Acórdão nº 1311/17.1T9VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução15 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Central Criminal de Viseu - Juiz 3 de Viseu, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, o arguido RL, (...) imputando-se-lhe a prática, em concurso efetivo, de: (...) - um crime de tráfico de pessoas agravado p. e p. no n.º 160.º, n.º 1, alíneas a), c) e d) e n.º 2 e 3 do Código Penal; - um segundo crime de tráfico de pessoas p. e p. no n.º 160.º, n.º 1, alíneas a), c) e d) do Código Penal, (...) Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 26 de julho de 2018, decidiu julgar a acusação procedente e, em consequência, condenar o arguido RL, pela prática: (...) - De um crime de tráfico de pessoas (menores de 18 anos) praticado entre fevereiro de 2017 e 29 de março de 2017, p.p. pelo art. 160.º, n.º 1, al. a) e d), n.º 2 e 3 do Código Penal [em concurso aparente com o crime de lenocínio de menores], na pena de seis anos e dois meses de prisão; - De um crime de tráfico de pessoas, praticado entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018, p.p. pelo art.º 160.º, n.º 1, al. a), do Código Penal [em concurso aparente com o crime de lenocínio], na pena de cinco anos e cinco meses de prisão; (...) - Operando o cúmulo jurídico destas penas, condenar o arguido na pena única de 9 anos de prisão.

(...) Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido RL, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1 - Do teor da, aliás douta, acusação e da motivação do douto Acórdão de que agora se recorre, resulta evidente que, quer antes na acusação, quer agora na decisão, existe um propósito manifesto, que resulta legítimo enquanto esforço de subsunção de um ato a um tipo legal de crime, de demonstrar que o arguido agiu com a intenção confessada e premeditada de explorar a vítima, aproveitando-se da sua especial venerabilidade de forma a obter para si enriquecimento ilegítimo.

2 - No enquadramento jurídico-penal, respeitante ao crime de Tráfico de Pessoas, o tribunal colectivo conclui que o arguido praticou actos de exploração, que o arguido veio a lograr que TS se dedicasse à pratica de actos sexuais a troco de dinheiro com outras pessoas por via do medo que lhe incutiu, por a TS não ter meios de subsistência, nomeadamente onde ficar e estar fugida da instituição, e por o arguido lhe dizer que, se o não fizesse, iria divulgar as imagens do seu corpo desnudo e dos vídeos que tinha feito contendo registo da prática de actos sexuais consigo, aproveitando-se da especial vulnerabilidade da vítima.

3 - que o arguido sabendo (entre novembro de 2017 e 12 de fevereiro de 2018), que a TS não tinha meios de subsistência ou apoio familiar, disse-lhe que esta teria de voltar a prostituir-se e entregar-lhe o dinheiro resultante de tal actividade.

4 - que o arguido defrontou-se com expressa oposição de TS, oposição que venceu fazendo uso de violência física, agredindo-a, o que fez repetidas vezes – quando TS manifestava expressa oposição – e aproveitando-se do medo que lhe incutia, veio a conseguir por via do recurso a essa violência, que efectivamente TS viesse a manter relações sexuais com outras pessoas.

5 - O tribunal indica a existência de um fundamento dogmático a diferenciar a tipologia do crime de tráfico de pessoas do crime de lenocínio, num é evidenciada a ofensa à liberdade de acção ou decisão, noutro a liberdade sexual.

6 - Quanto à existência de actos ou factos típicos destinados a agredir a liberdade de acção ou decisão da vítima, o tribunal só se pode socorrer das declarações desta.

7 - Em parte alguma da prova documental relevante ou das testemunhas inquiridas se extrai que a vítima tivesse sido manietada na sua liberdade de acção ou decisão.

8 - Já quanto às declarações da vítima, que são, como se disse o verdadeiro suporte fáctico da condenação pelos crimes de tráfico de pessoas, o tribunal reconhece que a TS não respondeu sempre com verdade às questões que então lhe foram feitas e que manifesta incongruência na análise conjugada dos vários depoimentos.

9 - Importa clarificar que no julgamento que o recorrente faz da valorização das declarações da TS e que foram o único suporte para a sua condenação pelos crimes de tráfico de pessoas, nenhuma prova documental corrobora a supressão da sua liberdade de acção ou decisão.

10 - As declarações prestadas em audiência de julgamento pela TS não deixam de se mostrar contraditórias até com factos que o tribunal vem a dar como provados.

11 - Nas declarações prestadas em audiência de julgamento de dia 04.06.2019 o MM Juiz Presidente nota que a depoente, tendo já sido ouvida diversas vezes, apresenta alterações nas declarações que foi prestando.

12 - Neste depoimento a TS reconhece que viveu na casa da avó logo após sair da instituição, no Verão de 2017, e depois de ser “retirada” da casa dos pais do arguido, em finais de Fevereiro de 2018, no entanto o Tribunal no facto provado com o n.º 44, assevera que a T não tinha meios de subsistência próprios ou apoio familiar.

13 - A TS sempre teve apoio de retaguarda, fosse da família, fosse da instituição onde estava alojada, mas antes escolheu livremente estar com o arguido.

14 - A TS declara que quando foi apanhada em Março de 2017 não queria voltar para a instituição. Estava fugida porque queria e vivia com o arguido porque lhe convinha! 14 - Gostaria é de voltar para casa dos seus pais, mas não a deixavam, sabendo-se que quem a não deixava não era o arguido, antes era a decisão que tinha determinado a sua institucionalização! 15 - No depoimento prestado em audiência de julgamento, no dia 04.06.2019, a declarante afirma que tentou sair, fugir, várias vezes da casa dos pais do RL, mas acabava lá novamente.

16 - No depoimento da testemunha VR, prestado no dia 19.02.2019, a testemunha diz que, referindo-se a permanência da T no apartamento da Quinta (...), esta voluntariamente quis permanecer a viver com o R, não saindo dali com ela.

17 - A mesma testemunha refere que no inverno de 2017, por volta de Outubro/Novembro, encontra T e esta refere que estava mal, por que tinha discutido com o R e saído de casa deste, duas semanas mais tarde (trecho que se inicia ao minuto 36.00) a T volta a falar com a VR e quer o apoio desta porque quer sair de casa do R, fica em casa da VR uma noite e no dia seguinte após falar com o R ao telefone, volta voluntariamente para junto deste.

18 - A testemunha refere claramente que a T foi atrás do R e que a T lhe confidencia que a sua vida com o R esteva a correr tudo bem e que o contacto com a V se ficava a dever a precisar de sair da casa, de estar sozinha.

19 - Mais se retira do depoimento desta testemunha que a T recusou a “ajuda” da V e a da sua mãe e da sua avó, voltando sempre para o R ao primeiro telefonema deste.

19 - Concluindo-se que: a T saiu quando quis e voltou porque quis! 20 - No depoimento da testemunha G, no dia 23.04.2019, a testemunha refere que conheceu a T quando esta namorava e vivia com o F; 21 – De seguida a testemunha esclarece que a T só depois de se despedir do (...) e acabar o namoro com o F é que passou a residir com o R em casa dos pais deste.

22 – Posteriormente, a testemunha declara que a T saiu de casa do R e esteve na sua casa durante 3 dias.

23 – O depoimento da TS, prestado no dia 04.06.2019, corrobora o depoimento da testemunha G.

24 – E no mesmo depoimento a TS confirma que, no período em que viveu com o R em casa dos pais deste, esteve coma V um dia e depois regressou e três dias em casa do G.

25 - Em face da prova analisada o Tribunal não poderia dar como provado, como o fez: - no item 42 dos factos provados que a T tenha aceitado viver novamente com o R no apartamento na (...), apartamento do qual não tinha chave.

- no item 44, que em data não concretamente apurada, mas situada no mês de novembro de 2017, o arguido, sabendo que a TS não tinha meios de subsistência ou apoio familiar, disse-lhe que esta teria de voltar a prostituir-se e entregar-lhe o dinheiro resultante de tal actividade.

- no item 56, que por via da situação em que se encontrava e porque não lograva convencer arguido a deixar de exigir-lhe que se prostituísse, poucos dias antes do Natal do ano 2017 TS saiu de casa e contactou um conhecido do arguido que aceitou a acolhê-la.

26 - Da mesma forma não é aceitável que o Tribunal dê como provado, que faz no item 57) e 58) dos factos provados que o arguido viesse a descobrir onde TS se encontrava, pedido a outra pessoa que se deslocasse a casa de quem tinha acolhido a TS. E que essa pessoa tenha dali levado a T à força.

27 - Da mesma forma as conclusões, que não são factos, vertidas nos itens 68), 69), 70) e 71) devem ser removidas dos factos dados como provados, porque salvo o devido respeito por opinião distinta, não está demonstrada...

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