Acórdão nº 305/16.9T9LSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelLUÍS GOMINHO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa: I–Relatório: I–1.)– No Juízo Local Criminal de Lisboa (Juiz 7), foi o arguido CS, com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelos art.ºs 6.º, n.º 1, e 105.º, n.ºs 1, 2, 4, 5 e 7 do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

Efectuado o julgamento e proferida a respectiva sentença, veio a decidir-se, entre o mais, o seguinte: - Condenar o arguido CS , como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos art.ºs 105.º, n.ºs 1 e 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de um ano de prisão; - Substituí-la por 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €10 (dez euros), no total global de €3.600 (três mil e seiscentos euros).

I–2.)- Inconformado, recorreu o Ministério Público para esta Relação, apresentando as seguintes conclusões: 1.ª- Na douta sentença ora em crise foi decidido condenar o arguido pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs l e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de um ano de prisão, substituída por trezentos e sessenta dias de multa, à taxa diária de dez euros.

  1. - O presente recurso funda-se em divergências que se prendem única e exclusivamente com a pena aplicada, considerando-se que foi violado o disposto nos artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal, aplicáveis por força do disposto no artigo 3.º, alínea a), do RGIT e no artigo 13.º do RGIT.

  2. - No presente caso, as necessidades de prevenção geral são elevadas, considerando o número de crimes de abuso de confiança fiscal que são cometidos e o prejuízo que daí advém para a situação económico-financeira do país, sendo premente reforçar da consciência jurídica comunitária na validade e efetividade das normas jurídicas violadas.

  3. - Já as necessidades de prevenção especial são medianas, considerando que o arguido não tem antecedentes criminais, encontra-se inserido profissional e socialmente, mas omitiu a entrega do valor de €882.000,00 (oitocentos e oitenta e dois mil euros), permanecendo actualmente em dívida €407.076,21 (quatrocentos e sete mil setenta e seis euros e vinte e um cêntimos).

  4. - A culpa é intensa, atendendo a que houve dolo direto e não foi apresentada qualquer justificação ponderosa para o valor não ter sido integralmente pago.

  5. - A ilicitude da sua conduta é elevada, atento o desvalor da ação e do resultado, sendo o montante de €882.000,00 é dezassete vezes superior ao valor a partir do qual o crime de abuso de confiança fiscal é considerado agravado.

  6. - Atento o supra exposto, consideramos que no presente caso não é suficiente, adequado e proporcional condenar o arguido em pena no limite mínimo legal, não podendo deixar de ser aplicada ao arguido pena de prisão superior a um ano.

  7. - Assim sendo, tal pena não poderá ser substituída por pena de multa, nos termos do disposto no artigo 45.º do Código Penal, considerando-se que, salvo melhor opinião, deverá ser suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se profissional e socialmente inserido, realizando a simples censura do facto e ameaça de cumprimento de pena de prisão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

  8. - No mais, entende-se, salvo melhor opinião, que o arguido reúne suficiente condição económica e financeira para em 5 (cinco) anos cumprir integralmente as obrigações em falta.

  9. - Desde logo, os valores em causa nos presentes autos tiveram origem numa única fatura no valor de €5.082.000,00, conforme resulta da página cinco da douta sentença proferida, sendo possível concluir que os valores envolvidos em alguns negócios do arguido são muito elevados e, portanto, que o mesmo retira proveitos igualmente muito elevados.

  10. - Acresce que o arguido não explicou o destino que deu à avultada quantia pecuniária da qual se apropriou, sendo possível concluir, segundo as regras de experiência comum, que terá usado esse dinheiro para reforçar e consolidar a sua condição económico-financeira.

  11. - Para além disso, o arguido encontra-se em idade activa e mantém a actividade comercial a que se dedicava à data da prática dos factos que deram origem aos presentes autos, isto é, compra e venda de embarcações, desta feita na Colômbia.

  12. - O supra referido negócio requer avultada capacidade de investimento, concretiza-se em elevado fluxo monetário (cash-flows) e volume de negócios, atento o facto de o valor das embarcações ter uma ordem de grandeza situada entre as centenas de milhar e/ou milhões de euros, sendo notório que a Colômbia é um país cuja economia vem prosperando desde há considerável número de anos.

  13. - A regularização da situação tributária em 60 meses (i.e. 5 anos x 12 meses) exigirá do arguido o dispêndio mensal de uma quantia que rondará 7.500/8.000 euros (i.e. € 407.076,21 (capital a entregar): 60 meses (i.e. 5 anos) = € 6.784,60/mês, fora juros de mora).

  14. - As regras de experiência comum permitem, salvo melhor opinião, concluir, mediante a segurança necessária, que o arguido tem capacidade de desembolsar 7.500/8.000 euros/mês, porquanto tem capacidade económico-financeira, se não mediante capitais próprios através de crédito, para investir as centenas de milhares de euros que são requeridas pela prossecução do negócio de compra e venda de embarcações náuticas.

Nestes termos e nos demais de direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada nesta parte a douta sentença recorrida e determinada a condenação do arguido em pena de prisão superior a um ano, suspensa na execução pelo período de cinco anos mediante a condição de o arguido pagar a prestação tributária e acréscimos legais em dívida.

I–3.)–Respondendo ao recurso interposto, o Arguido CS concluiu pela forma seguinte: 1.º- As conclusões constituem o limite do objeto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (neste sentido, vide, entre muitos outros, o recente Acórdão da Relação de Coimbra, de 13 de Março de 2019, tirado no Recurso n.º 8566/17.0T9LSB.C1).

  1. - O Ministério Público delimitou o âmbito do recurso a divergências que se prendem única e exclusivamente com a pena aplicada, considerando-se que foi violado o disposto nos artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal, aplicáveis por força do disposto no artigo 3.º, alínea a) e artigo 13.º, ambos, do RGIT (vide, conclusão 2 do recurso, a que ora se responde).

  2. - Quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida; e c) as provas que devem ser renovadas (n.º 3 do art. 412.º do CPP).

  3. - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n° 3 do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (n.º 4 do art. 412.º do CPP).

  4. - Atendendo às conclusões e alegações de recurso, não foi sequer colocada em causa a decisão sobre a matéria de facto, dada como provada na douta Sentença recorrida, impondo-se que tal decisão, permaneça inalterada na ordem jurídica.

  5. - A determinação da medida concreta da pena aplicável, tem como critérios a culpa do arguido e as exigências de prevenção geral e especial, que cabem no caso concreto, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o arguido, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigos 40.º e 71.º do Código Penal).

  6. - No que respeita às necessidades de prevenção geral, propugna o Ministério Público que são elevadas, o que aliás vai no sentido do decidido na douta Sentença recorrida, tendo em conta o número de crimes de abuso de confiança fiscal que são cometidos e os prejuízos que daí decorrem para o país.

  7. - No entanto, não se pode igualmente olvidar, que os factos em causa remontam ao ano de 2010, já tendo decorrido mais de 9 anos, pelo que a necessidade de aplicação da pena se encontra diminuída.

  8. - A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, le cometa novos crimes, que reincida (neste sentido, v/de, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/12/2017, tirado no Recurso n.º 357/14.6 TAMGR.C1).

  9. - Ora, salvo melhor opinião, tal como se decidiu na douta Sentença recorrida, no que respeita às exigências de prevenção especial, "(...) são baixas, devendo aqui considerar-se que, por um lado, o arguido não tem antecedentes criminais e está...

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