Acórdão nº 3626/13.9TBVFX-E.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelAMÉLIA REBELO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I–Relatório: O presente recurso vem interposto pelo Sr. Administrador da Insolvência nomeado nos autos de insolvência singular de B (….), tendo por objeto o despacho que lhe indeferiu o pagamento de remuneração variável, proferido em 08.11.2018 nos seguintes termos: A liquidação da massa insolvente compreende o conjunto de actos necessários à conversão do património do devedor numa quantia pecuniária para repartição pelos credores.

No caso dos autos, não houve lugar a liquidação uma vez que a quantia pecuniária destinada a ser repartida pelos credores resultou da transferência proveniente de outro processo, no âmbito do qual terá sido vendido o imóvel do insolvente.

Nestes termos, sufragando o entendimento exposto pelo M.P. na vista que antecede, indefere-se o requerido pagamento referente a remuneração variável.

O Sr. Administrador da Insolvência sintetizou as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: Primeiro.

Não concorda o recorrente com a decisão recorrida, razão pela qual o Administrador da Insolvência invoca a manifesta nulidade do entendimento expresso na decisão em causa, já que ocorre um manifesto erro na qualificação jurídica dos factos. Ou seja, Segundo.

Não nos encontramos perante um divergente entendimento do direito mas sim no âmbito de um errado entendimento do direito já que o douto Tribunal se socorreu de norma incorrectamente interpretada/aplicada para o efeito. Porquanto, Terceiro.

Estabelecem os art.°s 22.° e 29.° da Lei n.° 22/2013, de 26 de Fevereiro o direito do Administrador de Insolvência ser remunerado em função do desempenho das suas funções, correspondendo a sua remuneração a uma parcela fixa e outra variável, calculada nos termos da correspectiva Portaria n.° 51/2005, de 20 de Janeiro. Assim; Quarto.

O presente recurso emerge do erróneo entendimento que é feito do disposto no art.° 23.° n.°s 2 a 4 da Lei n.° 22/2013, de 26 de Fevereiro - cfr. art.°s 60.°, n.° 1 do C.I.R.E. e 22.° e ss. da Lei n.° 22/2012, de 26 de Fevereiro - que estabelece o pagamento da remuneração prevista no Estatuto aprovado pela Lei n.° 22/2013, de 26 de Fevereiro. Aliás, Quinto.

Tal entendimento encontra-se jurisprudencialmente ultrapassado, na medida em que, têm vindo a entender os Tribunais Superiores, por sucessivos acórdãos, que o “resultado da liquidação” abrange o valor total dos bens da massa insolvente, quer consista no produto de bens apreendidos para a massa e vendidos no processo de insolvência, quer resulte da apreensão direta de quantias monetárias que permitam o pagamento aos credores.

Sexto.

Sintomático deste entendimento objectivo, ou seja, de que constitui produto da liquidação TODO E QUALQUER MONTANTE APURADO PARA A MASSA INSOLVENTE POR INTERVENÇÃO DA ADMINISTRADORA DA INSOLVÊNCIA é, ainda, o subsequente Acordão, este do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26.06.2012, proferido no Processo 1142/09.2TJCBR-D.C1 relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Arlindo Oliveira e encontrável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/.

Sétimo.

No caso concreto dos autos, é verificável / comprovável - cfr. art.° 514.°, n.° 2 do CPCivil ex vi do art.° 17.° do CIRE - que, o recorrente/Administrador da Insolvência procedeu de forma eficaz, persistente e eficiente no sentido de proceder à apreensão de todos os bens conhecidos ao insolvente, nos termos dos art.°s 149.° e 150.° do CIRE e obter o pagamento das quantias reclamadas a título de créditos pelos credores; Oitavo.

Resultando em função de tais diligências, como resultado da liquidação, a quantia global de 70.000,00 € (setenta mil euros), assente num conjunto de diligências devidamente documentadas nos autos e referidas nas alegações de recurso - que aqui se dão por reproduzidas; Nono.

Sendo que, nos presentes autos, o trabalho e a actividade do recorrente/Administrador da Insolvência são ainda maiores do que nos casos de apreensão de montantes penhorados em execuções (como é o caso dos Acórdãos), conduzindo activamente ao resultado da Liquidação obtido por força EXCLUSIVA do seu ensejo.

Décimo.

Na verdade, se os credores vão receber algum valor em sede de Rateio, tal deve-se UNICAMENTE à diligência e actividade proactiva do Administrador da Insolvência.

Décimo primeiro.

Logo, o que o douto Tribunal recorrido pretende alcançar com a sua exigência constitui uma intenção ilegítima que deve ser objecto de desconsideração, na medida em que representaria um ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA dos credores, em PREJUÍZO do Administrador da Insolvência.

Décimo segundo.

Tal pedido remuneratório assenta na consagração do art.° 59.° da CRPortuguesa que garante a retribuição do trabalho, entendimento aplicável ao desempenho da função de Administrador da Insolvência, tornando-se por essa via, inadmissível a prestação de serviços a título de gratuitidade, em benefício de terceiros.

Décimo terceiro.

A decisão recorrida viola o disposto nos art.°s 51.°, n.° 1, alínea b), 60.° do C.l.R.E. e 22.° e ss. da Lei n.° 22/2013, de 26 de Fevereiro e 59.° da CRPortuguesa;  Décimo quarto.

Inconstitucionalidade essa que, cautelar e expressamente, se invoca, por violação do direito constitucionalmente consagrado do direito à retribuição pelo trabalho efectivamente prestado, nos termos dos art.°s 58.° e 59.° n.° 1, alínea a) da CRPortuguesa; Décimo quinto. devendo a decisão recorrida ser objecto de revogação e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, determine que os valores pecuniários pretendidos exonerar do cálculo da remuneração variável devida ao Administrador da Insolvência/recorrente constituem produto da liquidação por emergir de apuro resultante da INTERVENÇÃO DILIGENTE E PROVOCADA DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA e, consequentemente, determinar o pagamento da remuneração variável devida ao recorrente/Administrador da Insolvência, assim se realizando Justiça.

O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões: 1.– De acordo com o artigo 23.°, n.° 1 do EAJ, o AI tem direito a uma remuneração fixa pelos actos praticados no processo.

  1. – Os actos descritos pelo recorrente no ponto P do seu recurso são demonstrativos dos actos que o AI está obrigado a praticar, nos termos do artigo 149.°, n.° 1 e 2 do CIRE e, por isso, pagos pela remuneração fixa que a lei lhe confere.

  2. – O AI pode ainda ter direito a uma remuneração variável, a qual é atribuída em função do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do artigo 23.°, n.° 2 do EAJ.

  3. – Pelo que, elemento essencial é que exista liquidação da massa insolvente.

  4. – Menezes Leitão entende que a liquidação destina-se a permitir a satisfação, ao menos parcial, dos credores do insolvente, para o que é necessário que o seu património seja convertido numa quantia pecuniária que vossa ser repartida por esses credores. Para esse efeito, haverá que proceder à cobrança dos créditos e à alienação dos bens e direitos compreendidos na massa insolvente, em ordem a obter os valores necessários a esse pagamento (in "Direito da Insolvência”, Almedina, 2017, 7.

    a edição, página 259).

  5. – Nos presentes autos, o AI limitou-se a apreender para a massa insolvente uma quantia pecuniária resultado da venda de um imóvel em sede de processo de execução fiscal, a qual se realizou cerca de 3 (três) meses antes da declaração de insolvência.

  6. – Assim, o sr. AI e o seu trabalho em nada contribuíram para a realização dessa venda, nem sequer para a determinação do melhor valor possível para o bem imóvel.

  7. – Certo é que a remuneração variável terá de ser vista como um plus, um prémio, um incentivo, para que os Administradores de Insolvência desenvolvam diligências tendentes à liquidação da massa insolvente e, consequentemente, à satisfação dos interesses dos credores.

  8. – Não tendo existido actos de liquidação e considerando que o montante apurado para a massa insolvente não corresponde ao produto da venda de bens apreendidos pelo sr. AI, bem andou a decisão recorrida.

  9. – Contrariamente ao que o recorrente alega, a jurisprudência maioritária não propugna pelo seu entendimento - veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 20.09.011 do relator João Proença, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26.06.2012, do relator Arlindo Oliveira, e o mais recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 23.03.2017, do relator Francisco Matos, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

  10. – A decisão recorrida não viola os art.° 51.°, n.° 1, al. b) e 60.° do CIRE, e o art.° 22.° e seguintes do EAJ, nem os art.°s 58.° e 59.° da CRP, pelo que o entendimento da decisão recorrida não pode ser considerado inconstitucional.

  11. – Pelo contrário, a CRP tutela a retribuição justa, adequada e não a retribuição sem o correspondente trabalho (art.° 59.°, n.° l.°, al. a), da CRP).

  12. – Não é verdade o que o recorrente alega de que estará a prestar serviços a título gratuito, em benefício de terceiros, uma vez que já recepcionou a quantia de € 2.000,00 de RF, em função do trabalho desenvolvido nos presentes autos de insolvência, bem como a quantia de € 500,00 de provisão legal para despesas.

  13. – A tese do recorrente colocaria em causa o princípio da igualdade, vertido nos artigos 13.° e 59.°, n.° l.°, al. a) da CRP, porquanto faria com que a retribuição de um AI que encetasse inúmeras diligências tendentes a efectivar a venda dos bens da massa insolvente, auferisse igual quantia que um AI que, com o devido respeito, se limitou a recepcionar o produto de uma venda ocorrida meses antes à declaração de insolvência.

  14. – E...

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