação a cargo do Juiz (Acórdãos do TC n.ºs 522/95 e 422/01).

    10 - No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 472/2007 escreveu-se a propósito “A proibição de penas automáticas pretende impedir que haja um efeito automático da condenação penal nos direitos civis do arguido. A sua justificação é simultaneamente a de obviar a um efeito estigmatizante das sanções penais e a de impedir a violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade das penas, que impõem uma ponderação, em concreto, da adequação da gravidade do ilícito à da culpa, afastando-se a possibilidade de penas fixas ou ex lege.

    11 - Ficou demonstrada na douta sentença em recurso que “Efetivamente na decisão não consta a informação a que alude o art. 58.º, n.º 2, al. d), como deveria constar” - cfr. § primeiro da al. C) da fundamentação de direito.

    12 - Aliás, o Tribunal “a quo”, utiliza a expressão “como deveria constar”.

    13 - E, de facto, a omissão deste pressuposto, determina a nulidade da decisão por violação de preterição essencial – cfr. art. 58º do RGCO.

    14 - A norma em causa utiliza a expressão “deve conter” e não “poderá conter” e, caso o legislador pretendesse atribuir outro efeito àquela omissão, nomeadamente, mera irregularidade e sanável, teria, certa e indubitavelmente, o declarado e, não taxativamente, o fazer constar do normativo legal, sendo clara e inequívoca, afirmativa e imperativa.

    15 - Os despachos proferidos são diferentes e autónomos, proferidos por órgãos distintos, com sanções diversas, legitima e temporalmente diferenciados, cuja omissão foi invocada pelo recorrente oportuna e validamente, à EA na sua defesa e, posteriormente, alegado em sede de impugnação da decisão – cfr. fls… dos autos.

    16 - Violou a douta sentença em recurso, nomeadamente, os artigos 30º, nº 4 da CRP, artigo 58.º do RGCO e 9º do Código Civil.

    TERMOS EM QUE a) deve ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 140º, nº2, do CE, por violação do art. 30º, nº 4 da CRP e, consequentemente, o recurso julgado procedente.

    Caso assim se não entenda, b) deve ser declarada a nulidade da sentença em recurso por omissão de formalidades legais, designadamente, por violação do artigo 58.º, nº 2, do RGCO e o recurso julgado procedente.» 4.

    A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, porquanto, na parte relativa à invocada inconstitucionalidade, o recurso deve ser indeferido, convocando os fundamentos expostos no acórdão da Relação do Porto proferido no processo n.º 644/16.9PTPRT.A.P1, que subscreve na íntegra, e, no que concerne ao alegado vício da decisão administrativa, que o mesmo consubstancia uma mera irregularidade, que se encontra sanada.

  3. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, pelas razões com base nas quais o Ministério Público na primeira instância sustentou o decidido.

  4. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do Código de Processo Penal.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO 1. QUESTÕES A DECIDIR De acordo com as conclusões formuladas pelo recorrente, que, como é pacífico, definem e delimitam o objeto do recurso, as questões a apreciar são as seguintes: - saber se as normas do art. 148º do Código da Estradas relativas à cassação do título de condução enfermam de inconstitucionalidade, por violação do art. 34º, n.º 2, da Constituição; - saber se a decisão administrativa padece de nulidade, por inobservância da formalidade legal prevista no art. 58º, n.º 2, al. b), do Regime Geral das Contraordenações.

  5. DA DECISÃO RECORRIDA Nas partes relevantes para a apreciação do recurso, o despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição): «(…) Com interesse na decisão, encontram-se provados os seguintes factos: 1 – No âmbito do Processo n.º 217/17.9GCVCT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juiz 2, por sentença proferida a 16/06/2017, transitada em julgado em 04/09/2017, o arguido E. T. foi condenado pela prática em 30/05/2017 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, do C.Penal, tendo ainda sido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses; 2 - No âmbito do Processo n.º 393/17.0GCVCT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juiz 1, por sentença proferida a 16/04/2018, transitada em julgado em 04/06/2018, o arguido foi condenado pela prática em 11/10/2017 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, do C.Penal; e um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do mesmo diploma legal; tendo ainda sido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses.

    (...) Analisemos agora individualmente os motivos do dissídio subjacentes ao recurso apresentado.

    1. Da alegada nulidade da decisão administrativa por omissão de factos Entende o arguido que a decisão administrativa ao mencionar apenas as condenações do arguido, em sede de fundamentação de facto, é nula, por impedi-lo de exercer a sua defesa, pois é ainda necessário que dos factos se possa concluir pela inaptidão do agente para a condução.

      Vejamos se lhe assiste razão.

      Para o que aos autos importa, dispõe o artigo 148.º, do Código da Estrada o seguinte: 1 – (..) 2 - A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.

      3 – (…).

      4 - A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos: a) (…) b) (…) c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor. (redação segundo os termos do Novo Acordo Ortográfico) Portanto, a cassação administrativa do título de condução depende tão-somente da verificação dos pressupostos legalmente previstos e não de qualquer outro facto, designadamente...

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