Acórdão nº 264/17.0T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Autora e Apelada: M. F.

, divorciada, residente em rue …, França, Réu e Apelante: C. M.

, divorciado, titular do contribuinte n.º …, residente em rue …, França Autos de: apelação (em ação declarativa de condenação com processo comum) I- Relatório A Autora pediu que fosse proferida sentença que condenasse o Réu a: 1º) reconhecer que o valor de 49879,79€ utilizado no pagamento do preço devido pelo imóvel adquirido pela escritura pública de compra e venda realizada em 7/2/2002 era um bem da Autora existente antes da data da celebração do casamento e pertencia ao património próprio da Autora; 2º) reconhecer a existência de um crédito de compensação do património próprio da Autora sobre o património comum do extinto casal no valor de 49879,79€.

Para tanto, alegou, em síntese, que foi casada com o Réu entre 27/06/1998 e 3/12/2012, sob o regime da comunhão de adquiridos e que na pendência do casamento, em 2002, ambos compraram um prédio urbano pelo preço de 99.759,58 €; o montante de 49879,79 € utilizado para pagamento de parte do preço desse imóvel estava depositado na conta bancária cujo titular é a Autora e era proveniente das poupanças da Autora, enquanto solteira. A fim de pagar a metade remanescente do preço do imóvel em causa, a Autora e o Réu contraíram empréstimo com o "Banco …, S.A.", que foi, entretanto, totalmente liquidado.

O Réu, além de excecionar, impugnou, invocando, também em súmula, que a Autora confunde dois factos e circunstâncias distintos, ser única titular da conta poupança que foi utilizada e o bem ser seu bem próprio (que não era o caso); aceita que à data do casamento a Autora já era titular da conta poupança emigrante, com um saldo de cerca de 24.939,89 €, mas invoca que esta o utilizou para a compra de um outro imóvel, no concelho de onde é natural. Defende que, caso não proceda a exceção dilatória que invoca, deve ser absolvido do pedido.

Em 23 de fevereiro de 2018, veio a Autora, em requerimento para junção de documento, invocar que, “não obstante a declaração emitida pela Caixa ... e apresentada juntamente com a petição inicial, na verdade o valor aplicado pela Autora na aquisição da habitação em causa nos presentes autos foi apenas de 35.000,00€, pelo que requer respeitosamente a V.Ex.ª seja admitida a redução do valor do pedido”.

Após saneamento dos autos e a realização do julgamento, veio a ser proferida sentença com o seguinte teor condenatório (que não atentou na redução do pedido): “Em conformidade com o exposto, decide este tribunal julgar a presente ação integralmente procedente e, em consequência, declara-se que o valor de € 49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos) utilizado no pagamento do preço devido pelo imóvel adquirido pela escritura pública de compra e venda realizada em 7/2/2002 era um bem da Autora existente antes da data da celebração do casamento e pertencia ao património próprio da Autora. Consequentemente, declara-se que a existência de um crédito da Autora sobre o património comum do extinto casal no valor de € 49. 879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos).” No recurso que interpôs, o Réu, pugnando pela improcedência da ação formulou as seguintes conclusões: “1. A) O Tribunal “a quo” proferiu douta sentença com a qual o R., ora Recorrente não se pode conformar e que decide: “… julgar a presente ação integralmente procedente e, em consequência, declara-se que o valor de € 49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos) utilizado no pagamento do preço devido pelo imóvel adquirido pela escritura pública de compra e venda realizada em 7/2/2002 era um bem da Autora existente antes da data da celebração do casamento e pertencia ao património próprio da Autora.

Consequentemente, declara-se que a existência de um crédito da Autora sobre o património comum do extinto casal no valor de € 49. 879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos). Custas a cargo do Réu.” B) Todavia, a decisão do Tribunal “a quo” padece de erro nos pressupostos de facto, com manifesto erro de julgamento da matéria de facto e, por consequência, aplicação inadequada do direito; C) Para tanto, em muito terá contribuído a posição da Autora nos vastos e avulsos articulados/requerimentos que o Tribunal “a quo” sempre lhe foi permitindo e que acabou por redundar em ostensivo erro de julgamento; D) Porém, bem mais grave do que isso, a análise que o Tribunal “a quo” fez dos documentos que foram carreados através de ofícios da Caixa ... para os autos, foi incipiente e desatenta, porquanto numa análise, minimamente atenta, verificaria que a A. não tinha na sua conta bancária de solteira, à data da celebração do matrimónio, o dinheiro que lá dizia possuir, ou seja, na moeda então corrente (o escudo), o equivalente a € 49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos); E) Não tinha tal valor na conta, mas o Tribunal “a quo” deixou-se levar por um documento que tinha como mero desiderato, obter a isenção de SISA, e por se tratar de uma conta chamada “conta-emigrante”, que tinha, então, em termos fiscais tal “benefício”; F) Mas, na escritura da casa ... (terra natal do Recorrente), diz-se: “... e que os mesmos no pagamento do preço utilizaram a quantia de quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos contravalor PTE dez milhões de escudos, que a mulher como emigrante e em conta emigrante tinha depositada na agência de Cabeceiras de Basto da Caixa ......” – sublinhado e destacado nosso; G) Diz-se, “os mesmos”, precisamente porque o Réu, ora Recorrente, na condição de casado, contribuíra, também, para que essa conta fosse provisionada à data da escritura, só tendo sido essa conta utilizada e indicada por ambos na escritura, como se deixou dito, logo em sede de Contestação, atento o desiderato da isenção de SISA; H) Na matéria de facto dada como provada, o Tribunal “a quo” refere, em 1.5. o seguinte: 1.5. Da referida escritura de compra e venda ficaram a constar as seguintes declarações proferidas pela representante de autora e réu: “... aceita este contrato e que os mesmos no pagamento do preço utilizaram a quantia de quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos contravalor PTE dez milhões de escudos, que a mulher como emigrante e em conta emigrante tinha depositada na agência de Cabeceiras de Basto da Caixa ..., conforme declaração que se arquiva...”; I) Ora, de maneira nenhuma poderia o Tribunal “a quo” olvidar que na data da escritura, em 07/02/2002, A. e R. eram casados; E, eram casados desde 27/06/1998 (sob o regime da comunhão de adquiridos), ambos contribuindo, desde a data do casamento, para todos os encargos da vida familiar e indistintamente, para esta ou aquela conta bancária, para este ou aquele pagamento; J) Aliás, desde o casamento, ambas as Partes contribuíam para os depósitos que naquela conta poupança-emigrante (embora apenas titulada pela A.) se foram verificando, independentemente de quem, na oportunidade o fizesse; K) A A. e ora Recorrida bem sabe, não o podendo empalmar, que também o R. auferia um rendimento considerável, exercendo a profissão de motorista de turismo internacional, actividade da qual muitas vezes auferia a título de gratificações, uma quantia superior ao seu próprio salário, já de si, bastante elevado; L) A A. e ora Recorrida, tal como já se adiantou em sede de Contestação, com a presente acção, mais do que uma tentativa de obter um lucro que não lhe pertencer, pretende a revanche face a um divórcio com o qual não soube e ainda não sabe lidar, mostrando ressabiamento e tentando, por qualquer meio, prejudicar o Recorrente. Essa é que é a realidade dos factos; M) O Tribunal “a quo” podia dar como provado que à data do casamento a A. já era titular da conta poupança emigrante da agência da bancária de Cabeceiras de Basto da Caixa ..., o que o R. corroborou no seu art. 16º de Contestação; N) Já não podia, porque desmentido pela própria agência da bancária de Cabeceiras de Basto da Caixa ... (através de vários ofícios dirigidos aos autos), que a A. possuía nessa conta a quantia equivalente a € 49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos) à data do casamento; O) O Tribunal “a quo” partiu de uma errada premissa, considerando e confundindo a titularidade da conta poupança-emigrante com a titularidade dos fundos lá depositados, pelo que laborou em erro ostensivo nos pressupostos de facto; P) Isso mesmo se retira, também, do ponto 1.6. da matéria de facto dada como provada: 1.6. Na escritura pública em questão, foi arquivada uma declaração denominada “Declaração para efeitos de isenção de Sisa”, na qual a Caixa ... declara que a Autora fez prova da sua qualidade de emigrante e é titular de conta emigrante de cujo saldo utilizou o montante de 10 000 000$00 (dez milhões de escudos) para aquisição do prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... da freguesia de ..., omisso à matriz, sendo o valor da compra de 20 000 000$00 (vinte milhões de escudos); Q) Fez o Tribunal “a quo” tábua rasa do desiderato da declaração junta à escritura e que, tal como a mesma referia, era uma mera “Declaração para efeitos de isenção de Sisa”, que se destinava a comprovar que, pelo menos metade do valor da aquisição saía daquela conta, e apenas para efeitos de isenção de SISA; R) Perturbador, é ainda o facto de, a acrescer à incipiente e perfunctória análise que o Tribunal “a quo” fez à prova carreada para os autos, por documentos e prova testemunhal, optou ainda, por inverter o ónus da prova, sem qualquer justificação e sem o referir, pois competia à A. provar os factos que alegou e não ao R. demonstrar a inverosimilhança dos mesmos, tendo atuado o Tribunal “a quo” em manifesta...

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