Acórdão nº 741/19.9T8FAF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório Por apenso ao procedimento cautelar especificado de Restituição Provisória da Posse que lhes foi movido por A. N. e mulher E. N. vieram os requeridos F. N. e mulher M.F. deduzir incidente de prestação de caução em substituição da providência cautelar entretanto decretada sem a sua audiência prévia por decisão de 22-08-2019, ao abrigo do disposto no artigo 368.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), mediante prestação de caução no valor proposto de €500,00 (quinhentos euros), na modalidade de depósito bancário.

Para o efeito alegam, em síntese, que não se conformam com a decisão proferida no procedimento cautelar pelo que deduziram a competente oposição, pretendendo, porém, a imediata substituição da providência por caução adequada, por considerarem que o artigo 368.º, n.º 3 do CPC confere a possibilidade de tal substituição mesmo nos casos de restituição provisória da posse. Defendem que o valor de €500,00 é suficiente para tal efeito posto que no requerimento inicial do procedimento cautelar não foram alegados, nem quantificados, quaisquer danos por parte dos ali requerentes, não constando da decisão que deferiu a providência qualquer referência aos prejuízos que da privação do uso da parcela poderão advir para os respetivos requerentes, sustentando ainda que a parcela de terreno em causa vem sendo legitimamente ocupada pelos aqui requerentes, por via da compra que dela fizeram aos requerentes da providência, a que acresce que os requerentes da providência não estão impedidos de aceder ao seu identificado prédio, o qual tem acesso direto à via publica que passa a nascente. Sustentam, por outro lado, que a retirada da rede e da fechadura do portão abre a possibilidade de devassa do prédio dos aqui requerentes e da privacidade do requerente, com receio de que na sua ausência a casa seja assaltada, e insegurança pelo facto de a requerente/mulher poder sair de casa desacompanhada, devido aos problemas de saúde de que padece. Com o requerimento inicial arrolaram testemunhas e remeteram para os documentos juntos aos autos de procedimento cautelar em apenso.

Os requerentes do procedimento cautelar em apenso foram então notificados para, no prazo de 15 dias, impugnarem o valor ou a idoneidade da garantia, após o que vieram deduzir oposição. No essencial, sustentaram a inadmissibilidade legal da prestação de caução em substituição de providência cautelar de restituição provisória da posse, porquanto nela estamos em presença de um direito para cuja defesa cabe aquela medida específica e determinada; defendem, por último, que sempre a caução deve ser indeferida e o correspondente incidente julgado improcedente pois que não só não respeita o fim da providência, como também não se mostra suficiente nem adequada para evitar a lesão dos requerentes da providência, pois que a destrói por completo, retirando a estes (proprietários) a posse da parcela de terreno a que foram restituídos, sendo que os requerentes da caução nem sequer alegaram alegado factos relativos ao prejuízo que os requerentes da providência cautelar teriam pelo não uso da servidão enquanto decorre o presente litígio, nem tal montante se mostra incluído na caução oferecida. Com o articulado de oposição arrolaram testemunhas e remeteram para os documentos juntos aos autos de procedimento cautelar em apenso.

Foi então proferida decisão, em 25-11-2019 (Ref.ª 165982041), que indeferiu a requerida prestação de caução, com o seguinte segmento decisório: «Nestes termos, e por inadequação e insuficiência da mesma, indefiro a requerida prestação de caução para suspensão da decisão proferida a 22-8-2019.

Fixo o valor do presente incidente em € 5.000,01 – cfr. art. 304º do CPC.

Custas do incidente pelos requerentes, fixando-se as mesmas em 1 UC – cfr. art. 527º do CPC.

Registe e notifique».

Inconformados com esta decisão, dele apelaram os requerentes da prestação de caução, pronunciando-se no sentido da revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que fixe a caução a prestar, com as legais consequências. Terminam as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1º- Por apenso aos autos de Procedimento Cautelar em que são requeridos, requereu-se a prestação espontânea de caução nos termos do artigo 368º, nº 3 e 906º e seguintes, do Código de Processo Civil. Alegou-se que, através do incidente de caução, se pretendia obter a suspensão da decisão proferida. Para tanto, indicou-se e justificou-se o valor a caucionar, no montante de €500,00 (quinhentos euros) correspondente ao valor atribuído à parcela em discussão nos autos, e ainda, que o modo de prestação da caução era por depósito bancário, oferecendo-se prova documental e testemunhal.

  1. - Notificados nos termos do disposto no artigo 368º, nº 3, do Código de Processo Civil, vieram os requerentes da providência, e aqui recorridos, opor-se à pretensão dos requerentes.

  2. - Sem que para o efeito tivesse lugar a produção de prova, uma vez que o Mm.ª Juiz a quo entendeu que os autos já dispunham de todos os elementos, decidiu que a caução oferecida pelos requerentes é inadequada e insuficiente, para suspender a decisão, indeferindo a requerida prestação de caução para suspensão da decisão de 22.08.2019.

  3. - Os recorrentes não aceitam a decisão proferida uma vez que a consideram infundada e desacertada.

  4. - Na decisão proferida o Mmº Juiz considera que no caso em apreço, “não se afigura que qualquer quantia, e muito menos a reduzida quantia de €500,00 proposta pelos requerentes, seja idónea a evitar ou reparar as lesões advenientes da conduta dos requeridos, indiciariamente comprovada na decisão a suspender,…” 6º- Pelo que, “ e independentemente dos prejuízos alegados pelos requerentes como resultado do decretamento da providência, isto é, ainda que se comprovassem integralmente os mesmos, a verdade é que jamais poderíamos ter a substituição da providencia decretada por caução como adequada nos termos do artigo 368º, nº 3 do CPC pois a mesma é claramente insuficiente para prevenir ou reparar as lesões advenientes da violação do direito de propriedade …”.

  5. - Ou seja, no caso em apreço, o tribunal afasta a possibilidade de os requeridos ver substituído o decretamento da providência por caução, considerando inidónea a caução na perspetiva da sua suficiência pecuniária, quando refere que “não se afigura que qualquer quantia, muito menos a reduzida quantia de € 500,00 proposta pelos requerentes, seja idónea a evitar ou reparar as lesões advenientes da conduta dos requeridos,…” 8º- Ora, se o tribunal entendia que o valor indicado pelos requerentes era insuficiente, podia e devia agir de outro modo.

  6. - Na verdade, considerando o tribunal recorrido que o valor do depósito bancário – 500,00€ (quinhentos euros) – que os requerentes ofereceram era insuficiente, podia e devia, oficiosamente, fazer todas as diligências probatórias para tanto necessárias como impõem os artigos e 411º do Código de Processo Civil e fixar outro valor que fosse suficiente para prevenir ou reparar a lesão que se pretendeu obviar com o decretamento da providência; 10º- De igual modo, podia ordenar que os autos seguissem seus termos, com a tramitação prevista nos artigos 908º e 909º do Código de Processo Civil, aplicável por força do nº 3, do artigo 913º do Código de Processo Civil de modo a habilita-lo a decidir. Neste sentido, consultar Acórdão da Relação de Lisboa de 01.02.2011, Processo 10584/09.2YYLSB-C.L1-1, acessível in Biblioteca.mj.pt.

  7. - Desta feita, ao decidir como decidiu, a decisão recorrida não se mostra fundamentada, o que gera a sua nulidade, atendo o disposto no artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, uma vez que a nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607º, nº 3 do Código de Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

  8. - No caso em apreço, não obstante os factos alegados pelos recorrentes no requerimento para prestação de caução para justificar o valor que considerava suficiente para prevenir ou reparar a lesão que se pretendeu obviar com o decretamento da providência, da decisão recorrida não resultam enunciados quaisquer factos, sejam eles provados ou não provados.

  9. - Por tudo isto, pode concluir-se que a decisão de julgar inidónea e insuficiente a caução não se mostra fundamentada, nem de facto nem de direito, mostrando-se violados os artigos 623º a 626º do Código Civil e artigos 607º e 908º nº3 do Código de Processo Civil, este aplicável por força do estabelecido no artigo 913º nº3 do mesmo Código». Os requeridos contra-alegaram sustentando a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi então admitido pelo Tribunal recorrido como apelação, subida imediata, no próprio apenso de caução e com efeito suspensivo da decisão recorrida (o que não importa a suspensão da providência cautelar determinada).

II.

Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso – cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) Da nulidade invocada; B) Reapreciação jurídica da causa: se a caução oferecida constitui um meio suficiente para salvaguardar o receio de lesão que esteve na base do decretamento da providência de restituição provisória de posse e é adequada a assegurar a...

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