Acórdão nº 576/19.9T9GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.

    A Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária proferiu a decisão de fls. 36 a 38, ordenando a cassação do título de condução nº GD- (...) pertencente a A.

    , decisão essa confirmada pelo Juízo 2 Local Criminal da Guarda, nos presentes autos de impugnação judicial.

    1. Inconformado, recorre o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1ª – A subtração dos pontos ao condutor ora recorrente configura uma decisão de natureza administrativa (ato administrativo tout court), cujos efeitos dependem da notificação que tem que ser feita ao interessado para, querendo, deduzir toda a defesa que tiver por pertinente, sendo que a preterição desse ato essencial acarreta a nulidade da decisão administrativa da subtração dos pontos, recaindo sobre a Administração o risco da falta de prova da verificação dos pressupostos do ato.

      1. – O recorrente apenas teve conhecimento dos dois atos administrativos da subtração dos pontos quando foi notificado para se pronunciar e para impugnar a decisão da ANSR de cassação do título de condução, pelo que esta decisão – da cassação do título de condução – proferida sem que tenha sido, previa e oportunamente, dado conhecimento ao condutor dos atos administrativos da subtração dos pontos é, pois, nula, operando a nulidade “ex tunc”– o que se requer seja reconhecido e declarado, para os devidos e legais efeitos.

      2. – Nos termos da Lei Penal, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor e a cassação do título de condução são alternativas entre si, e não cumulativas; 4ª – Aquando da segunda condenação referida nos autos – e no supra artigo 2º – e conforme decorre do artigo 148º, nº 4, alínea c) do Código da Estrada, resultou o início do procedimento de cassação.

      3. – O recorrente, naquele processo, foi condenado na sanção de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses – sanção que cumpriu integralmente – sendo certo que para ser aplicada a cassação nunca poderia ter sido aplicada a sanção acessória de inibição de condução; 6ª – Ao confirmar a aplicação da cassação determinada pela Autoridade Administrativa, a douta sentença violou o artigo 69º, nº 1, alínea a) e nº 7 do Código Penal – aplicáveis ex vi artigo 132º do Código da Estrada (DL n.º 114/94, de 03 de maio) e artigo 32º do Regime Geral das Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de outubro); 7ª – A douta sentença ao confirmar o procedimento e aplicação da cassação, além de violar a Lei Penal nos termos supra expostos, violou ainda o disposto no artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”; 8ª – A ser possível a decisão de cassação nos presentes autos, terá como efeito uma compressão dos direitos profissionais do Impugnante que, no limite, poderão levar à perda de emprego, isto porque o recorrente é cabo da Guarda Nacional Republicana, tendo, entre outras atribuições e funções, que conduzir veículos na prossecução do seu trabalho, nomeadamente quando se encontra a exercer funções de patrulhamento ou quando se encontra de turno/piquete e é chamado a uma deslocação; 9ª – A douta sentença, ao confirmar a decisão da autoridade administrativa e consequente compressão dos direitos profissionais, violou o disposto no artigo 65º, nº 1 do Código Penal – aplicável ex vi artigo 132º do Código da Estrada (DL n.º 114/94, de 03 de maio) e artigo 32º do Regime Geral das Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de outubro), assim como do artigo 58º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa; 10ª – A aplicação da cassação redundará no impedimento do recorrente trabalhar, ao passo que em vez de reintegrá-lo, será causa da sua marginalização na sociedade, negando-se-lhe o direito a trabalhar e, deste modo, sendo violado pela douta sentença o disposto no artigo 40º, nº 1 do Código Penal – aplicável ex vi artigo 132º do Código da Estrada (DL n.º 114/94, de 03 de maio) e artigo 32º do Regime Geral das Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de outubro).

      Nestes termos, e com o douto suprimento que expressamente se invoca, deve ser dado provimento ao recurso e julgar-se procedente o presente recurso, decidindo-se de acordo com o propugnado nas precedentes conclusões e, por via dela, ser revogada a douta sentença ora recorrida, substituindo-se por outra que revogue a decisão administrativa de cassação da carta de condução nº GD- (...) , pertencente a A. – pois que assim se fará Justiça» 3.

      O Digno Magistrado do Ministério Público, em primeira instância, defendeu a manutenção da decisão de recurso.

    2. Nesta Relação, o Digno Procurador Geral-Adjunto, secundando os argumentos aduzidos em primeira instância pelo Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

    3. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

  2. A DECISÃO RECORRIDA A decisão sobre a matéria de facto tem o seguinte teor: «A.

    , residente na Estrada Nacional (…), veio, a fls. 40 a 46, recorrer da decisão do Sr. Presidente da ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária), a qual, no âmbito do respectivo Processo de Cassação n.º 541/2018, decidiu determinar a cassação da carta de condução n.º GD- (...) , de que o aqui recorrente é titular.

    Alegou o recorrente para tanto, e em síntese, que, uma vez que pelo menos no segundo processo de natureza criminal em que foi condenado e que aqui se refere lhe foi aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (tendo o aqui recorrente cumprido tal pena acessória na íntegra), então nunca poderia ter sido posteriormente decidida a cassação da respectiva carta de condução como o foi na decisão administrativa aqui recorrida, uma vez que ambas as sanções são alternativas (e não cumulativas), nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 7, do Cód. Penal. Entende assim o recorrente que se viola o disposto no artigo 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que “ninguém pode ser julgado por mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

    Mais alega o recorrente que a decisão aqui recorrida viola o disposto no artigo 65º, n.º 1, do Cód. Penal (aqui aplicado subsidiariamente), segundo o qual “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”, mais sendo que o n.º 2 da mesma norma reza ainda que “a lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões”, o que quer dizer que tem de resultar da lei a perda de quaisquer direitos, nomeadamente profissionais. Alega o recorrente neste conspecto que exerce a profissão de Cabo da Guarda Nacional Republicana e que, portanto, no âmbito dessa sua profissão, tem de conduzir veículos automóveis, nomeadamente em funções de patrulhamento, quando se encontra de turno ou piquete ou quando é chamado a uma deslocação, e por isso, sendo-lhe cassada a respectiva carta de condução, ficará então impedido de exercer essas funções, o que importará uma redução do respectivo vencimento e poderá mesmo levar à perda do respectivo emprego.

    E com base nesta última argumentação, entende ainda o recorrente que a decisão administrativa viola o artigo 40º, n.º 1, do Cód. Penal (aqui aplicado subsidiariamente), na medida em que a aplicação de penas visa a “reintegração do agente na sociedade”, assim como se viola o artigo 58º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “todos têm direito ao trabalho”.

    Admitido o recurso interposto, o Tribunal declarou que se encontrava habilitado a decidir por mero despacho, sem necessidade de realização de audiência de julgamento, tendo então obtido a concordância expressa por parte do Ministério Público e do aqui recorrente nesse sentido.

    Não existem quaisquer excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa, cumprindo decidir.

    ** FUNDAMENTAÇÃO: DOS FACTOS: Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga como provados os seguintes factos:

    1. O recorrente A. é titular da carta de condução n.º (…).

    2. O mesmo aqui recorrente exerce a profissão de Cabo da Guarda Nacional Republicana, e no âmbito dessa sua profissão, tem de conduzir veículos automóveis, nomeadamente em funções de patrulhamento, quando se encontra de turno ou piquete ou quando é chamado a uma deslocação.

    3. O recorrente foi condenado no âmbito do processo n.º 31/17.1GBCVL, do Juízo Local Criminal da Covilhã, pela prática no dia 2 de Fevereiro de 2017 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 72 dias de multa, à taxa diária de €8,00, no total de €576,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses. Tal condenação foi proferida no dia 23 de Fevereiro de 2017 e transitou em julgado no dia 27 de Março de 2017, tendo as respectivas penas sido já julgadas extintas pelo cumprimento.

    4. O recorrente mais foi condenado no âmbito do processo n.º 6/18.3GHCVL, do Juízo Local Criminal da Covilhã, pela prática no dia 17 de Janeiro de 2018 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 110 dias de multa, à taxa diária de €7,00, no total de €770,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses. Tal condenação foi proferida no dia 6 de Fevereiro de 2018 e transitou em julgado no dia 8 de Março de 2018, tendo as respectivas penas sido já julgadas extintas pelo cumprimento.

    * Por seu turno, entendemos que não existem quaisquer factos que hajam de ser julgados como não provados e que se mostrem relevantes para a decisão da presente causa.

    * MOTIVAÇÃO: Os factos que se deram como provados resultam da decisão administrativa recorrida, do Registo Individual do Condutor do aqui recorrente que consta de fls. 14, das actas de audiência de julgamento de fls. 6 a 11, e...

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