Acórdão nº 92/14.5TAHRT.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução28 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


- RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 92/14.5TAHRT, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores - Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi a arguida SM condenada, por sentença de 11/03/2019, pela prática de um crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152º-A, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Foi ainda arbitrada, a título de reparação à vítima GO Ângelo Costa Oliveira pelos prejuízos sofridos, a quantia de 1.500,00 euros, que será gerida pelo director da instituição de acolhimento ou pela pessoa a quem o menor estiver confiado.

2. A arguida não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1º - Vem o presente recurso interposto da sentença condenatória proferida em primeira instância 2º - Funda-se o presente recurso nos seguintes aspetos: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: A - Artigo 410.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do CPP: 1 - Contradição insanável da fundamentação (quanto aos factos provados 7 a 21, 27 e 28, 29 e 31 da sentença recorrida) - art. 410.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CPP; e, subsidiariamente, 2 - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (quanto aos factos provados 7 a 21, 27 e 28, 29 e 31 da sentença recorrida) - art. 410.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPP; B - Artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP: 1 - Concretos pontos de facto incorretamente julgados - art. 412.º, n.º 3, al. a), do CPP; 2 - Concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP; MATÉRIA DE DIREITO: 1 - Depoimento indireto - art. 129.º, n.ºs 1 e 2, do CPP: proibição de valoração de prova; nulidade da sentença; inconstitucionalidade do conjunto normativo formado pelos arts. 118.º, n.º 3, 129.º, n.ºs 1 e 2, e 379.º, n.º 1, al. c), 2.

a parte, do CPP, na interpretação infra descrita; 2 - Declarações para memória futura (art. 271.º, do CPP): nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do CPP; 3 - Inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 271.º, do CPP, na interpretação que infra vai descrita.

Subsidiariamente, 4 - Crime praticado pela arguida; 5 - Medida da pena.

IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: 3º - Contradição insanável da fundamentação (quanto aos factos provados 7 a 21, 27 e 28, 29 e 31 da sentença recorrida) - art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP; Na respetiva fundamentação de facto e de direito, a sentença recorrida considerou em simultâneo que os factos provados 7 a 21 e 27 e 28, CONSUBSTANCIAVAM E NÃO CONSUBSTANCIAVAM ilícito criminal e concretamente o crime de maus tratos p. e p. pelo artigo 152.º - A, n.º 1, alínea a), do CP.

Em consequência, do texto da decisão recorrida, por si só, resulta CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO; Vício esse que, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) , do CPP, aqui se invoca para todos os efeitos legais.

Acaso assim não se entenda, e subsidiariamente, 4º - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (quanto aos factos provados 7 a 21, 27 e 28, 29 e 31 da sentença recorrida) - art. 410.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPP - e ainda contradição insanável da fundamentação (art. 410.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CPP): A factualidade em causa, tal como se encontra descrita na decisão recorrida, não consubstancia a prática de qualquer ilícito criminal, nomeadamente do crime de maus tratos p. e p. pelo artigo 152.º - A, n.º 1, alínea a), do CP.

Desses factos provados e da correspondente motivação resulta com transparência que o menor, com 9 anos de idade, tinha comportamentos desviantes em ambiente escolar, desobedecendo e criando conflitos com colegas e com adultos; Dali resulta também que a arguida tinha o menor à sua exclusiva guarda, em processo de pré-adoção, o que significa que lhe estava também cometida a educação do menor, devendo, por isso, e nomeadamente, corrigir ou tentar corrigir comportamentos e formas de estar em comunidade desconformes com os princípios, os valores e as regras comuns à vivência comunitária e aceitáveis na vida em sociedade, incutindo-lhos, e dando-lhe também o reforço positivo sempre que as condutas adotadas sejam adequadas.

É o que resulta das regras da experiência comum, nomeadamente da experiência na educação de que cada um de nós foi objeto e na educação que procuramos dar aos nossos filhos.

Ora, lendo, na decisão recorrida, os factos provados 7 a 21 e 28 e 29, e os factos não provados descritos em e), e a correspondente motivação, é facilmente percetível que a conduta adotada pela arguida nunca consubstanciou quaisquer maus tratos ou qualquer ilícito criminal, antes se integrando no «poder/dever de educação-correção dos pais (ou das pessoas que, nos termos do art. 152.º-A, os substituam) [que] pode justificar certos castigos corporais ou privações da liberdade» - cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2.

a Edição, anotação ao art. 152.º, §14, pág. 520 e 521 da autoria de Américo Taipa de Carvalho.

Note-se que quanto ao facto provado 28, não vem dado como provado que tenha sido a arguida a colocar na mala do menor roupa suja e imprópria para uso; Quanto ao facto provado 16, dele próprio e da correspondente Motivação resulta que as «duas palmadas nas nádegas do menor» foram dadas pela arguida em consequência do grave e mau comportamento deste na escola, assim se integrando no âmbito do «poder/dever de educação-correção dos pais (ou das pessoas que, nos termos do art. 152.º-A, os substituam)» e revelaram-se «necessárias, adequadas, proporcionais e razoáveis» - cfr. Comentário Conimbricense na anotação supra citada.

Quanto ao facto provado 10 e à Motivação que consta da decisão recorrida, trata-se de uma situação inadvertida, que pode acontecer a qualquer pai ou mãe, sendo que, como se diz na própria decisão recorrida - na fundamentação de direito - «é questionável» que esta situação tenha «relevância jurídico-penal»; Quanto aos demais factos provados e nomeadamente os mencionados em 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 21, e correspondente Motivação íntegram-se, uns, na vida comum de qualquer família devidamente estruturada (deixarmos os nossos filhos em casa dos avós, ou na nossa casa com os avós, ou, numa situação desesperada como a saúde ou o falecimento do nosso pai, na casa de pessoa amiga), outros no poder/dever de educação-correção dos pais.

Do exposto resulta, assim, que os factos provados 7 a 21 e 28 e 29 constantes da decisão recorrida não consubstanciam qualquer ilícito criminal, nomeadamente o crime de maus tratos p. p. pelo art. 152.º-A, n.º 1, al. a), do CP.

Ou seja, da decisão recorrida, por si só e/ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que há INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA, no que concerne aos factos provados 7 a 21, e 27 e 28, nos termos do disposto no art. 410.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPP Mais: verifica-se igualmente, nesta parte, CONTRADIÇÃO INSANÁVEL NA FUNDAMENTAÇÃO - novamente se invocando assim o disposto no art. 410.°, n.°s 1 e 2, al. b), do CPP. já que os factos provados 29 e 31 são incompatíveis com aqueles outros factos provados 7 a 21 e 27 e 28. Pelas razões que acabaram de expor-se.

Vícios estes que, nos termos daqueles dispositivos legais, aqui se invocam para todos os efeitos legais.

B - Artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP: 5º - Concretos pontos de facto incorretamente julgados - art. 412.º, n.º 3, al. a), do CPP: FACTOS PROVADOS DA DECISÃO RECORRIDA: «...

22. No dia 4 de Junho de 2014, após regressar do continente nacional, na residência ocupada pela arguida e pelo menor GO , aquela desferiu um número não concretamente apurado de pancadas com uma colher de pau que atingiram GO nas costas e nas nádegas após ter tido conhecimento do mau comportamento deste no estabelecimento de ensino.

23. Em consequência do relatado em 22), o menor GO sofreu dores e lesões nas zonas atingidas; 29. A arguida não se coibiu de agir da forma supra descrita, bem sabendo que o GO era apenas uma criança, indefesa em razão da sua idade, e que aquele tinha sido confiado à sua guarda; 30. A arguida ao bater no menor GO de forma violenta com uma colher de pau quis molestar a criança fisicamente e na sua saúde, pessoa frágil e indefesa em razão da sua idade, como molestou; 31. Em todas as circunstâncias referidas, a arguida agiu sempre de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.» 2 - Concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP: Na fundamentação da decisão da matéria de facto - e no que respeita aos factos que acima se elencaram como incorretamente julgados o tribunal afirma ter fundado a sua convicção num conjunto de provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, conjugadas com as regras da experiência comum; Dá-se aqui por reproduzida na íntegra a fundamentação de facto da sentença quanto aos factos provados acima elencados e incorretamente julgados O tribunal não deu, assim, relevância ao depoimento da arguida - que negou ter desferido pancadas no corpo do menor GO com uma colher de pau após o seu regresso à ilha do Pico - tendo em conta os restantes meios de prova, quer os produzidos em sede de audiência de julgamento quer os constantes em sede de inquérito, e que logo de seguida passou a examinar e que são os seguintes: - o depoimento da testemunha JN ; - as assistentes/técnicas que prestavam apoio na instituição de acolhimento que visualizaram, na hora do banho, as nódoas negras que o menor apresentava na região nadegueira, técnicas essas a quem o menor confirmou que tais lesões tinham sido provocadas pela arguida com uma colher de pau; - as declarações para memória futura do menor; - o relatório do INML da perícia de avaliação do dano corporal, de fls. 34 a 36; - as regras da...

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