Acórdão nº 2047/15.3T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório L. P. instaurou, em 8/10/2015, no Juízo de Execução de Chaves – J1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, acção executiva para pagamento de quantia certa contra J. P. e A. P., pretendendo obter o pagamento da quantia global de €101.545,07.

Como título executivo deu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 02/JUN/2014, no âmbito do Proc. n.º 197/08.1TBMTR(P1), no qual foi decidido, além do mais, condenar os Réus (ora Executados) a pagar à Autora (Exequente) a quantia de €76.814,88, correspondente ao dobro do sinal que esta prestou, acrescida dos competentes juros de mora à taxa supletiva legal para as operações civis, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

*Por decisão de 3/05/2016, a instância executiva foi julgada extinta por impossibilidade da lide no que concerne ao executado J. P., nos termos do disposto no art. 88.º do CIRE e art. 277.º, alínea e) do C.P.C., em virtude de, no âmbito do Processo n.º 145/14.0TBMTR, a correr termos pela Instância Local Cível, Juiz-1 de Vila Real, aquele executado ter sido declarado insolvente, por sentença transitada em julgado em 22/08/2014 (cfr. Ref.ª 29573084).

*Mediante requerimento apresentado em 16/04/2018, a exequente declarou desistir do pedido formulado nos autos (cfr. Ref.ª 1600466 - fls. 105).

*Em 19-04-2018, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu a seguinte sentença (cfr. Ref.ª 32141011 - fls. 108): «Vem o exequente declarar desistir do pedido.

Considerando que a matéria objeto dos presentes autos está na disponibilidade do exequente e a desistência do pedido é livre, julgo válida e juridicamente relevante a aludida desistência, quer quanto ao seu objeto, quer pela qualidade das pessoas intervenientes, pelo que a homologo, tudo nos termos do disposto nos artigos 283º, nº 1, 285º nº 1 e 286º, nº 2 todos do Código de Processo Civil.

Concomitantemente, julgo extinta a instância, nos termos do disposto no art. 277º alínea d) do Código Processo Civil.

Custas pelo exequente, art. 537, nº 1 do CPC.

Notifique, ainda ao SAE, e registe.

(…)».

*Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso J. D. (cfr. Ref.ª 29197271 - fls. 125 a 135) e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O aqui Apelante não concorda, nem se conformar com o Douto Despacho recorrido, que homologou a desistência do pedido apresentada pela Exequente e julgou extinta a instância, nos termos do disposto no art. 277º, alínea d) do Código Processo Civil”.

  1. O Apelante, J. D., é, desde o dia - de Maio de 1973, casado com a Exequente, sob o regime de comunhão de adquiridos, sendo que a desistência de tal pedido efectuado unilateralmente pela Exequente, sem consentimento ou autorização do Apelante, prejudica o Recorrente directa e efectivamente, pelo que assiste-lhe legitimidade processual para recorrer daquele despacho, nos termos do disposto no artigo 631º, nº 2 do C.P.C..

  2. Saliente-se que o Apelante é parte interessada neste pleito, pois à data quer da celebração do contrato-promessa de compra e venda em que a Exequente figurava como promitente-compradora, quer quando foi intentada competente acção declarativa decorrente do incumprimento de tal contrato por parte dos aqui executados, quer quando do início da presente execução, era casado e vivia maritalmente com a Exequente.

  3. Muito embora não figurasse como outorgante em tal contrato-promessa, nem como parte processual na acção declarativa e executiva, o direito de crédito ao sinal em dobro e respectivos juros de mora também lhe pertence.

  4. Deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, isto porque, nos termos do disposto no art. 647º, nº 3, al. e), aplicável ex vi art. 644º, nº3. al. f) do C.P.C., o recurso terá efeito suspensivo quando incida sobre decisão que implique o cancelamento de qualquer registo, o que é o caso do despacho que decretou a extinção da instância executiva, a qual irá dar lugar ao cancelamento dos registos de penhora efectuados sobre os bens imóveis melhor descritos no auto de penhora constante nos presentes autos.

  5. É facto notório e do conhecimento do Tribunal a quo que a Exequente sempre foi casada com o Recorrente, pois tal informação consta expressamente quer no requerimento executivo apresentado por aquela, quer ainda no douto Acórdão da Relação do Porto que serve de título executivo.

  6. Assim sendo, bem sabia o Tribunal a quo que, na génese do processo executivo, está incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda celebrado em 1990 entre a Exequente e o Executado J. G. e a sua esposa (entretanto falecida), através do qual estes prometeram vender àquela bens imóveis, que aquela prometeu comprar pelo valor de 38.407,44 euros.

  7. A quantia que foi entregue a título de sinal quando da celebração de tal contrato-promessa era dinheiro pertencente ao património comum do casal (Exequente e aqui Apelante), o que, aliás, se presume, de acordo com o regime legal vigente (artigo 1722º e 1723º a contrario e 1724º do C. C.), e atenta a omissão de referência expressa no contrato-promessa de compra e venda quanto à proveniência dos bens e valores utilizados para efectuar o pagamento do referido sinal.

  8. No âmbito da acção declarativa que precedeu a presente execução, instaurada pela aqui Exequente em nome próprio, mas também em representação e no interesse do aqui Apelante e do património comum do casal, os executados foram condenados a restituir em dobro o sinal pago, acrescido de juros de mora, direito de crédito esse que ingressou imediata e automaticamente no património comum do casal (pertencendo, por força do regime de bens adoptado, metade indivisa ao aqui Apelante).

  9. Apesar de ter sido instaurada formalmente pela Exequente, na presente execução é reclamado um crédito exequendo que pertence ao património comum do casal, pelo que a Exequente age em nome próprio, mas também em representação e no interesse do cônjuge marido, o aqui Apelante.

  10. Com efeito, como é consabido, a validade de um contrato celebrado por um cônjuge na qualidade de comprador não depende da intervenção do outro cônjuge (Veja-se o Acórdão do S.T.J. de 06-10-2011, proc. nº 4092/09.9TDVNF.P1.S1).

  11. Por conseguinte, não se exige que a acção declarativa de condenação e a subsequente acção executiva (decorrentes do incumprimento desse mesmo contrato por parte dos vendedores e/ou promitentes-vendedores), sejam intentadas por ambos os cônjuges.

  12. Contudo, querendo o/a cônjuge, único interveniente processual, praticar actos que impliquem a perda de qualquer direito, direito que não lhe pertence em exclusivo, mas que é pertença de ambos os cônjuges, como é o caso, diz a lei que esta não poderá agir sozinha de livre e espontânea vontade.

  13. A entrega pela Exequente de requerimento onde manifesta a sua vontade exclusiva de desistir do pedido é um acto que implica a perda de um direito, ou caso assim não se entenda, é um acto de natureza análoga.

  14. A desistência do pedido é de qualificar, quanto à sua natureza jurídica, como um acto jurídico unilateral, que consubstancia uma declaração de renúncia ao próprio crédito exequendo, que implica a solução do litígio.

  15. Ora, dúvidas não existem de que o crédito exequendo pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, à Exequente e ao seu cônjuge marido, aqui Apelante. Consequentemente, a Exequente não tinha, nem tem legitimidade para renunciar a um direito que não lhe pertence exclusivamente.

  16. Sendo a desistência do pedido um acto dirigido a produzir efeitos sobre a totalidade do direito (pertencente aos cônjuges), é um acto completamente contrário ao espectável relativamente à actuação processual do titular da relação jurídica (Exequente), sendo necessário e até obrigatório que, para que tal acto seja válido, se opere a aceitação de todos os contitulares de tal direito de que se está a desistir.

  17. A homologação da desistência do pedido implica que, no futuro, a Exequente nunca mais possa propor nova acção sobre o mesmo objecto, sendo que a homologação desta desistência efectuada unicamente pela Exequente prejudica inevitável e irremediavelmente o cônjuge marido, aqui Apelante, que não autorizou, nem consente na desistência do pedido.

  18. Para que a presente desistência fosse validamente homologada seria necessário a intervenção de ambos os cônjuges e manifestação expressa de ambos em desistirem do pedido para tal acto ser válido e eficaz. (tal como aconteceria se fosse para transigir. Ver Ac. do T. Relação do Porto, de 25-11-2010, proc. nº 308/05.8TBMTS-A.P1) 20. A homologação da desistência do pedido, caso transite em julgado, irá causar avultados prejuízos para o património de ambos os cônjuges, porquanto, além de desistir de um direito de crédito comum do casal, o património comum do casal terá que suportar, em consequência da desistência, todos os custos da presente execução (custas judiciais, despesas e honorários agente execução, etc).

  19. Quando a declaração de uma pessoa for dirigida a provocar efeitos directos na esfera patrimonial de outra pessoa, sem que aquela tenha legitimidade para o fazer, carecerá da intervenção da pessoa titular da esfera afectada, pois só com a intervenção de ambas se reunirá a legitimidade necessária para afectar as duas esferas jurídicas, sob pena de nulidade do acto por falta de legitimidade para desistir de um direito que não pertence na totalidade ao desistente.

  20. A ilegitimidade da Exequente para a prática do acto de desistência do pedido faz com que tal desistência seja ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos e materiais, pelo que não é adequada, nem idónea a conduzir à extinção da instância.

  21. Em face do exposto, não pode a desistência do pedido ser homologada, por se tratar de um acto em relação ao qual a desistente carece de legitimidade para desistir de um direito de crédito que integra e pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, ao...

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