Acórdão nº 89/17.3PAENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução07 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo de Competência Genérica do Entroncamento do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida AA, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos arts. 15.º, 148.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, e uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts. 24.º, n.ºs 1 e 3 (em concurso aparente com a contra-ordenação p.e p. pelo art. 25º, alíneas b) e e), do Código da Estrada) e 147º n.º 1, do Código da Estrada.

O assistente MN deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida/demandada AA e XX-Companhia de Seguros, S.A., peticionando a condenação solidária destas no pagamento de uma indemnização no montante de € 28.000,00, a título de danos não patrimoniais e de € 12.327,55, a título de danos patrimoniais, bem como por danos patrimoniais futuros atinentes a todas as mensalidades que se viessem a vencer desde a data até ao fim do internamento do ofendido no lar, bem como todas as despesas médicas e medicamentosas que se relacionassem de forma directa e necessária com o acidente objecto dos autos.

Por despacho de 26.10.2018, declarou-se a demandada AA como parte ilegítima e, em consequência, absolveu-se a mesma da instância cível, nos termos do disposto nos arts. 64.º, n.º 1, alínea a), do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21.08, e 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea e), do Código de Processo Civil.

A demandada XX-Companhia de Seguros, S.A. apresentou contestação, prova testemunhal e documental.

Realizado o julgamento, decidiu-se: - julgar totalmente procedente a acusação e, em consequência, - condenar a arguida pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos arts. 148.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal (CP), em conexão causal com as contra-ordenações p. e p. pelos arts. 24.º, n.ºs 1 e 3, e 25.º, alíneas b) e e), do Código da Estrada (CE), na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de € 12,00 (doze euros), no montante global de € 720,00; - condenar ainda a arguida na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses (art. 69.º, n.º 1, alínea a) do CP); - julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por MN e, em consequência, - condenar a demandada XX-Companhia de Seguros, S.A. a pagar àquele o montante € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais decorrentes das lesões por si sofridas resultante do embate de que foi objecto, bem como e ainda do montante de € 5.977,20 (cinco mil novecentos e setenta e sete euros e vinte cêntimos), a título de danos patrimoniais por si sofridos decorrentes daquele embate.

Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs recurso, formulando as conclusões: 1.Não pode a recorrente conformar-se com o subscrito no Douto Acórdão.

  1. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou a recorrente pela prática um crime de ofensas à integridade física por negligência p.p. pelos artigos 148º n.º 1 e 69º al. a), ambos do C. Penal, em conexão casual pelas contra-ordenações previstas nos art.ºs 24º n.ºs 1 e 3 a 25º als b) e e) do Código da Estrada, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 12,00, o que perfaz o montante de € 720,00, bem como foi condenada na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados por período de 4 meses.

  2. Como resulta da fundamentação da Douta Sentença, o Tribunal “a quo” alicerçou a sua convicção na prova produzida valorada atendendo ao princípio da livre apreciação consagrado no art.º 127º do CPP, declarações do assistente e das testemunhas JL, PN e ISS, valorados sob o princípio da livre apreciação da prova.

  3. Considera ainda a Mm.ª Juiz a quo em não “atribuir credibilidade à versão apresentada pela arguida.” 5.Não existem testemunhas presenciais dos factos que consubstanciam o acidente.

  4. Acidente esse cujas circunstâncias de ocorrência se encontram, ainda hoje, findas todas as diligências efectuadas para produção de prova, se encontram por decifrar….

  5. E não se encontrando esses factos esclarecidos de forma inequívoca, não pode o Tribunal a quo com base no principio da livre produção da prova em decidir pela condenação da arguida, aqui recorrente.

  6. Não se entende como o Tribunal considerou como os factos provados em julgamento, designadamente e, em suma, que a arguida conduzia o veículo de forma distraída e desatenta e a uma velocidade que não lhe permitia parar o veículo, e que ao conduzir de tal forma não lhe fora possível evitar o embate.

  7. Tal como não se entende como considera que a arguida tinha capacidade e possibilidade de ter adoptado comportamento adequado e assim evitar tal embate! 10. O depoimento da recorrida mostra-se, contrariamente ao referido na Douta Sentença, claro, concreto, objectivo e convicto e com indicação de factos que consubstanciam efectivamente as circunstâncias do acidente.

  8. Aliás, as declarações prestadas pela recorrente, quer no dia do acidente, quer em Audiência de Julgamento, são coincidentes, por corresponderem à verdade dos factos.

  9. Sem deixar de respeitar tal decisão, considerar o acidente em causa de total responsabilidade da aqui recorrente condenando-a na prática de tal crime parece-nos, salvo o devido respeito, um manifesto exagero! 13. Das restantes testemunhas ouvidas em sede de audiência e julgamento, também, não resultou provado, no entender da defesa, de que a arguida tenha sido descuidada… 14. Verifica-se pois que do texto de decisão recorrida, por si só, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o Tribunal, existindo erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º nº 2 alínea c).

  10. Não havendo outra prova directa dos factos que não o depoimento do assistente e da arguida, os quais não são coincidentes das circunstâncias em que ocorrera o acidente, nomeadamente ao sentido de locomoção do peão, por serem contraditórios entre si, segundo as regras da experiência comum, deveria o Tribunal a quo ter dado prevalência ao princípio geral do direito português in dubio pro reo, absolvendo a arguida.

  11. Ter-se-ia de se ter em conta, que sempre que não se consegue construir um juízo de valor e condenação sem dúvida razoável, se aplica o principio in dubio pro reo.

  12. Aliás, foi esse o entendimento proferido nas Alegações quer da Digna Procuradora, quer da Defensora da arguida, quer da I. Mandatária da demandada civil, Companhia de Seguros XX, concluindo todas pela absolvição da arguida, aqui recorrente.

  13. Não restam dúvidas de que a recorrente não praticou o crime de ofensas à integridade física por negligência em que foi condenada, devendo a mesma ser absolvida da prática do mesmo.

    Nestes termos, com o Douto suprimento de V.as Ex.

    as deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a Sentença recorrida, absolvendo-se a aqui recorrente da prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência p.p. pelos artigos 148º n.º 1 e 69º al. a), ambos do C. Penal, em conexão casual pelas contra-ordenações previstas nos art.ºs 24º n.ºs 1 e 3 a 25º als b) e e) do Código da Estrada, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 12,00, o que perfaz o montante de € 720,00, bem como foi condenada na sanção de inibição de conduzir veículos motorizados por período de 4 meses.

    O recurso foi admitido.

    Apresentaram resposta, concluindo: - o Ministério Público: 1. O tribunal apreciou e valorou as provas produzidas e examinadas em audiência à luz do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal; 2. Não merece qualquer censura o julgamento da matéria de facto, nem enferma ele de quaisquer violações de acordo com as regras da experiência comum; 3. Não houve qualquer violação do princípio do in dubio pro reo, não se verificando na douta decisão recorrida qualquer dúvida razoável que derivasse numa decisão contrária à tomada; 4. A convicção a que doutamente chegou o julgador escorou-se na prova efectivamente produzida em julgamento, cujo raciocínio, ou iter mental, foi completo e devidamente justificado e exteriorizado com clareza na sentença, de forma convincente; 5. Não foram, por isso, violados quaisquer preceitos legais.

    Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pela Mmª Juiz “a quo” na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo recorrente improcedente, como é de toda a JUSTIÇA.

    - o assistente: 1 - Atenta a factualidade dada como provada e não provada na presente sentença, é certo que, todos os factos constantes da douta acusação pública foram dados como provados.

    2 - Não obstante, inexistirem testemunhas oculares do acidente, existe um manancial de prova nomeadamente, documental, relatórios e perícias médicas, inspecção judicial ao local e reconstituição do acidente e prova testemunhal que, conjugadas entre si, não deixaram dúvidas ao tribunal a quo para decidir pela condenação da arguida .

    3 - Estando a decisão devidamente fundamentada, não tendo sido violado qualquer princípio ou norma legal deve a decisão manter-se.

    Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a referida resposta do Ministério Público, no sentido da improcedência do recurso.

    Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), a arguida veio reiterar a sua posição.

    Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

  14. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento...

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